A Chuva Interminável, de Ray Bradbury

Um grupo de astronautas cai em Vênus e precisa enfrentar a interminável chuva que cai no planeta para se salvar. Esse é o enredo de um dos contos de Ray Bradbury, escrito em uma época em que não se conhecia a superfície de Vênus, mas que consegue passar ao leitor uma angustiante aventura em que a esperança e a loucura levam a uma interessante metáfora sobre a vida. Além dos contos “O vento” e “O dia que choveu para sempre“, este é outra história de Ray Bradbury com forte inspiração na Meteorologia.

Arte conceitual de "A chuva interminável". Fonte: Homem metálico
Arte conceitual de “A chuva interminável”. Fonte: Homem metálico

Autor estadunidense de ficção e fantasia, Ray Bradbury (1920-2012) começou a escrever histórias para um fanzine no final da década de 1930. Em 1939 ele publicou algumas edições de seu próprio fanzine, “Futuria Fantasia”, antes de começar a escrever histórias para revistas de grande circulação. Provavelmente sua obra mais conhecida seja o livro “Fahrenheit 451” (de 1953).

Vários de seus textos foram adaptados para o cinema e para séries de TV, e também escreveu roteiros originais para teleteatros e séries, como “Além da Imaginação”. Na década de 1980, adaptando seus próprios contos, o escritor colaborou com a produção de O Teatro de Ray Bradbury. A série durou duas temporadas na HBO, de 1985 a 1986, e quatro temporadas adicionais na USA Network, de 1988 a 1992, totalizando 65 episódios.

O conto “A chuva interminável” (“The long rain”) foi originalmente publicado em 1950 como “Morte pela chuva” (“Death-by-Rain”) na revista Planet Stories e depois na coleção The Illustrated Man. O conto completo está disponível no site Homem Metálico. O episódio de da série “O Teatro de Ray Bradbury” foi pela primeira vez ao ar em 19 de setembro de 1992 e está disponível no Youtube a seguir (dublado em português):

A história também foi incorporada a um filme intitulado “The Illustrated Man” (Uma Sombra Passou Por Aqui, de 1969) juntamente com outros dois contos. As histórias são sobre a realidade virtual (“The Veldt”), um planeta misterioso (“The Long Rain”) e o fim do mundo (“The Last Night of the World”). O protagonista Carl é acompanhado por um cão e encontra um viajante que escuta seus contos. O prólogo conta como Carl chegou a ser tatuado depois que encontrou uma mulher misteriosa chamada Felicia em uma fazenda remota.

Resumo

Uma nave cai em Vênus e sua tripulação sobrevivente de quatro homens tenta alcançar a segurança de um domo solar. Vênus é retratado como uma grande selva, com chuvas quase eternas. Os colonos da Terra dependem dos domos do sol, iluminados e aquecidos por um sol em miniatura e cheios de provisões, para não ficarem loucos. Existem mais de 120 dessas cúpulas, mas os venusianos indígenas as destroem quando podem.

“Lembra da velha tortura? Prenda você contra uma parede. Coloque uma gota de água em sua cabeça a cada meia hora. Você fica louco esperando pelo próximo. Bem, isso é Vênus, mas em grande escala.”

Os homens são liderados pelo tenente. Um dos homens é morto por um raio quando ele tenta correr. Os três homens restantes seguem para um domo solar, mas descobrem que foi destruído pelos nativos e não oferece abrigo contra a chuva. Um dos homens fica desanimado e para de responder, olhando para a chuva. Ele é baleado por Simmons, que defende suas ações como um assassinato de misericórdia, impedindo que o homem se afogue lentamente enquanto seus pulmões se enchem de chuva (no episódio, deixam ele morrer).

Enquanto Simmons e o tenente continuam para onde eles acham que o próximo domo deveria estar. Simmons acredita que ele também ficará louco antes que eles cheguem à segurança e desiste.

“Eu tenho uma arma aqui que diz que vou ficar. Só não dou a mínima. Ainda não estou louco, mas sou a próxima coisa. Eu não quero sair desse jeito. Assim que você desaparecer, vou usar esta arma em mim mesma.”

O tenente continua e finalmente chega ao Domo do Sol, onde está quente e seguro, com roupas secas e chocolate quente.

Resenha

Na época em que foi escrito, somente sabia-se que Vênus era totalmente coberto por nuvens e quente, pela proximidade com o Sol. Daí veio a ideia de que fosse como uma selva tropical, que chove forte e o tempo todo. No entanto, as missões Venera (soviética) e Mariner (estadunidense), entre os anos de 1966 e 1969, mostraram que a temperatura na superfície é de quase 500 °C e que a atmosfera é composta entre 90 e 95% de dióxido de carbono – veja mais sobre Vênus no post sobre o Sistema Solar.

No episódio do seriado, é dito que “sem selva, sem chuva”, o que indica que a evapotranspiração da própria vegetação é que alimenta as tempestades. Também é comentado que a chuva continuamente ocorre na taxa de 1 polegada por hora (1 pol/h ou 25 mm/h), mas que é traduzido na dublagem como 2 cm/h (20 mm/h) – como 1 polegada é 2,54 cm e estão falando de modo aproximado, não fica muito fora.

Uma chuva de 25 mm/h corresponde a 25 litros de água por metro quadrado a cada hora. Isso é considerado uma chuva forte, por estar entre 10 e 50 mm/h. De acordo com o site wunderground, já foram registradas chuvas mais fortes na Terra. Por exemplo, em maio de 1943, foi registrada uma chuva de 13,8 polegadas (mais de 350 mm) em uma hora na Virgínia Ocidental (EUA).

“O raio atingiu o foguete mais uma dúzia de vezes. O tenente virou a cabeça no braço e viu os relâmpagos azuis em chamas. Ele viu as árvores se dividirem e amassarem em ruínas. Ele viu a monstruosa nuvem escura girar como um disco preto acima e arremessar centenas de outros pólos de eletricidade.”

E com uma atmosfera tão ativa, é de se esperar nuvens de tempestade bem carregadas eletricamente, produzindo muitos raios. No episódio do seriado, até aparece uma árvore brilhando. Isso acontece devido ao fogo-de-santelmo: um clarão de luz azulada que se forma por breves instantes em objetos pontiagudos. As nuvens, de carga elétrica positiva, induzem o acúmulo de cargas elétricas negativas na ponta do objeto, gerando também o brilho. Tanto a quantidade de raios quanto a intensidade e duração do fogo-de-santelmo indicam altos níveis de atividade elétrica na atmosfera da história.

Quanto mais os personagens avançam em seu inferno molhado, se afogando com a chuva ou ficando loucos com seus constantes pingos, mais difícil é acreditar no fim desse tormento. A esperança vai dando lugar à angústia, sobressaindo a loucura em cada um conforme a respectiva resiliência.

No final da história, o tenente pode não ser um narrador confiável. Dado o título original da história (“Death-by-Rain”), e o fato de todos os outros personagens morreram sucumbindo aos eventos que atacam a sanidade pela chuva, é altamente provável que ele somente esteja tendo alucinações, olhando para a chuva.

Quer você ame ou odeie, a chuva é a mãe natureza no trabalho. Por mais imprevisível que seja, a chuva sempre estará lá. É como a vida, onde a chuva habita. A chuva serve como metáfora para as muitas lutas que travamos no dia a dia. Só podemos esperar enfrentar os problemas da vida de frente e lidar com eles.

Por que lutamos pela vida? Qual é o objetivo final, o que nos espera no final? É como os astronautas da história. Eles racionalizam sua passagem através da chuva, mantendo viva a esperança de que, no final, eles cheguem ao Domo Solar. Mas qual é o nosso Domo Solar? É o paraíso? Um lugar que todos acreditamos existir, mas realmente não há evidências que sugiram que o Céu realmente exista, somente fé. Do mesmo modo, vemos o Céu como um refúgio das turbulências que enfrentamos em nossas vidas diárias, como uma fuga.

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