Rubens Junqueira Villela na Antártida

Aqui vai a segunda parte da entrevista exclusivao ao Monolito Nimbus do meteorologista Rubens Junqueira Villela – para quem não viu, aqui vai o link da primeira parte. Depois de falar de sua formação como meteorologista nos Estados Unidos, o trabalho na Real Aerovias, os estágios no NHC e na NASA e a atuação como docente na USP, o foco agora será em algumas de suas 12 expedições científicas à Antártida. Leia escutando Vangelis – Antarctica.

Mapa da Antártida, com destaque para o Mar de Weddel, base Comandante Ferraz na Ilha Rei George, base McMurdo e base Amundsen-Scott, no polo sul geográfico. Adaptado de Wikipedia
Mapa da Antártida, com destaque para o Mar de Weddel, base Comandante Ferraz na Ilha Rei George, base McMurdo e base Amundsen-Scott, no polo sul geográfico. Adaptado de Wikipedia

Tenho muito interesse em suas viagens à Antártida. Poderia contar um pouco sobre o convite para ir à primeira expedição ao continente gelado?

O convite veio por carta do Almirante George Dufek, comandante das forças navais de apoio na Antártida, seguida de cartas do seu oficial de informações. Dizia que tinha uma expedição saindo da Nova Zelândia naquele mês de dezembro (1961) a qual talvez não desse mais tempo de eu alcançar, então ficava para o ano que vem. Que ano que vem, nada! Saí disparado atrás da documentação necessária, fazer as vacinas, obter passaporte especial do Itamarati (onde eu tinha amigos), obter licença dos patrões da Real Aerovias e passagem até Honolulu, etc. Cheguei a tempo porque o “Glacier” tinha quebrado as hélices no gelo e estava em reparos no dique seco. Passei a viver embarcado em Wellington num navio de 8.450 toneladas em seco! A Marinha dos EUA havia me credenciado como correspondente de imprensa, e posteriormente a National Science Foundation, com a aprovação do Conselho Nacional de Pesquisa brasileiro, me reconheceram como observador científico do Brasil.

Durante o Ano Geofísico Internacional (1957-58) eu apresentara ao comitê gerente do projeto AGI na Academia de Ciência dos EUA e outras autoridades, meus estudos sobre as radiocomunicações na Antártida, baseados na escuta feita por mim durante mais de 10 anos, de transmissões em telegrafia e fonia, em ondas curtas, a maioria captadas na nossa fazenda em Cristais Paulista, onde as condições de propagação são excepcionais. Eu aprendera o código Morse aos 13 anos de idade, brincando com um amigo que era escoteiro. Tornei-me mais tarde radioamador (PY2EZ) e radiotelegrafista profissional. E acabei ficando internacionalmente conhecido no ramo da “rádio-escuta” aos 18 anos de idade, ao ter artigos publicados em revistas especializadas nos EUA e na Grã Bretanha. Meus primeiros dois artigos saíram na revista “Short Wave News” editada em Londres (números de setembro e outubro de 1948), e intitulados “SW [Short Wave] Transmissions from the Antarctic”, sobre as radiocomunicações captadas de bases e navios na Antártida: da Ronne Antarctic Research Expedition, das grandes expedições da Marinha dos EUA comandadas pelo Almirante Byrd em 1946/47 e 1948, das bases e navios britânicos, da expedição nacional da Austrália, da Frota Soviética “Slava” de Pesca da Baleia, das bases argentinas e chilenas, e dos navios baleeiros da Noruega. (Curiosamente, um dos meus mais importantes trabalhos científicos, saído 43 anos depois daquele primeiro artigo que tive publicado, e também numa revista inglesa, teve um título parecido:”Radio weather transmissions in the Antarctic”, “Polar Record” 27 (161) 103-114 (1991) (órgão do Scott Polar Research Institute, Cambridge University).

Desde a década de 1950 eu vinha expondo a autoridades meu desejo de engajar-me como meteorologista em expedições, recebia respostas atenciosas e elogios, até da Academia de Ciência dos EUA, do chefe de pesquisa do U. S. Weather Bureau, mas nenhuma decisão. Em desespero de causa, um dia juntei tudo o que eu havia escrito e publicado, incluindo inúmeros artigos de divulgação científica sobre a Antártida e seu interesse para a meteorologia brasileira, e mandei direto para o Almirante Dufek! A resposta em termos de ação não tardou, e aprendi mais uma lição, de que cientista não tem poder de decisão! Acresce que Dufek já conhecia um notável médico – e jornalista – brasileiro que tinha viajado com ele anteriormente à Antártida, no mesmo quebra-gelo “Glacier” durante o Ano Geofísico Internacional, e como correspondente da revista “Visão”. Trata-se do Dr. Durval Rosa Borges (já falecido), autor do livro “Um Brasileiro na Antártida”, editado pela Sociedade Geográfica Brasileira. Minhas reportagens sobre a expedição do “Glacier” de 1961, em que foi explorada e cartografada a anteriormente desconhecida e misteriosa costa de Eights, saíram na “Folha de S. Paulo”, entre 20/5 e 11/6/61, numa série de 20 partes intitulada “Operação Congelada 1961”.

Carta convite enviada a Villela pelo Almirante George Dufek em 1960
Carta convite enviada a Villela pelo Almirante George Dufek em 1960

Após sua primeira expedição à Antártida, em março de 1961, foram 12 viagens de pesquisa ao continente Antártico – 9 delas dentro do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR). No mesmo ano, fez sua segunda viagem a convite da Marinha dos Estados Unidos, indo de avião à base norte-americana de McMurdo, na Ilha de Ross. Quando já havia embarcado, recebeu do Conselho Nacional Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) o título de observador científico, o que lhe deu a condição de ser o primeiro brasileiro a fazer parte de um grupo científico no continente. Nessa viagem, foi o primeiro brasileiro a pisar no Polo Sul geográfico. O primeiro brasileiro a pisar na Antártida o havia feito apenas 3 anos antes, em 1958 – o médico e escritor Durval Sarmento da Rosa Borges.

Em sua segunda viagem, na qual foi ao Polo Sul geográfico, como ela ocorreu?

A U.S. Navy novamente me convidou a participar da Operação Deep Freeze (de 1962), como correspondente de imprensa, mas desta vez viajando não de navio mas de avião, desde que pudesse chegar por meus próprios meios a Washington para tomar avião de transporte militar. Havia chance de uma visita à base no Polo Sul! Essas oportunidades que autoridades generosas e agora companheiros antárticos como Dufek estavam me abrindo na existência, ultrapassavam já os meus mais ousados sonhos. Desta vez escrevi no “O Estado de S. Paulo” a série “Viagem ao continente gelado”, publicada entre 24/2 e 29/4/62.

A Real agora havia sido vendida à Varig mas a nova diretoria, sob o comandante Bordini, deu-me a licença e a passagem S. Paulo-Rio-N. York. Dos EUA continuei até a Nova Zelândia em aeronaves C118 (DC-6 militar) do MATS (Military Air Transport System), cruzando novamente o Pacífico via Honolulu e ilhas Cantão e Fiji. O fantástico e desolado trecho de 3.900 km Christchurch, Nova Zelândia-base McMurdo, Antártida, seria cumprido em Superconstellation em 10h07 na ida, e Globemaster em 11h40 na volta. A pista de McMurdo, aplainada numa placa de gelo flutuante tinha o mau hábito de desprender-se e sair navegando, levando junto aviões e “aeroporto”! Desta pista fiz ainda dois fantásticos voos sobre as vastidões brancas, geladas e vazias do continente antártico, em aviões Hercules C-130 equipados com esquis. Um à nova base Byrd em construção sobre o planalto polar a 1.500 m de altitude, e outro à base Amundsen-Scott, igualmente sobre o planalto polar a 3.000 m de altitude, situada no ponto em que fica o Polo Sul geográfico, ou seja o eixo de rotação do planeta! Nesta ocasião, para mim histórica tornei-me o primeiro brasileiro a alcançar o Polo Sul, na data de 17/11/61. O nosso Hercules só tinha 4 horas para ficar no solo, e com os motores em funcionamento, porque senão começavam todo tipo de problema com o frio, de 40 Celsius negativos: congelamento do óleo hidráulico, aderência dos esquis no gelo, ruptura do isolamento dos fios elétricos, etc. O organismo humano também tinha seus problemas de funcionamento: perdi um pedaço de pele ao tocar o aro metálico da objetiva da câmera fotográfica Minolta ao olho, todos sofremos hipóxia, alguns ficando com os lábios azuis, e desarranjos gastrointestinais pela altitude, frio, secura e baixa pressão (equivalente a 4.500 m de altitude na atmosfera padrão, pela contração da atmosfera antártica).

Naquela época jamais poderia sonhar com outra surpresa que o futuro me reservava, e desta vez se passariam 32 anos: em 2013 meu filho Franco, meteorologista, chegaria como eu, também de avião, ao Planalto Polar no coração da Antártida, a 660 km do Polo Sul (latitude 84 e 1.272 m de altura)! Ele fez parte da equipe que instalou o Criosfera 1, a primeira minibase brasileira no interior do continente, e como um dos responsáveis pelo projeto e operação do sistema de aquisição de dados e transmissão via satélite (veja a história desta saga brasileira no meu artigo “Missão Polar” na “Aero Magazine n. 227 de 2013, e consulte os dados no site https://tempo.inmet.gov.br/TabelaEstacoes/C891, Estação Criosfera – C891).

Atualização: link para o site CRIOSFERA 1 – uma plataforma científica autônoma-multidisciplinar no oeste da Antártica.

O Brasil realizou sua primeira expedição oficial à Antártica no verão 1982/1983, com o navio apoio oceanográfico (NApOc.) “Barão de Tefé”, da Marinha do Brasil, e o navio oceanográfico (NOc.) “Prof. Wladimir Besnad” da USP, onde Villela estava. Os navios zarparam do porto de Rio Grande, estado do Rio Grande do Sul, em 26 de dezembro de 1982, rumo ao mar de Weddell.

Villela em frente ao NOc. Prof. Wladimir Besnad
Villela em frente ao NOc. Prof. Wladimir Besnad

A região do estreito de Drake, entre o sul da América do Sul e a península antártica, promove uma aceleração dos ventos na região. Durante a passagem de sistemas ciclônicos, ocorre o transporte das massas de ar polar e o início da formação das frentes frias, que podem adentrar o Brasil em poucos dias. No local, reina um dos piores climas e condições de mar no mundo.

Em 5 de janeiro de 1983, depois de atravessar o Estreito de Drake, o navio “Barão de Tefé” entrou na Zona do Tratado Antártico (latitude de 60 graus Sul). Enquanto isso, a equipe do navio “Prof. W. Besnard” realizava pesquisas oceanográficas e meteorológicas no estreito de Bransfield. O casco do Besnard tinha chapa fina, de 8 milímetros. “Houve uns sustos, como sermos cercados por gelo sem liberdade de manobra. Começaram a aparecer blocos de gelo na altura do convés” afirmou Villela em entrevista à Folha de S. Paulo em 2009.

Villela fazendo leitura de psicrômetro
Villela fazendo leitura de psicrômetro

Villela esteve presente quando foi hasteada pela primeira vez a bandeira brasileira na inauguração de nossa estação antártica, em 6 de fevereiro de 1984. Além de promover pesquisas meteorológicas, Villela foi o responsável por garantir a segurança da viagem do Noc “W. Besnard” à Antártica, através de previsões de tempo e elaboração de cartas sinóticas, que confeccionava uma espécie de mapeamento da região por meio de informações recebidas via rádio.

Artigo "Perigo na Antártida" na revista "Offshore" (clique na imagem para ampliar)
Artigo “Perigo na Antártida” na revista “Offshore” (clique na imagem para ampliar)

Foram nove viagens pelo PROANTAR. Quais eram suas atribuições nelas? Poderia falar sobre a inauguração da Estação Antártica Comandante Ferraz?

Tradicionalmente, os meteorologistas exercem uma dupla função nas expedições antárticas: apoiar a segurança da navegação, e contribuir para a pesquisa científica. Em síntese, o pessoal quer ir e voltar vivos, trazendo resultados úteis para o conhecimento humano. O navegante antártico trabalha em cima tanto das cartas náuticas como das cartas sinóticas usadas na meteorologia para a análise e previsão do tempo. As condições ambientais antárticas podem se alterar muito bruscamente e desorganizar todo planejamento operacional, se este não levar em conta os prognósticos meteorológicos. Principalmente o vento é o fator dominante na região, talvez mais que a temperatura. E os fortes ventos antárticos são também uma fonte de energia cinética para a circulação atmosférica de todo o hemisfério sul. Como meteorologista de bordo ou na base, eu era constantemente solicitado a prestar serviços, seja ao comandante, o cientista-chefe, o piloto de helicóptero, ou simplesmente o tripulante que queria tomar seu preventivo contra o enjoo com antecedência, antes do mar começar a levantar ondas de 5 metros ou mais que caracterizam os mares austrais. Numa ocasião em que ventos de mais de 60 nós jogaram o “Besnard” (o navio oceanográfico da USP) quase em terra, frente a Estação Ferraz, o Comte. Waldir pediu-me urgente uma previsão do vento, da qual dependeria a possibilidade de salvar ou não o navio. Se o vento fosse para oeste poderíamos nos safar, se fosse para leste, seríamos jogados em cima de pedras no fundo. Rapidamente liguei os rádios e captei os dados meteorológicos, como estava acostumado a fazer rotineiramente com muita eficiência e determinei que o centro de baixa pressão iria passar pelo sul e portanto o vento mudaria para o oeste, e parecíamos salvos, o que de fato aconteceu! (Para um relato mais completo, veja meu artigo “Perigo na Antártida” na revista “Offshore” n.o 41, de maio de 1991, pag. 90).

Minhas atribuições no “Prof. W. Besnard”, e em parte no NApOc “Barão de Teffé” eram realizar observações meteorológicas e outras (icebergs, estado do mar, aves, etc.), instalar e operar aparelhagem de rádio e facsimile para recepção de dados sinóticos, cartas e imagens, plotar e analisar cartas sinóticas para a previsão do tempo.

Foi vital para o êxito de meu trabalho a bordo e na base, a colaboração de um técnico de comunicações da Polícia Civil de S. Paulo, o sr. Assis Moacir Duch, um dos heróis anônimos das expedições. Moacir não só conseguiu equipamento como teleimpressoras por empréstimo como o instalou, permitindo-nos receber os dados via rádio para o trabalho meteorológico. Com uma particularidade: Moacir é cego de nascença!

Já a Estação Ferraz, que chamei de “um pedaço do Brasil na Antártida”, foi inaugurada numa data que jamais esquecerei, 6/2/1984. Foi uma das maiores emoções da minha vida, ver a bandeira do Brasil subir no mastro, durante a movimentada cerimônia da inauguração naquele dia de festa (veja texto e imagens de minha reportagem no “Suplemento de Turismo” do “Estadão” de 9/3/84) diante de representantes de vários países, da ciência, e das forças armadas, incluindo, perfilados, meus companheiros do C.A.P. – o Clube Alpino Paulista, que deram contribuição importante à construção da estação e à segurança do pessoal em travessias ou escaladas no gelo. O Brasil chegava na Antártida para ficar, um antigo sonho meu: eu tinha um amigo que me chamava de “o brasileiro mais gelado” e me acusava de não só querer ir à Antártida como levar o Brasil junto.

Ferraz ocupa ainda, na minha mente, uma posição muito especial, e insólita. Foi ali que vi o meu primeiro UFO (!), de bordo de um navio americano, e quem diria que 43 anos depois, eu ali voltaria em navio brasileiro e para participar na inauguração de uma base brasileira! Veja meu 1.o relato sobre os insólitos acontecimentos vividos pelo quebra-gelo “Glacier” na baía do Almirantado em 16/3/61, na “Folha de S.Paulo” de 8/6/61. O “Glacier estava fundeado na enseada Martel, no mesmo ponto onde hoje fundeiam os navios brasileiros. Em resumo, o ovni, multicolorido, de formato oval com longa cauda tubular, passou em voo a baixa altura e lento, desaparecendo rapidamente. A explicação registrada pela U.S.Navy, como possível meteorito, não me parecia convincente, devido a muitos detalhes. Meus posteriores avistamentos de ovnis, incluíram contatos “telepáticos” ou via intermediários usados como “transdutores”. A ciência não crê ainda em visitantes ETs na Terra, “pero que los hay, los hay!” (e exploradores polares, mais ousados que a maioria dos cientistas, sabem disso).

Segue matéria com relato de avistamento de UFO na Antártida publicada na Folha de S. Paulo de 12 de julho de 1965 (pg. 6, 1° caderno) (clique nas imagens para ampliar):

Sua última expedição para a Antártida foi no ano 2000. No entanto, Villela prestou grande apoio ao navegador Amyr Klink em 1991, graças a seus conhecimentos em meteorologia e navegação, particularmente na região antártica. Veja mais na terceira e última parte da entrevista, onde essa e outras aventuras serão contadas.

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3 comments

  1. Adorei a entrevista! Que vida interessante…
    Dá uma outra perspectiva acerca da meteorologia. A gente que está acostumado a ver a previsão do tempo para saber se leva o guarda-chuva ou se pode deixar a roupa no varal, esquece da potencialidade dessa ciência para, inclusive, salvar vidas…

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