A temporada 2020 de ciclones tropicais no Atlântico Norte foi a mais ativa já registrada, com um recorde de 30 tempestades nomeadas, das quais 13 se tornaram furacões, incluindo seis grandes furacões (ventos máximos sustentados de 180 km/h ou mais). Dentre as condições que geraram essa grande atividade, estão as temperaturas da superfície do oceano Atlântico mais altas que a média e uma monção mais forte do oeste africano, junto com cisalhamento vertical do vento muito mais fraco e padrões de vento vindos da África mais favoráveis para o desenvolvimento de tempestades, combinadas com o La Niña.

Introdução
Um ciclone tropical é um termo genérico para um sistema de baixa pressão que se forma sobre águas tropicais (25°S a 25°N) com atividade de tempestade próximo ao centro de seus ventos ciclônicos fechados. Enquanto não tem uma circulação fechada, é chamado de distúrbio tropical. Se começar a apresentar uma circulação fechada, mas com ventos de superfície máximos sustentados abaixo de 33 kt (62 km/h), é chamado de depressão tropical – as tempestades começam a se alinhar em faixas espirais ao longo do vento que entra. Quando os ventos excedem esse limite, ela se torna uma tempestade tropical e recebe um nome. Quando os ventos excedem 63 kt (118 km/h), ele é designado um furacão (nos oceanos Atlântico ou Pacífico Leste) ou um tufão (no norte do Pacífico Oeste). As faixas internas se fecham em uma parede, circundando uma área central de calmaria conhecida como olho. (NOAA)
Algumas condições são necessárias, mas não suficientes, para sua formação, como a localização, condições atmosféricas e oceânicas. Estando a pelo menos 480 quilômetros do equador (Gray, 1968), a força de Coriolis consegue promover um movimento de rotação e ajudar a organizar os ciclones tropicais. A força de Coriolis é uma força aparente cuja intensidade é zero no equador, aumentando com o valor de latitude. Ela desvia o movimento para a direita, quando vindo do hemisfério norte, e para a esquerda, vindo do hemisfério sul. Assim, a força faz com que os furacões no hemisfério norte girem no sentido anti-horário e no hemisfério sul no sentido horário.
A atmosfera deve esfriar rápido o suficiente com o aumento da altura para que a diferença entre o topo e a base da atmosfera possa criar condições de tempestade. A troposfera média deve ser úmida, pois o ar seco sugado em tempestades de nível médio pode matar a circulação. Além disso, o baixo cisalhamento vertical do vento (mudança da velocidade e direção do vento com a altura) entre a superfície e a alta troposfera favorece a formação de tempestades. Muito cisalhamento do vento enfraqueceria ou interromperia a convecção.
As águas quentes do oceano abastecem os motores térmicos dos ciclones tropicais, permitindo sua formação. Assim, as águas superficiais do oceano devem estar acima de 27,5°C e ainda quentes a uma profundidade de 45 metros (Graham and Barnett, 1987).
As ondas de leste africanas contribuem para causar e intensificar os ciclones tropicais em cerca de 85% dos furacões intensos e cerca de 60% das tempestades menores (Dunn, 1940). Também chamadas de ondas tropicais, constituem um tipo de cavado (área alongada com pressão atmosférica relativamente mais baixa) orientada de norte ao sul e que se move de leste para oeste através dos trópicos. Nelas, são gerados ventos na troposfera inferior que se originam na África entre abril e novembro e viajam a velocidades de cerca de 4,8 km/h para oeste como resultado do jato oriental da África. A camada de ar do Saara, uma massa de ar seco e poeira na baixa troposfera que se forma sobre o deserto entre o final da primavera e início do outono, se move sobre o Atlântico Norte tropical a cada 3-5 dias a velocidades de 10-25 metros por segundo. O ar seco e intenso pode privar a tempestade de umidade, e o cisalhamento do vento pode interferir em sua convecção. No entanto, distúrbios na periferia da Camada de Ar do Saara podem receber um impulso em sua convecção e rotação.
Outros fenômenos de maior escala temporal podem influenciar. A passagem da fase positiva da Oscilação Madden-Julian pela área de formação dos ciclones pode trazer condições favoráveis para a convecção, enquanto sua fase negativa pode suprimi-la. Conforme a fase do El Niño-Oscilação Sul (ENSO), o cisalhamento do vento vertical sobre o lado oeste do Atlântico tropical também pode afetar o desenvolvimento do ciclone. A Oscilação Decadal do Pacífico (PDO) e a Oscilação Multi-decadal do Atlântico (AMO) podem ter uma influência profunda na atividade geral dos ciclones tropicais (Landsea, 1993).
Temporada 2020 de ciclones tropicais no Atlântico Norte
Uma temporada média tem 12 tempestades nomeadas, seis furacões e três grandes furacões. O ano de 2020 foi o sexto ano consecutivo a ter uma tempestade nomeada antes do início oficial da temporada. Ela começou oficialmente em 1º de junho e terminou em 30 de novembro.
Também foi a temporada de furacões no Atlântico mais ativa já registrada, com um recorde de 30 tempestades nomeadas (tabela 1), das quais 13 se tornaram furacões, incluindo seis grandes furacões (ventos máximos de 180 km/h ou mais). A passagem dos furacões Eta e Iota, que estão entre os maiores, alcançaram a América Central, causando destruições generalizadas e devastadoras. As chuvas torrenciais causaram inundações e deslizamentos de terra, levando a perdas fatais de feijão, milho e outras culturas, e muitas pessoas afetadas em muitas regiões na Guatemala, Honduras, Nicarágua, Costa Rica e Panamá.
Este é o maior número de tempestades já registrado, ultrapassando os 28 de 2005, e o segundo maior número de furacões já registrado. Após esgotar os 21 nomes da lista, os furacões passaram a ser nomeados por letras gregas (até a nona letra), fato esse que aconteceu pela segunda vez na história – a outra vez foi em 2005 (NOAA, 2020 b).
Tabela 1: tempestades nomeadas de 2020, com categoria no pico, período de atividade, máxima velocidade do vento e mínima pressão atmosférica (adaptado de Wikipedia, 2020)
Nome | Período de atividade | Categoria no pico da atividade | Máxima velocidade em 1 min (km/h) | Pressão mínima (mbar) |
---|---|---|---|---|
Arthur | 16-19 de maio | Tempestade tropical | 95 | 990 |
Bertha | 27-28 de maio | Tempestade tropical | 85 | 1005 |
Cristobal | 1-9 de junho | Tempestade tropical | 95 | 988 |
Dolly | 22-24 de junho | Tempestade tropical | 75 | 1000 |
Edouard | 4-6 de julho | Tempestade tropical | 75 | 1005 |
Fay | 9-11 de julho | Tempestade tropical | 95 | 998 |
Gonzalo | 21-25 de julho | Tempestade tropical | 100 | 997 |
Hanna | 23-26 de julho | Furacão categoria 1 | 150 | 973 |
Isaias | 30 de julho a 4 de agosto | Furacão categoria 1 | 150 | 986 |
Ten | 31 de julho – 1 de agosto | Depressão tropical | 55 | 1008 |
Josephine | 11-16 de agosto | Tempestade tropical | 75 | 1004 |
Kyle | 14-15 de agosto | Tempestade tropical | 85 | 1000 |
Laura | 20-29 de agosto | Furacão categoria 4 | 240 | 937 |
Marco | 21-25 de agosto | Furacão categoria 1 | 120 | 991 |
Omar | 31 de agosto – 5 de setembro | Tempestade tropical | 65 | 1003 |
Nana | 1-3 de setembro | Furacão categoria 1 | 120 | 994 |
Paulette | 7-22 de setembro | Furacão categoria 2 | 165 | 965 |
Rene | 7-14 de setembro | Tempestade tropical | 75 | 1001 |
Sally | 11-17 de setembro | Furacão categoria 2 | 175 | 965 |
Teddy | 12-23 de setembro | Furacão categoria 4 | 220 | 945 |
Vicky | 14-17 de setembro | Tempestade tropical | 85 | 1001 |
Alpha | 17-19 de setembro | Tempestade subtropical | 85 | 996 |
Beta | 17-22 de setembro | Tempestade tropical | 100 | 993 |
Wilfred | 17-21 de setembro | Tempestade tropical | 65 | 1006 |
Gamma | 2-6 de outubro | Furacão categoria 1 | 120 | 978 |
Delta | 4-10 de outubro | Furacão categoria 4 | 220 | 953 |
Epsilon | 19-26 de outubro | Furacão categoria 3 | 185 | 952 |
Zeta | 24-29 de outubro | Furacão categoria 3 | 185 | 970 |
Eta | 31 de outubro – 13 de novembro | Furacão categoria 4 | 240 | 923 |
Theta | 10-15 de novembro | Tempestade tropical | 110 | 987 |
Iota | 13-18 de novembro | Furacão categoria 5 | 250 | 917 |

A NOAA atribui esse aumento na atividade, dentre outros fatores, à fase quente da Oscilação Multidecadal do Atlântico (AMO). Essa oscilação é um padrão de variabilidade climática quase periódico centrado no Oceano Atlântico Norte (entre 0° e 70°N). Possui uma escala temporal entre 50 e 80 anos, com uma fase típica persistindo entre 20-30 anos (Kerr, 2000).
Seu índice é definido pela média ponderada de temperaturas superficiais do oceano, retirando-se a tendência. Quando o índice é positivo, o Atlântico Norte como um todo está mais quente, e o Atlântico Sul, mais frio. A atual fase quente começou em 1995 (NOAA, 2020). Temperaturas da superfície do oceano Atlântico Norte tropical mais altas do que a média tendem a alimentar os furacões, tornando-os mais fortes e mais frequentes.
Uma monção mais forte da África Ocidental, junto com cisalhamento vertical do vento muito mais fraco e padrões de vento vindos da África foram mais favoráveis ao desenvolvimento de tempestades (NOAA, 2020 b). A monção da África Ocidental é um importante sistema de vento que afeta as regiões africanas entre as latitudes 9° e 20°N, sendo caracterizada por ventos que sopram de nordeste durante os meses mais quentes e de sudoeste durante os meses mais frios do ano.
O vento da moção da África Ocidental flui como uma camada úmida rasa de ar superficial (menos de 2 mil metros), sendo conhecido como Harmattan. É sobreposto pelo vento alísio primário do nordeste, que sopra do Saara e do Sahel como um fluxo de ar seco, muitas vezes com poeira, muito quente durante o dia e fresco a noite. Como em um desenvolvimento de monção completo, os anticiclones troposféricos superiores ocorrem em cerca de 20°N, enquanto a corrente de jato leste pode ocorrer em cerca de 10°N (Krishnamurti et al., 2012).
Essas condições, combinadas com o La Niña, ajudaram a tornar possível essa temporada de furacões recorde e extremamente ativa. O La Niña caracteriza-se pelo maior afloramento de água fria e a termoclina (camada de variação de temperatura em uma determinada profundidade do mar) se torna mais rasa a leste do Pacífico, ao mesmo tempo em que as águas quentes são represadas mais a oeste que o normal. Ele gera um enfraquecimento do cisalhamento do vento no Mar do Caribe e na Bacia do Atlântico tropical, o que permite que as tempestades se desenvolvam e se intensifiquem (NOAA, 2020 a).
Referências
2020 Atlantic hurricane season. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Wikimedia, 2021. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/2020_Atlantic_hurricane_season>. Acesso em: 20 de maio de 2021.
Dunn, G. E. (1940) “Cyclogenesis in the tropical Atlantic” Bull. Amer. Meteor. Soc., 21, pp.215-229
Gray, W.M. (1968) “A global view of the origin of tropical disturbances and storms” Mon. Wea. Rev., 96, pp.669-700
Graham, N. E., e T. P. Barnett (1987) “Sea surface temperature, surface wind divergence, and convection over tropical oceans”. Science, No.238, pp. 657-659.
Kerr, R. A. (2000) A North Atlantic climate pacemaker for the centuries. Science, 288 , 1984–1986.
Krishnamurti, T. , Gentilli, . Joseph and Smith, . Phillip J. (2012). West African monsoon. Encyclopedia Britannica. Disponível em: <https://www.britannica.com/science/West-African-monsoon>. Publicado em 19 de out. de 2012.
Landsea, C.W. (1993) “A climatology of intense (or major) Atlantic hurricanes” Mon. Wea. Rev., 121, pp.1703-1713.
NOAA. Frequently Asked Questions about Hurricanes. National Ocean Service website. Disponível em: <https://www.aoml.noaa.gov/hrd-faq/#what-is-a-hurricane>. Acessado em: 17 de maio de 2021.
NOAA. (2020 a) La Nina develops during peak hurricane season. National Ocean Service website. Disponível em: <https://www.noaa.gov/news/la-nina-develops-during-peak-hurricane-season>. Publicado em 10 de set. de 2020.
NOAA. (2020 b) Record-breaking Atlantic hurricane season draws to an end. National Ocean Service website. Disponível em: <https://www.noaa.gov/media-release/record-breaking-atlantic-hurricane-season-draws-to-end>. Publicado em 24 de nov. de 2020.
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