Efeitos do vento sobre a aeronave

As aeronaves são controladas em meio a um oceano de ar, e os movimentos desse oceano influenciam diretamente sobre o voo. Dependendo da direção e intensidade do vento, pode haver um aumento ou economia do consumo de combustível, turbulência e até desvio de rumo e rota. Vejamos alguns desses efeitos.

Aeronave pousando com tesoura de vento. Fonte: Airliners.com

Os ventos são descritos através de sua intensidade (geralmente expressa em km/h ou nós), direção (seu sentido, de onde vem) e caráter (se é um vento contínuo ou uma rajada). Essas características podem ser obtidas através de um aparelho chama anemômetro, mas podem também ser indicadas através da biruta do aeroporto.

Indicador visual de condições de vento (ou biruta) de heliponto em São Paulo. Foto: ViniRoger

Vento de proa

É o vento que vem de frente para a aeronave (proa). É importante durante a fase de pouso do avião, pois aumenta o arrasto devido à colisão das moléculas de ar e dissipação da energia de movimento em forma de calor. Pode parecer nada intuitivo, mas é fundamental para a decolagem da aeronave. O avião precisa correr uma grande distância na pista para ganhar velocidade e assim o movimento do ar relativo a asa (chamado vento relativo) atingir uma intensidade suficientemente grande para promover a força de sustentação, que faz com que o avião suba. Por exemplo, um Boeing 747 decolando com temperatura no nível da pista de 15°C e vento de cauda de 9km/h, o peso máximo de decolagem terá de ser diminuído em 9 toneladas.

As pistas de aeroportos devem ser construídas na direção predominante do vento naquela região, sendo necessário o estudo prévio de uma série climatológica de ventos na região. Desse modo, permite-se o pouso e decolagem sempre contra o vento. Aqueles números que aparecem nas pistas indicam a direção do rumo magnético (em graus) da pista, conforme a direção de pouso/decolagem (veja mais no slide 19 da apresentação de Navegação Aérea desse site).

Vento de cauda

É o vento que vem de trás da aeronave (cauda) e vai para frente da aeronave (proa). É muito útil durante um voo em rota (ou também chamada “voo de cruzeiro”, que é a etapa do voo de uma aeronave compreendida entre o final da subida e o início da sua descida, ao aeroporto de destino), pois auxilia a aeronave ao empurrá-la para frente. Desse modo, precisa de menos força de tração e é gerada uma economia de combustível e de tempo de voo. Pilotos podem buscar alterar o nível de voo ou rota para buscar esse tipo de vento ou evitar ventos de proa durante sua rota. Por exemplo, um B-747 consome 10 toneladas a mais de combustível se pegar um vento de proa de 90 km/h durante uma distância de 5.000 km durante um voo de cruzeiro.

Existem jatos de ar que foram descobertos durante as incursões aéreas na Segunda Guerra Mundial, quando pilotos notificaram a existência de ventos de cauda acima de 160 km/h em rotas feitas entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. As correntes de jato (ou Jet Streams) são como correntezas que acontecem na alta atmosfera (na região de nível de voo de cruzeiro, entre 7 e 12 quilômetros de altitude). Quanto ao seu processo de formação, o vento horizontal é proporcional ao gradiente (ou seja, diferença) de temperatura horizontal, que naturalmente existe entre os polos e o Equador, cuja direção é desviada devido à ação da força de Coriolis. Para formarem jatos estreitos e com maior velocidade, formam-se devido à tendência de, em latitudes médias, ocorrer o encontro de massas de ar com características muito diferentes, conhecidas como frentes. Também colabora a célula de Hadley, que é um modelo de circulação fechada da atmosfera terrestre predominante nas latitudes equatoriais e tropicais: o ar tropical eleva-se para a tropopausa, causa principal dos sistemas de tempestades severas da zona de convergência intertropical (ITCZ), movendo-se em direção aos polos antes de descer e cuja direção é alterada pela influência da força de Coriolis. Veja mais sobre Correntes de jato e balões bomba clicando no link.

Vento de través

Través, em náutica, é cada um dos lados de uma embarcação (ou seja, perpendicular à linha longitudinal do barco). Termo importado para a aviação, o vento de través é aquele que vem “de lado”. Pode provocar instabilidade e turbulência, dependendo da intensidade, e também alterar o rumo da aeronave. Da mesma forma que a correnteza de um rio impede você de nadar em linha reta e chegar exatamente em frente, do outro lado do rio, a aeronave deve compensar o vento virando a proa contra a direção do vento para continuar voando no rumo certo. Essa compensação é chamada de “correção de deriva”, outro termo importando da náutica.

Tesoura de vento

No Brasil, a ANAC adota a expressão “tesoura de vento” como tradução de “windshear”, também conhecida como “cisalhamento do vento” ou “cortante”. É definido como uma rápida variação na direção e/ou na velocidade do vento ao longo de uma dada distância. Com isso, o fluxo do ar torna-se turbulento. Muitas vezes ocorre próximo da superfície e pode afetar gravemente o pouso de uma aeronave.

Essa variação vertical da intensidade do vento é chamada “gradiente vertical da velocidade média horizontal do vento”. Caso seja até 4kt/100ft (ou seja, a intensidade do vento aumenta 4 nós a cada 100 pés que sobe), a cortante é classificada como leve (de 5 a 8 é moderada, 9 a 12 é severa e acima de 12kt/100ft é considerada extrema).

Para detectar o fenômeno, os aeroportos precisam de um sistema instrumental composto por anemometria sônica capaz de medir flutuações e cisalhamentos das flutuações do vento em alta frequência. Os aviões mais modernos contam com um sistema de EGPWS (Enhanced Ground Proximity Warning System ou Sistema melhorado de alerta de proximidade ao solo) que já possui uma função de prever o fenômeno (predictive windshear). Veja esse vídeo com vários exemplos de como uma tesoura de vento podem atrapalhar um pouso ou decolagem. Isso aconteceu no Reino Unido, Birmingham International Airport, durante o inverno de 2013/2014.

Outro exemplo, agora com um A380 em Dusseldorf (Alemanha) em outubro de 2017:

Veja mais detalhes sobre avisos preditivos e reativos, assim como procedimentos realizados, nesse vídeo sobre tesoura de vento do canal Aviões e Músicas.

Microburst e downburst

O microburst é uma coluna de ar que desce com força (geralmente de uma nuvem de tempestade severa) e divergente em solo, com ventos em linha reta na superfície (bem diferente de furacões e tornados, os quais têm geralmente os danos convergentes). Seu diâmetro está entre 1600 e 1800 metros e sua intensidade é de 4200 pés por minuto (a 2000 pés de altura) e de 1800 pés por minuto (a 1000ft de altura). Veja o vídeo da ocorrência real de um microburst clicando no link (note uma grande quantidade de chuva descendo com grande velocidade do meio da nuvem em direção ao solo).

O downburst é basicamente o mesmo que o microburst, só que é mais intenso ainda. Veja nesse vídeo como ele atua e sua influência sobre uma aeronave:

Redemoinho

Os redemoinhos ou diabos de poeira (do inglês dust devil) são ventos em espiral formados pela rápida convecção do ar, em dias quentes e sem ventos e de muito sol. São fenômenos que não oferecem riscos à navegação aérea por serem de fraca intensidade e de curta duração, porém geram o inconveniente de restrição de visibilidade e levantamento de poeira próximo do solo.

Note que é um fenômeno bem diferente de um tronado ou principalmente um furacão. Veja mais sobre redemoinhos, tornados e furacões clicando nos respectivos links.

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