Halo e seus fenômenos ópticos

No tratado Meteorologia, do século 4º antes de Cristo, Aristóteles registrou dois falsos sóis que nasceram com o sol e o seguiram durante todo o dia. No dia 20 de abril de 1535, a cidade de Estocolmo (Suécia) amanheceu com círculos e arcos luminosos pelo céu enquanto dois sóis adicionais surgiram ao redor do sol. O fenômeno foi descrito no quadro “Vädersolstavlan” (traduzido como “Pintura dos Cães do Sol”) em 1629. O filósofo René Descartes presenciou nos céus de Roma a aparição de cinco sóis, o que o motivou para se dedicar ao estudo do fenômeno.

Vädersolstavlan (Pintura dos Cães do Sol), pintura de Urban Larsson (1535, original mas que não existe mais) e Jacob Heinrich Elbfas (1536, cópia atual). Fonte: Wikipedia
Vädersolstavlan (Pintura dos Cães do Sol), pintura de Urban Larsson (1535, original mas que não existe mais) e Jacob Heinrich Elbfas (1536, cópia atual). Fonte: Wikipedia

Apesar de impressionante, esse fenômeno tem nada de sobrenatural. Os círculos luminosos que aparecem no céu podem ser explicados pela luz interagindo com cristais de gelo – por isso, no Brasil, é comum somente acontecer durante a passagem de nuvens Cirrostratus. Eles são conhecidos por halos e possuem diversas variações.

Como se formam?

As exibições de halo variam desde o familiar círculo ao redor do sol ou da lua até eventos raros, quando todo o céu é coberto por arcos intrincados. Minúsculos cristais de gelo na atmosfera, com raio da ordem de 20,5 micrômetros, criam halos ao refratar e refletir a luz. Os padrões luminosos variam conforme o formato predominante dos cristais presentes nas nuvens altas.

A luz do sol que passa entre as faces dos cristais de gelo é refratada e refletida, enviando raios de luz em direções específicas. Halos são o efeito óptico coletivo de milhões de cristais. Independentemente de suas proporções gerais, todos os cristais de gelo têm ângulos interfaciais idênticos. É essa constância que gera halos regulares e previsíveis.

Os ângulos do cristal são sempre os mesmos porque as moléculas individuais de água estão ligadas entre si e organizadas em uma rede regular. O gelo tem uma simetria molecular hexagonal, por isso os flocos de neve geralmente acabam ganhando esse formato. Nesse caso, flocos de neve são cristais de simetria hexagonal grandes e complicados e não formam halos, no máximo alguns pilares solares.

Placas e colunas

Os cristais de gelo são principalmente prismas hexagonais, como lápis, que variam em proporção ou formato. Um cristal de gelo mais “curto” com relação ao eixo perpendicular ao plano do hexágono é conhecido como “placa”, enquanto que mais longo ao redor desse eixo é chamado de “coluna”.

Fotos de cristais de gelo em forma de placas e colunas observados em nuvens - formatos irregulares são regra. Fonte: Bailey & Hallet (2021)
Fotos de cristais de gelo em forma de placas e colunas observados em nuvens – formatos irregulares são regra. Fonte: Bailey & Hallet (2021)

Essas placas e colunas podem ter tamanhos de face relativos diferentes e suas faces de extremidade hexagonal podem ser irregulares. Lembrando que, independentemente de suas proporções individuais, os ângulos entre suas faces são sempre os mesmos: 60° entre si e 90° com relação às seis faces laterais. Cada ângulo e cada alinhamento com relação à superfície (e ao Sol) favorece certos caminhos de luz através dos cristais e produz sua própria família de halos.

À medida que os cristais descem, eles se orientam em uma condição de arrasto máximo. Essa configuração é dinamicamente estável em que pequenos desvios produzem forças de correção que restauram a orientação. Assim, as faces maiores ficam quase horizontais, tanto as placas quanto as colunas.

Os raios de luz que passam entre as faces laterais verticais inclinadas com um ângulo de 60° formam parélios, quando placas, ou arco tangente, quando colunas. Raios que passam entre uma das grandes faces horizontais hexagonais e uma face lateral (ângulo de 90°) formam um arco circunzenital e um arco circum-horizontal, no caso de placas, ou arcos supralateral e infralateral, no caso de colunas.

Para placas, os reflexos de faces horizontais geram o sub-sol e pilares solares, enquanto que os das faces verticais contribuem para o círculo parélico. Os reflexos nas faces laterais das colunas formam pilares solares e nas faces basais verticais, contribuem para o círculo parélico. Caminhos de raio mais complicados fornecem muitos arcos raros – essa imagem mostra vários casos de halos na neve.

Halos mais comuns e os respectivos cristais geradores: arco circunzenital, arco tangente superior, halo de 22°, círculo parélico, parélios e arco tangente inferior (de cima para baixo). Fonte: HaloSim3
Halos mais comuns e os respectivos cristais geradores: arco circunzenital, arco tangente superior, halo de 22°, círculo parélico, parélios e arco tangente inferior (de cima para baixo). Fonte: HaloSim3

Halos de 22° e 46°

O halo mais comum de se observar forma-se de modo mais interno, com um tamanho de aproximadamente de 22° ao redor do Sol ou da Lua. O halo de 46° é maior e mais fraco. São diferentes da corona, que são anéis coloridos muito menores ao redor do astro produzidos por gotículas de água em vez de cristais de gelo. Para tirar a dúvida, estique os dedos da mão e coloque o polegar sobre o Sol; o halo ficará próximo à ponta do dedo mínimo.

Conforme a luz passa pelo ângulo incidente máximo de 60° de um prisma hexagonal de gelo, ele é defletido duas vezes, resultando em desvios de ângulo de 22° para 50°. O ângulo de desvio mínimo é quase 22° (21,54° para a luz vermelha e 22,37° para a luz azul). Esta variação do comprimento de onda na refração torna a borda interior avermelhada e a borda exterior, azulada. Como nenhuma luz é refratada em ângulos menores do que 22° o céu é mais escuro dentro do halo.

Diagrama com os raios de luz refratando 22° no interior de cristais de gelo e formando halo - para o halo de 46°, basta mudar o ângulo. Fonte: Wikipedia
Diagrama com os raios de luz refratando 22° no interior de cristais de gelo e formando halo – para o halo de 46°, basta mudar o ângulo. Fonte: Wikipedia

O halo de 46° é mais fraco porque a inclinação de 90° entre as duas faces dos cristais faz as cores serem mais dispersas que o de 22°. Além disso, como muito mais raios são defletidos em ângulos maiores que o ângulo de desvio mínimo, as bordas exteriores do halo são mais difusas. São mais comuns quando o astro (Sol ou Lua) está em uma elevação mais baixa com relação ao horizonte (entre 15° e 27°).

Parélios

Um parélio (ou “sundog”) parece um falso sol, consistindo em um ponto brilhante à esquerda e/ou à direita do Sol, e à mesma altura acima do horizonte. Dois parélios solares geralmente flanqueiam o Sol dentro de um halo de 22°. Eles são de cor vermelha do lado mais próximo do Sol, indo para o azul pra o outro lado. No entanto, as cores se sobrepõem consideravelmente e também se fundem no branco do círculo parélico (se o último for visível).

Arcos tangentes

Os raios dos arcos tangentes entram uma face lateral e sai diretamente por outra inclinada 60° para a primeira. O arco tangente superior lembra uma gaivota, sempre tocando o halo de 22° em um ponto diretamente acima do sol. Suas asas se abrem e depois caem à medida que o sol sobe. O arco tangente inferior segue uma dinâmica semelhante, porém tem mais um formato de “V”.

Halo circunscrito

O halo circunscrito é tipicamente uma forma oval de cor brilhante ao redor do sol. É tangencial ao halo interno de 22° diretamente acima e abaixo do sol e é mais brilhante lá. Às vezes, iluminações locais do halo 22° são o único sinal disso. Sua forma depende muito da altitude solar. Quando o sol está abaixo de 29°, o halo se separa nos arcos tangentes superior e inferior.

Sub-sol

O sub-sol aparece como um ponto brilhante visível dentro de nuvens ou névoa quando observado de cima. Uma região de cristais de gelo atua como um grande espelho, criando uma imagem virtual do Sol aparecendo abaixo do horizonte – semelhante ao reflexo do Sol em um corpo d’água. À medida que caem no ar, suas propriedades aerodinâmicas fazem com que se orientem horizontalmente, ou seja, com suas superfícies hexagonais paralelas à superfície da Terra. Quando são perturbadas pela turbulência, as placas começam a “oscilar”, fazendo com que suas superfícies se desviem alguns graus da orientação horizontal ideal e fazendo com que a reflexão (ou seja, o sub-sol) se torne alongado verticalmente.

Pilar de luz (solar)

Quando o desvio dos raios de luz que formam um sub-sol é suficientemente grande, ele é esticado em uma coluna vertical conhecida como pilar solar inferior. O pilar de luz também pode se formar para cima do Sol (ou da Lua) em direção ao zênite. Ao contrário de um feixe de luz, um pilar de luz não está fisicamente localizado acima ou abaixo da fonte de luz. Sua aparência como uma linha vertical é uma ilusão de ótica, resultante do reflexo coletivo dos cristais de gelo.

Subparélio

Parecem os parélios anexos ao sub-sol. Os raios entram e saem dos cristais da placa orientada através das faces laterais inclinadas a 60° entre si. Eles diferem dos raios parélio comuns por serem totalmente refletidos internamente pela face horizontal inferior. Eles deixam o cristal em uma direção para cima e, portanto, o subparélio parece estar abaixo do horizonte.

Arco circunzenital

É um halo ótico similar a um arco-íris invertido no céu e tangente ao acro supralateral, com cores mais vivas que outros halos óticos. Ocorre quando a luz entra pela base plana de cristais de gelo prismáticos e sai no vértice superior desta face. Pode se formar quando o Sol está a uma distância superior a 32,3° em relação ao zênite ou por arcos de Parry.

Arco circum-horizontal

É um halo ótico colorido e paralelo ao horizonte, localizada bem abaixo do Sol ou da Lua, e quando a nuvem formadora de halo é pequena ou irregular, apenas fragmentos do arco são vistos. Ocorre quando a luz entra pela face lateral de um cristal de gelo prismático e hexagonal e sai pela base inferior do cristal, refratando a luz e mantendo a cor vermelha no topo. Pode se formar quando o Sol está em alturas superiores a 57,8° – assim, não pode ser observado em latitudes superiores a 55°, nas quais o Sol não alcança essa altura em relação ao horizonte.

Ele também nunca ocorre simultaneamente a um arco circunzenital. Às vezes, são confundidos com iridescência de nuvem, mas este se origina de difração (normalmente por gotículas de água líquida ou cristais de gelo) em vez de refração e pode ocorrer em diferentes posições no céu. Um exemplo de arco circum-horizontal pode ser visto no link.

Círculo parélico

O círculo parélico é uma faixa branca circundando o céu contendo o Sol e sempre na mesma altura do horizonte – apenas fragmentos do círculo geralmente são vistos. É produzido quando a luz do sol ou da lua reflete nas faces quase verticais dos cristais de gelo. O reflexo pode ser do lado de fora de um cristal ou mais uma vez dentro dele.

Halos mais raros: arcos difusos, antélio, arco enganador, parélio 120°, arco subélico, arco de Hasting, arco de Wegener, arco supralateral, halo de 46°, arco infralateral, arcos de Parry (supra e infralaterais) e arco hélico (de cima para baixo). Fonte: HaloSim3
Halos mais raros: arcos difusos, antélio, arco enganador, parélio 120°, arco subélico, arco de Hasting, arco de Wegener, arco supralateral, halo de 46°, arco infralateral, arcos de Parry (supra e infralaterais) e arco hélico (de cima para baixo). Fonte: HaloSim3

Arcos supralateral e infralateral

Esses arcos de cores vivas geralmente são vistos apenas como fragmentos, o que ajuda a diferenciá-los de um halo de 46°. Eles mudam suas formas drasticamente com as mudanças na altitude solar. O arco supralateral só se forma em altitudes solares abaixo de 32°, na região extrema superior com relação ao Sol, e o arco infralateral, nas laterais extremas. Um arco supralateral sempre toca um arco circunzenital.

Arcos de Parry

Eles foram observados e documentados pela primeira vez pelo explorador William Edward Parry em 1820 durante sua busca pela Passagem Noroeste, no Ártico. Os arcos de Parry são gerados por cristais de coluna hexagonal com orientação dupla, ou seja, a chamada orientação de Parry, em que tanto o eixo principal central do prisma quanto as faces laterais superior e inferior do prisma são orientadas horizontalmente.

Essa orientação é responsável por vários halos raros. Os arcos de desvio são o resultado da luz que passa por duas faces laterais formando um ângulo de 60°. A forma dos arcos de Parry muda com a elevação do sol e são subsequentemente chamados de arcos superiores ou inferiores para indicar que são encontrados acima ou sob o sol, e “sunvex” ou “suncave” dependendo de sua orientação (côncavos ou convexos em relação ao sol).

Arco de Lowitz

É um tipo raro e tênue de halo que forma um arco luminoso que se estende para dentro de um parélio e pode continuar acima ou abaixo do sol. O arco Lowitz superior é sempre tangencial a uma suncave Parry. Os cristais de placa giram na orientação Lowitz (ao redor de um eixo que passa entre dois vértices opostos de um hexágono), com os raios passando entre duas faces inclinadas a 60° do prisma.

Arco de Moilanen

Seu nome é uma homenagem ao descobridor, o finlandês Jarmo Moilanen. Este raro arco possui forma de “V” e aparece no interior de um halo de 22°, em sua parte superior (abaixo do arco tangente superior). é visto com mais frequência na poeira de diamante (cristais no ar próximos ao nível do solo) formada a favor do vento de máquinas de neve em pistas de esqui. Simulações apontam para serem gerados por prismas com ângulos de 34°, mas a ocorrência deles na natureza é altamente improvável.

Arco de Kern

O extremamente raro arco de Kern é um círculo superior muito tênue que parece um prolongamento do arco circunzenital, cuja parte inferior é a mais brilhante.Ou seja, ele circunda completamente o zênite, enquanto o arco circunzenital o faz apenas parcialmente.

O caminho contorcido do raio de luz não é possível em cristais hexagonais comuns próximos ao regular, a menos que sejam improvavelmente grossos – quase colunas verticais. Cristais hexagonais com formatos “triangulares”, com três faces laterais alternadas muito mais curtas do que as outras, permitem a formação dos raios de Kern.

Arco de Wegener

É formado por colunas orientadas individualmente. Caminhos de raio semelhantes ao arco tangente superior (ao qual ele próprio é tangencial), exceto que há uma reflexão interna de uma face final do prisma. Os raios entram em uma face lateral, refletem em uma face final e saem por outra face lateral inclinada 60º para a primeira. O arco envolve o halo circunscrito no sol alto.

Arco de Hastings

O extremamente raro arco de Hastings se curva para a esquerda do arco Wegener, mais brilhante. Ele é gerado pelos mesmos caminhos de raio que o arco de Wegener, mas a partir de cristais orientados Parry em vez de colunas orientadas individualmente.

Parélio de 120° e 44°

Eles não são particularmente raros, mas quando são difusos, às vezes pode ser difícil distingui-los de áreas brilhantes de nuvem. Os raios entram na face superior da placa de cristal, refletem internamente em duas faces laterais adjacentes e saem pela face inferior. A deflexão horizontal do raio é sempre 120°, independentemente do ângulo de incidência do raio de entrada – daí o parélio, em vez de outro raio circular parélico.

Os parélios de 44° parecem acompanhar o halo de 46°, sendo duas manchas luminosas na mesma altura do Sol. No entanto, estão um pouco mais próximos do Sol e exemplos raros de espalhamento múltiplo. Na verdade, eles são “sundogs de sundogs”, formados por raios que já passaram por uma placa de cristal interceptando uma segunda placa de cristal e sendo defletida. A deflexão dupla tem um ângulo de desvio mínimo de 44°. São necessárias concentrações muito altas de placas de cristal para que ocorra.

Arco hélico

Gerado pela luz do sol refletida nas faces laterais do cristal, se curvando para cima a partir do Sol.

Arco subélico

Formado por colunas orientadas individualmente e colunas Parry. Os raios entram em na face basal, refletem internamente nas duas faces laterais e saem da extremidade oposta do cristal. O desvio líquido visto da extremidade do cristal é sempre 120°, como raios formando o parélia de 120°.

Antélio

Aparece como uma mancha branca fraca no círculo parélico no ponto anti-solar (diametralmente oposto ao Sol). Pode ser atravessada por um par de arcos difusos em forma de X.

Arcos difusos

Um dos caminhos de raios contorcidos que formam os arcos difusos, com uma aparência torcida e tênue no ponto anti-solar. Um raio entra em uma face lateral de uma coluna orientada individualmente. Ele reflete internamente em três outras faces laterais e, em seguida, em uma face final antes de emergir pela face de entrada.

Arco enganador

Produzido por colunas orientadas individualmente. Raios de arco enganador são como aqueles do arco subélico, exceto que o caminho do raio é essencialmente duplicado pela reflexão de uma face final. Visto da extremidade do prisma, os raios, como os do arco subélico, são desviados por uma constante de 120°.

Arcos sub-horizontais

Além do sub-sol e sub-parélio, existem outros arcos que podem ser formar através de uma reflexão extra de uma face horizontal inferior, produzindo a contraparte “sub-horizontal” de um halo de placa de cristal comum. O ponto anti-solar contém o círculo sub-paraélico, que é uma reflexão do círculo paraélico. Nesse ponto, também formam-se arcos difusos e um arco anti-solar de Parry, com os raios de luz atravessando cristais em forma de colunas.

Saiba mais

Raros cristais em formato piramidal, com 20 facees ou mais, podem gerar halos de 9° ou 23°. Halos também podem acontecer em outros planetas, mas em outros formatos, já que a atmosfera deles tem outra composição.

Se está procurando mais sobre outros fenômenos ópticos da atmosfera, como uma explicação sobre o céu azul, pôr do sol avermelhado, branco das nuvens, miragem, arco-íris, glória, irisação e aurora polar, veja mais no post Aurora polar no Brasil?

Fontes

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