Mais aventuras de Rubens Junqueira Villela

Viagem em veleiro na região antártica? Escalada nos Andes? Curso de meteorologia em Cuba em plena Guerra Fria? Depois de conhecer mais sobre a formação e algumas das visitas à Antártida do meteorologista Rubens Junqueira Villela (parte 1 e parte 2, respectivamente), chega a última parte da entrevista, com mais algumas histórias muito interessantes – incluindo briefings de previsões do tempo para The Weather Channel.

Rubens Junqueira Villela
Rubens Junqueira Villela

Falando um pouco mais sobre a Antártida, Villela prestou grande apoio ao navegador Amyr Klink no verão de 1990-1991, graças a seus conhecimentos em meteorologia e navegação, particularmente na região antártica. O navegador é famoso, dentre vários feitos, por ter ido mais de 40 vezes à Antártida, sendo que sua primeira viagem foi em 1986 com o veleiro Rapa Nui.

Não poderia deixar de perguntar sobre sua viagem com o Amyr Klink. O que pode falar sobre ela?

A viagem no veleiro “Rapa Nui” (na verdade o nome foi alterado para “Rapa Nnu”), de 15,4 m, em alumínio naval, em apoio ao projeto Amyr Klink de invernagem antártica, foi minha grande aventura, e a realização de um outro sonho, ao que muito devo ao Amyr. Fiz parte da tripulação de 4 pessoas, junto com Hermann Hrdlicka, Eduardo Louro de Almeida e Fausto Chermont, que em dezembro de 1990 saimos da enseada de Jurumirim em Paraty com destino à baía Dorian (ilha Wienke), levando equipamentos necessitados por Amyr ao final de seu inverno em solitário naquele ponto da Península Antártica. Meu relato saiu na revista “Horizonte Geográfico”, números 15 (abr 1991) e 19 (nov/dez 1991). Veja também o livro do Eduardo Louro “Histórias de Navegador”, Melhoramentos, 1994. Como meteorologista, cair nas garras de um ciclone de 980 hPa no Drake, no regresso, foi interessante. Resumindo a experiência, vale o que disse Shackleton certa vez das expedições antárticas da sua época: são uma maneira de viver momentos miseráveis e desconfortáveis na companhia de excelentes companheiros! Uma conclusão é que é muita mão de obra navegar um veleiro em condições antárticas, éramos quatro mas tem uns “monstros” que conseguem, sozinhos! Capotamos no meio do estreito de Drake num mar apavorante, de “história de quadrinho” como procurou definir o Fausto (que nos chamava para fora da cabine, “Venham ver, tem montanha andando aqui!”). Sobrevivemos graças à qualidade excelente da construção do estaleiro francês Metá e das ferragens suíças. E graças aos corajosos turnos do Hermann e do Edu na roda do leme (embaixo da água das ondas arrebentando). A falha do motor nos deixara a mercê do tempo. Tivemos que improvisar um trocador de calor para refrigerar o óleo da reversão, passamos o cabo Horn e chegamos em Ushuaia bombando água durante 14 horas, nos revezando na bomba e no leme. A tempestade inutilizou o satnav, o Edu com o sextante e competência, nos colocou à vista do cabo Horn.

Villela pilotando o Rapa Nui, veleiro de apoio ao Projeto Amyr Klink de Invernagem Antártica, em janeiro de 1991
Villela pilotando o Rapa Nui, veleiro de apoio ao Projeto Amyr Klink de Invernagem Antártica, em janeiro de 1991

Essa tempestade ciclônica ocorreu em 11 de fevereiro de 1991, a SW do Cabo Horn. O vento ultrapassou 60 nós e as ondas passavam de 10 metros de altura. Em uma alteração do vento de N para NW, o veleiro virou. Em um minuto e meio, o veleiro virou sozinho para a posição correta, deixando o interior todo um caos. Felizmente, os tripulantes estavam no interior do barco e não sofreram danos sérios.

Além de explorador da Antártida, o senhor também escalou montanhas, como os Andes, Mantiqueira e Órgãos. Foi por lazer ou trabalho? Como foram essas experiências?

No “Glacier” [navio quebra-gelo da marinha dos EUA], tive um companheiro geólogo e oceanógrafo, Larry Lepley, que foi responsável pela minha introdução ao alpinismo. Por coincidência, ele também cursara a Colorado School of Mines, onde eu fiz meu primeiro ano de engenharia nos EUA, em 1950. Lep convidou-me um dia para escalar a parede de gelo da plataforma recém descoberta pelo “Glacier” na costa de Eights. Teve a paciência de ensinar-me as técnicas básicas de uso de piolet, grampões, segurança com cordas, etc. e formando uma cordada, fizemos juntos a travessia de gretas e a escalada, com o fim de recolher amostras de um afloramento rochoso.

Assim que voltei daquela minha primeira viagem à Antártida em 1961, achei indispensável ter mais conhecimentos de alpinismo para uso em futuras viagens, até por motivos de segurança, mas também possibilitar-me maior liberdade de participação nas saídas exploratórias do terreno. Ingressei então no Clube Alpino Paulista, fundado pelo eng. Domingos Giobbi, de renome internacional. O CAP tinha no Jaraguá o seu campo escola, onde iniciei meu curso de guia de montanha. Futuramente, quando, em 1972, foi lançada no Brasil, por iniciativa do Clube de Engenharia, a ideia de organizar a primeira expedição científica do país à Antártida. Imediatamente procurei mostrar a importância chave da participação de uma entidade como o CAP, com sua experiência de alta montanha e escalada em gelo, incluindo a exploração das cordilheiras Blanca e Huallanca nos Andes do Peru. Saiu no “Estado de S. Paulo” de 2/4/72 meu artigo a esse respeito, intitulado “Expedição do País à Antártida”, ressaltando as qualificações do pessoal do CAP para a segurança e apoio logístico no campo em ambiente antártico. Felizmente a Marinha Brasileira reconheceu este fato e todas as Operações Antárticas, desde 1982, têm contado com a sua equipe de alpinistas. Ficou célebre o caso do Adi (Adalbert Kolpatzik), que era também engenheiro elétrico e ajudou o “Barão de Teffé” a se safar dos gelos do mar de Weddell, consertando uma pane nos motores (além de ter anunciado ter visto um pinguim “voador”; mas que na verdade foi um cormorã…).

Quanto a minhas outras atividades montanhísticas, cito a escalada em maio de 1966, com Guillermo Noriega, do vulcão Guagua Pichincha (4.772 m) no Equador (onde fomos apanhados por tempestade de granizo que cobriu nossa barraca de gelo, e passei mais frio que na Antártida…). E no Brasil, a exploração de uma nova via na Serra Fina, justamente na companhia do Adi, o “descobridor” do pinguim voador! Lembro ainda uma travessia Petrópolis-Teresópolis inteiramente debaixo de chuva, mas cantando “Dois aribú, voando alto pra chuchu, aqui de baixo, só se via o seu pescoço; três aribú, … “

Em que ano fez o curso de Meteorologia em Cuba? Com tantas restrições que existem no país, como foi parar lá? Qual era o foco do curso?

O ano foi 1966-1967, este último denominado em Cuba “Año del Viet Nam heróico”, pelo governo socialista. De fato não foi fácil chegar lá, para mim foi até mais difícil que chegar na Antártida. Se consegui, depois de certa insistência, o devo, em parte à ajuda de um cientista islandês e de um comunista italiano… Em setembro de 1965, aproveitei a realização na USP de uma reunião de diretores de instituições latino americanas de Ciências do Mar, para aproximar-me dos representantes cubanos. O diretor do IOUSP era o dr. Ingvar Emilsson, que também trabalhara em Cuba, sob auspícios da Unesco – e fora quem me acolhera como bolsista do Cnpq no I.O. em 1961 (para estudo dos dados de radiossondagens feitas pela Força Aérea dos EUA no Campo de Marte em S. Paulo).

Em agosto de 1966, encontrando-me em Cidade do México, em viagem de “férias”, assisti ao Congresso Regional (seção latino-americana) da União Geográfica Internacional. Impressionei-me vivamente com a qualidade dos trabalhos apresentados pelos representantes dos países do campo socialista, como URSS, Polônia, Checoslováquia, Cuba, etc. Ao final do congresso, a delegação de Cuba convidou a todos os participantes a visitar aquele país, como hóspedes da Academia de Ciências de Cuba, para que conhecessem in loco o grande esforço de desenvolvimento técnico e científico que leva a cabo o governo revolucionário cubano, dentro dos moldes socialistas. Aceitei o convite e juntei-me à comitiva de delegados de diferentes países – Japão, Alemanha Ocidental e Oriental, México, etc. (sendo eu o único representante latino-americano, além do numeroso grupo mexicano).

Percorremos toda Cuba, de avião e de automóvel , visitando: sede da Academia de Ciências (instalada no antigo Capitólio Nacional), Departamento de Astronomia, Institutos de Geodésia e Cartografia, Meteorologia, Oceanologia, Universidade de Havana, Universidade de Oriente (Santiago de Cuba), posto de radar meteorológico da Gran Piedra (Sierra Maestra), observatório sísmico de Rio Piedras, cavernas de Bellamar, granjas-modelo, etc.

A vivência da “solidariedade antártica” já havia contribuído para despertar minha consciência social. Vivia agora a experiência “socialista” em Cuba, e senti a grande necessidade que tinha a Academia de Ciências de meteorologistas, especialmente naquele momento em que um professor checo estava indo embora e não havia ninguém para substituí-lo. Pensando na falta de perspectivas (e mesmo de condições dignas) que padecia no Brasil para a prática de minha profissão, decidi ficar em Cuba, oferecendo meus serviços ao Instituto de Meteorologia, órgão da Academia de Ciências dirigido pelo Dr. Mario Emilio Rodriguez Ramirez, formado na Universidade da Califórnia. Depois de uma experiência preliminar no departamento de meteorologia sinótica, fui designado à recém-criada Escola de Meteorologia (curso de nível universitário e cursos de nível técnico), onde desempenhei as funções abaixo designadas:

  • Professor da cadeira de “Laboratório Sinóptico” do curso universitário, 1966-1967. Natureza do trabalho: três semestres, 9 horas semanais de aulas práticas e teóricas. Prática de análise de cartas sinóticas de superfície e altitude na área do Caribe-América Central e do Atlântico Norte-Norte da América do Sul. Teoria de análise – dinâmica e termodinâmica meteorológica.
  • Professor da disciplina “Meteorologia Geral” do curso para meteorologista auxiliares, 1967. Natureza do trabalho: um semestre, 6 horas semanais de aulas teóricas de meteorologia geral a funcionários de nível técnico.
  • Pesquisa realizada: trabalho intitulado “Análisis del paso del ciclón Inez por Oriente mediante cortes en el tiempo”, apresentado em seminário científico organizado pelo Instituto de Meteorologia e grupo de colaboradores do Serviço Hidrometeorológico da URSS.

Minha missão encerrou-se com a chegada de novos professores russos, e minha saída de Cuba (com festa de despedida) de avião para Madrí deu-se em 1/1/68.

Entre alguns episódios marcantes vividos em Cuba, lembro a sessão solene na Academia de Ciências em que todos cantaram o hino “A Internacional” de mãos dadas; o acampamento do trabalho (voluntário) de corte de cana (e o companheiro Pendás, que dizia que estava ali porque odiava o capitalismo, mas sobretudo lembro o dia que descobrimos juntos uma fonte de água que no calor do dia e dos “machetazos” nos parecia elixir dos deuses); os vietcongs que nadavam na piscina do Hotel Nacional (onde fiquei hospedado) com os braços levantados (e a explicação, para não molhar os fuzis); a travessia diária de lancha para Casablanca; nossa fuga ao furacão Inez quando visitávamos com os alunos a Isla de Pinos, etc. Colegas e alunos me contaram histórias do tempo da revolução, como o assassinato (por enforcamento) dos alfabetizadores voluntários (convocados por Fidel) pelos contrarevolucionários – crimes que, como o estúpido bloqueio econômico pelos americanos consolidaram ainda mais a revolução socialista. Também histórias pessoais dos combates ao invasores mercenários na Playa Girón (Baía dos Porcos), operação montada com apoio do presidente Kennedy, em abril de 1961, e que foi um fracasso total (uma mancha na biografia do democrático JFK).

Esclarecendo a citada falta de perspectiva de trabalho no Brasil: ao voltar do meu estágio na NASA em 1963, fui “esquecido” e fiquei desempregado – já anos antes tivera desagradável experiência assemelhada, quando admitido por concurso para meteorologista na SUDENE, me exigiram diploma nacional (“de agrimensor mesmo serve”) e o meu era americano… Resolvi meu problema de desemprego (criado pelo novo dirigente da CNAE , também um coronel aviador, mas diferente do outro) através do jornalismo: criei na “Folha de S. Paulo” a seção “O Tempo Hoje e Amanhã”, de previsões e informações meteorológicas, que foi um sucesso, como atesta o grande número de cartas dos leitores recebidas pelo jornal. A base deste trabalho eram as cartas sinóticas que eu elaborava com dados recebidos por radiotelegrafia. A qualidade das informações e o grau de acerto das previsões contribuíram para elevar o prestígio da meteorologia no país.

E o misterioso comunista italiano? Era membro do PCI… Graças a suas orientações, muito práticas e providenciais, consegui hospedagem e outros meios para sobreviver na cidade do México enquanto aguardava resposta para meu pedido de ingresso em Cuba.

Villela também foi meteorologista sênior no “The Weather Channel Latin America”, canal de TV americana dedicado a informações e previsões do tempo, residindo em Atlanta (EUA) durante esse período.

No Weather Channel, qual era sua atividade? Como era sua rotina?

No Weather Channel (TWC), trabalhei em 1998 e 1999, como “senior meteorologist”, na subsidiária The Weather Channel Latin America (TWCLA), então recém implantada no mesmo conjunto de edifícios do canal doméstico, em Atlanta (estado da Georgia). Foi mais uma experiência única e culminante, trabalhando com os mais qualificados profissionais, lembrando-me a condição na Antártida, onde ao trabalharmos lado a lado com pesquisadores da mais alta categoria, ganhamos inestimável reforço de conhecimentos e experiências práticas. E para mim houve mais uma surpresa, pois encontrei em Atlanta muitos cubanos emigrados, entre eles alguns que haviam sido meus alunos em Havana e agora eram meus colegas de trabalho no Weather Channel Latin America! Foi muito comovente o fato de ex-alunos cubanos mostrarem como eu os havia ajudado a ingressar na profissão – um deles, “que nunca esqueceria que eu havia pegado na mão dele para traçar a sua primeira carta sinótica”. (Uma lição para a vida: a política é uma coisa muito instável, revolucionários anti-imperialistas um dia, podem no outro dia estar vivendo felizes o capitalismo, não vale a pena dividir perpetuamente a humanidade em “amigo” e “inimigo”).

Num país que vive quase constante “guerra meteorológica” (tornados, trovoadas severas, nevascas, inundações relâmpago, furacões, “squall lines”, etc.) (e o próprio nosso local de trabalho foi mais de uma vez atingido por tornados destrutivos!), não é de se estranhar que o TWC tenha uma das maiores audiências da TV nos EUA, e conte com 70 milhões de assinantes. Foi criado em 1982 por empreendedores ao verem o potencial indicado por pesquisas de mídia, como “a previsão do tempo tornou-se absolutamente a coisa mais importante num programa noticioso” (Weatherwise, junho 1990). Vendo ainda, a necessidade “para dar maior credibilidade científica aos segmentos sobre o tempo, de contratar meteorologistas treinados.” Deve-se levar em conta ainda a extraordinária mobilidade da atividade social americana, país onde mesmo em pequenas cidades se vê diariamente constantes reuniões de negócios e outros eventos, com o comparecimento de participantes vindos de locais distantes.

Minha rotina diária de trabalho no TWCLA incluía prover “briefings” (prestação de informações) escritos (em inglês, espanhol, e português) e orais aos apresentadores que apareciam diante das câmeras – os (ou as) chamados “OCM” (on-camera meteorologist). Ocasionalmente eu mesmo aparecia no ar apresentando a previsão ou outra informação de interesse. Redigia também informações ou crônicas de interesse especial ou de atualidade. O TWCLA fazia previsões para o Brasil, México, América Central e do Sul, Caribe, Venezuela, Colômbia, Peru, Chile, Argentina, Paraguai, Bolívia. Ocasionalmente para outros países como no caso de certames esportivos na Europa, etc.. Em outras palavras, o meteorologista do TWCLA devia estar capacitado a prever o tempo em qualquer parte do planeta! Naturalmente, deve também saber trabalhar com os vários códigos e programas digitais para acessar informação, entrar com dados e gráficos nos sistemas e redes de distribuição via satélite operados pela empresa, etc. Anexo uma sequência de briefings escritos, mostrando uma atualização feita por outro colega de serviço.

Com tanta experiência na área e tão boas histórias para contar, alguém da sua família se interessou em seguir na Meteorologia?

Claro que aconteceu, meu filho Franco é profissional da área, formado no IAG-USP e trabalha no 7.o Distrito do INMET em São Paulo. Estagiou na South American Desk da NOAAA nos EUA, e como participante no Programa Antártico brasileiro (PROANTAR) trabalhou na Estação Antártica Comandante Ferraz, chegou de avião ao Criosfera-1 sobre o Planalto Polar a 660 km do Polo Sul como responsável pelo sistema de acesso e envio de dados via satélite. Voa de paraglider. Meu outro filho, Fernando, é geógrafo, prof. dr. do Instituto de Geografia da USP, com trabalhos importantes na área de geomorfologia, e viagens de pesquisa na Patagônia argentina e Etiópia. Trabalhou no projeto Baleia Jubarte em Abrolhos.
As escolhas profissionais foram deles próprios, eu procurei não forçar, pelo menos conscientemente…
Fernando tem extraordinária facilidade para entender a componente terra (geologia) do planeta, como eu tive para compreender a atmosfera, ou componente gasosa. Sem esquecer que existe interação entre as componentes!

Finalizando, aqui vai uma lista com algumas publicações de Villela e links para matérias, outras entrevistas e fontes de pesquisa usadas para montar os textos que permeiam a entrevista e para obter mais informações:

Atualização: saiu uma entrevista no podcast Maré Sonora com o Villela – ouça a primeira parte, a segunda parte e a terceira parte nos links.

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