Meteorologia no acidente aéreo de Teori Zavascki

Em 19 de janeiro de 2017, um acidente aéreo vitimou o juiz Teori Zavascki, o piloto e duas acompanhantes. Ministro do Supremo Tribunal Federal, ganhou expressiva notoriedade após tornar-se o ministro relator da Operação Lava Jato no STF. Segundo o Instituto Médico Legal (IML) de Angra dos Reis, a causa da morte foi politraumatismo craniano devido ao impacto da queda do avião.

Baía de Paraty com o local dos destroços e linhas para estimativa de visibilidade, com destroços da aeronave. Fonte: relatório do CENIPA.

Surgiram várias teorias conspiratórias sobre uma causa intencional do acidente, que só poderiam ser verificadas após a minuciosa investigação conduzida pelo órgão responsável. Dia 16 de janeiro de 2018, foi publicado o relatório final do CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) a respeito do acidente com o avião Beechcraft C90GT de matrícula PR-SOM, disponível nesse link.

O foco das investigações do CENIPA é investigar as causas para PREVENIR novos acidentes e melhorar a segurança de voo, sem apontar culpados nem possuir implicações judiciais. Existem vários fatores que contribuem para um acidente aéreo, e por isso uma investigação pode levar vários anos. Aqui segue um resumo das condições meteorológicas naquela tarde, que lista dentre os fatores contribuintes juntamente com o processo decisório e a cultura do grupo de trabalho.

Condições meteorológicas

O acidente aconteceu durante a segunda tentativa de aproximação para pouso no aeródromo de Paraty/RJ, após meia hora da decolagem no aeroporto de Campo de Marte/SP. A aeronave entrou em uma região sob condições meteorológicas de visibilidade restrita. Isso levou o piloto a perder contato visual com as referências do terreno, gerando perda de controle e impacto da aeronave contra a água próximo à Ilha Rasa por volta das 13h30min.

Análise sinótica do CPTEC/INPE

Segundo a análise sinótica de superfície das 12h (UTC, e com o horário de verão eram 2h a menos no local), observava-se uma zona de convergência de umidade sobre a região sudeste, o que propiciava a formação de uma banda de nebulosidade organizada e precipitações intensas. O prognóstico de tempo significativo (carta SIGWX) do mesmo horário entre a superfície e o nível de voo de 25000 pés, com projeções no período compreendido entre 9h e 15h (UTC), indicava presença de tempo nublado com nuvens a 1200 pés de altura (teto baixo) e possibilidade de chuva contínua.

Carta SIGWX da Redemet/Aeornáutica
Imagem de satélite (com realce de nuvens mais frias) das 15h UTC (INPE/CPTEC/DSA)

As imagens de satélite Geostationary Operational Environmental Satellite (GOES 13) mostravam uma intensificação e um deslocamento da banda de nebulosidade sobre a região, no período de 14h às 16h (UTC). O radar meteorológico localizado em Petrópolis, RJ (Pico do Couto), registrava a presença de água precipitável sobre a região e evolução das condições de precipitação.

Imagem de radar (maxxcappi) das 15h26min UTC (Redemet/Aeronáutica)

Devido à inexistência de mensagens “Meteorological Aerodrome Report” (METAR – Boletim Meteorológico de Localidade) no aeródromo de Paraty, a Comissão de Investigação buscou informações do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), referentes a uma estação meteorológica automática. Entre 15h e 16h (UTC), foram registrados ventos de intensidade de 0,5 a 1,1m/s com rajadas de até 5,5m/s e chuva acumulada de 10,8mm.

Pressão e visibilidade

Nessa mesma estação do INMET, a pressão atmosférica medida variou entre 1.013,7 e 1.014,5 hPa nesse período. Essa variável é fundamental para definir a altitude da aeronave, que deve sempre realizar o ajuste de altímetro para manter os valores coerentes com a realidade. Considerando essa variação e que o piloto estivesse usando o ajuste do aeroporto de São José dos Campos (o mais próximo, já que o aeródromo de Paraty não possui estação aeronáutica com informação de ajuste de altímetro), o instrumento teria uma imprecisão de cerca de 100 a 120 pés acima da altitude real. Essa diferença entre 30 e 40 metros é considerável durante um procedimento de pouso.

Outra variável importante a ser estimada é a visibilidade horizontal, que é a maior distância em que um objeto de dimensões apropriadas pode ser visto e identificado, contra um fundo claro. A Comissão de Investigação utilizou as imagens registradas por uma câmera de segurança na região. Adotando pontos no terreno como referência de distância em um momento de maior visibilidade (conforme imagem do início do post), foi determinado o alcance visual no horário do acidente.

Imagens de câmera próxima ao local da queda no horário de decolagem (esquerda) e dois minutos após o acidente. Fonte: relatório do CENIPA.

Note que, no horário da decolagem, a visibilidade passava de 5 km. Já próximo do horário do acidente, a visibilidade máxima caiu para menos de 1500 metros, devido à chuva.

Os sistemas normais de orientação do ser humano é formado principalmente baseado na visão. Por estar prejudicada, o corpo tenta apreender mais sistema vestibular relacionado ao ouvido interno) e do sistema proprioceptivo (receptores localizados na pele, músculos, tendões, ligamentos e articulações). No entanto, eles são menos acurados e mais propensos a ilusões e a má interpretações. Os movimentos complexos do ambiente de voo aumentam a probabilidade de ocorrência de desorientação espacial.

As condições de voo encontradas pelo piloto favoreciam à ocorrência de ilusão vestibular e de ilusão visual de terreno homogêneo. Assim, houve a perda de controle e a aeronave impactou contra a água, com grande ângulo de inclinação das asas, ficando destruída e com todos os ocupantes sofrendo lesões fatais.

“a cultura presente, à época, valorizava os pilotos que efetuavam o pouso mesmo em condições meteorológicas adversas (…) A recorrência de acidentes naquela região, com características comuns ao acidente em tela, demonstra que tal cultura existia há vários anos, sem que houvesse uma conscientização por parte de pilotos e operadores”
Relatório final A-013/CENIPA/2017

Outros acidentes envolvendo políticos

Outro acidente envolvendo um político de expressão nacional já havia acontecido em 13 de agosto de 2014. Nesse dia, um avião Cessna Citation prefixo PR-AFA caiu na Base Aérea de Santos/SP com sete pessoas, incluindo Eduardo Campos, candidato à presidência da República.

Nele, as condições meteorológicas também estiveram dentre as causas do acidente. Havia muita névoa úmida e a visibilidade adiante era de 3 mil metros, no limite para aquele tipo de avião. As nuvens estavam muito baixas, a cerca de quase 300 metros do solo, quase o mínimo estipulado na carta. O vento era de cauda, 12 km/h. Ou seja, na mesma direção do pouso, o que dificulta frear o avião durante o pouso, especialmente numa pista molhada, como era o caso. Para mais informações, veja o relatório do acidente com o avião PR-AFA no link.

Ainda antes, na mesma região de Paraty, um acidente de helicóptero vitimara outro político. Em 12 de outubro de 1992, o voo que levava o deputado Ulysses Guimarães e mais quatro pessoas de Angra do Reis para São Paulo caiu no mar sem deixar sobreviventes. O helicóptero Esquilo HB 350 B de prefixo PT-HMK caiu próximo à Ponta do Joatinga, também em Paraty, sendo que mais destroços foram encontrados até 10 anos depois em Trindade e Ubatuba. As investigações foram realizadas na época pelo DAC, mas não foram conclusivas diante das poucas partes encontradas. Evidências apontaram que a queda da aeronave teria sido ocasionada pelas chuvas forte que atingiu a cidade naquele fim de tarde.

Ulysses Guimarães presidiu a Assembleia Nacional Constituinte, da qual nasceu a Constituição Federal de 1988, e foi peça fundamental durante a crise política que terminou com o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Seu corpo nunca foi encontrado.

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