Já nevou em São Paulo?

Na segunda metade de agosto de 2020, surgiu uma história de que poderia nevar no estado de São Paulo a partir do dia 19/08. Mas essa era realmente a previsão? O que acabou acontecendo? Já nevou em São Paulo alguma vez?

Observatório de São Paulo, situado na avenida Paulista, com EFEITO de neve. Fonte: Wikipedia
Observatório de São Paulo, situado na avenida Paulista, com EFEITO de neve. Fonte: Wikipedia

O que é neve?

A neve consiste na queda de flocos formados por cristais de gelo. O fenômeno pode apresentar intensidade leve (conhecida como nevisco), moderada ou forte (nevasca). Cada floco de neve é composto por água congelada em uma forma cristalina que, devido a sua grande capacidade de refletir a luz, adquire aparência translúcida e coloração branca. Os flocos de neve podem aparecer em várias formas, como agulhas, prismas e a mais famosa: em ramos.

Quando a água fica em estado cristalino, cada molécula é circundada por outras quatro no ponto em que o hidrogênio é fixo. Os átomos de oxigênio se arranjam em camadas, formando um hexágono. Depois que o primeiro cristal é constituído, outras moléculas de água se agregam nos cantos da molécula inicial, formando as ramificações do floco. Os flocos de neve sempre tem seis lados por isso.

Existem outras formas de precipitações (que “cai do céu”) sólidas, como: grãos de neve (menores que 1 mm de diâmetro), grãos de gelo (até 5 mm), graupel (maiores que 5 mm), granizo (que pode ocorrer em temperaturas elevadas), chuva congelada (chuva líquida congela ao tocar a superfície abaixo de 0°C), aguaneve (neve parcialmente fundida e transparente) e sincelo (congelamento das gotas de água em suspensão, como durante um nevoeiro). Veja mais sobre água na atmosfera no post do link.

A neve se forma em nuvens estratiformes, onde ocorre pequena taxa de precipitação e baixo desenvolvimento vertical. O processo dominante na formação dos flocos de neve é o de agregação, que ocorre quanto um cristal de gelo coleta outros cristais de gelo. Como na nuvem estratiforme não são encontradas intensas correntes ascendentes, os flocos de neve não necessitam atingir um peso elevado para precipitar. Portanto, se a temperatura da atmosfera abaixo da nuvem for inferior a 0°C, é possível observar neve em superfície – caso contrário, ela derrete antes de chegar ao solo.

E a previsão de neve para agosto de 2020?

Informações dadas à imprensa pela MetSul Meteorologia indicavam uma intensa diminuição na temperatura nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo graças a uma massa de ar polar vinda da Argentina, mas que afetariam todo boa parte do Centro Oeste e até o Acre a partir do dia 19 de agosto. Também disse que essa frente fria teria potencial de ser “um evento histórico de frio e neve”, com base em simulações feitas por seus especialistas, onde “locais pouco acostumados a ver neve ou que não testemunham o fenômeno por décadas” registrariam a ocorrência de neve e chuva congelada – como o sul do estado de São Paulo.

A Climatempo chegou a brincar dizendo que “a Frozen do inverno de 2020 chega ao estado e faz a temperatura despencar” mas afirmou também que “não vai nevar no estado de São Paulo”. Posteriormente, a MetSul publicou em seu site oficial que a “chance de neve se limita ao sul do Brasil e não alcança São Paulo”. Eles explicam que os modelos numéricos anteriores, que foram disseminados pela mídia, “chegaram a sugerir a possibilidade de neve no sul paulista, mas, cinco a seis dias antes, as projeções de computador oferecem cenários muito menos confiáveis”.

Quanto maior o tempo a frente a ser previsto, mais incerto é o resultado. Ou seja, conforme vai passando o tempo, as previsões para um determinado dia vão ficando cada vez mais “certeiras”. Os modelos mais comuns são atualizados pelo menos duas vezes ao dia, adequando-se a cada nova simulação. Previsões de neve podem começar muito intensas para dali uns 4 dias, por exemplo, e vão ficando cada vez mais improváveis a cada nova rodada que se aproxima da data do evento.

De acordo com a Somar Meteorologia, “quando temos nebulosidade e condição de chuva junto com temperaturas baixas, existe a possibilidade de neve. Além disso, a incursão de ar frio precisa adentrar diversas camadas da atmosfera, não permanecendo apenas na superfície. Por outro lado, se temos temperaturas baixas e um céu aberto, existe uma condição de geada”. Enquanto a neve precipita, a geada é a formação de uma camada de cristais de gelo diretamente na superfície.

Previsão de neve do CPTEC. Fonte: CPTEC/INPE
Previsão de neve do CPTEC. Fonte: CPTEC/INPE

Segundo o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), as condições apontam para a presença de ar bastante frio em altitude atmosférica suficiente para “gerar condições favoráveis para a ocorrência de precipitação em áreas do sul do país”. Sendo assim, entre a quinta-feira (20) e o sábado (22), “haverá condições favoráveis para a ocorrência de neve na região sul brasileira, principalmente em regiões de altitudes mais elevadas”.

E foi o que aconteceu. Recorde de frio em São Paulo, temperaturas negativas na região Sul e até neve em Curitiba. Grandes áreas do Sul tiveram geada, e o frio intenso foi também registrado em regiões extensas do Sudeste, Centro-Oeste e Norte.

Então neva no Brasil?

No Brasil, a neve ocorre quase todos os anos nos planaltos dos estados da Região Sul, especialmente nas serras gaúcha e catarinense. No resto do país, onde o clima é predominantemente tropical e subtropical, é considerado um fenômeno raro. A mais forte precipitação de neve já registrada no Brasil ocorreu na cidade de Vacaria/RS, no dia 7 de agosto de 1879, na qual a neve acumulou cerca de dois metros.

Existem relatos pontuais de ocorrência de neve em Mato Grosso do Sul (23/07/2013) e Goiás (atual DF, 10/10/1778), além de relatos como os do Parque Nacional do Caparaó (Espírito Santo). Nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, os registros estão principalmente na região do Parque Nacional de Itatiaia e Serra da Mantiqueira, como Campos do Jordão (1928, 1942, 1947 e 1966) e Monte Verde (1979 e 1999, não oficiais). Em São Paulo, também existem relatos pontuais no sul do estado (com exceção do Vale do Ribeira) e até em Jundiaí e Vargem Grande Paulista.

Já nevou na cidade de São Paulo?

José Nunes Belford Mattos, pioneiro na meteorologia do Brasil, registrou neve em sua caderneta no dia 25 de junho de 1918. De acordo com as anotações, a cidade de São Paulo foi coberta por uma forte neblina quando “nevou”; em seguida, o tempo abriu.

Essas observações eram feitas na estação meteorológica que ficava na Avenida Paulista (próximo de onde hoje é o MASP). Posteriormente, foi transferida para o bairro da Água Funda, Zona Sul de São Paulo.

Conferindo os registros mantidos pelo próprio IAG/USP sobre o que ocorreu em São Paulo em 25 de junho de 1918: as cinco marcações, durante todo o dia, indicaram nebulosidade 0 (nenhuma). Ou seja, apesar de ter feito muito frio, sem condições para neve.

Folha da Caderneta de Observações Meteorológicas referente ao dia 25/06/1918. Fonte: Meteorópole, cedido pela Estação Meteorológica do IAG/USP.
Folha da Caderneta de Observações Meteorológicas referente ao dia 25/06/1918. Fonte: Meteorópole, cedido pela Estação Meteorológica do IAG/USP.

Pelo menos desde que há medições meteorológicas na cidade, nunca caiu neve em São Paulo. O que ocorreu em 25 de junho de 1918 — e também em outras ocasiões, como entre 24 e 28 de julho de 1925 — foi uma forte geada. “A confusão que se faz é porque o cristal da neve é igual ao cristal da geada. (…) Só que geada não cai. A gente fala popularmente que ‘caiu o orvalho, caiu o sereno, caiu a geada’ mas isso é um termo errado”, explicou à BBC News Brasil o meteorologista Mario Festa, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP).

O céu com nuvens pode gerar neve, mas sem nuvens só pode causar geada. O céu limpo faz com que o calor armazenado se dissipe. O resfriamento muito rápido faz com que a umidade próxima à superfície se aglomere em gotas, que é ocaso do orvalho, ou se congele, formando a geada.

Outro fenômeno que pode acontecer e ser confundido com neve é a sublimação do nevoeiro. Nele, a água passa do estado gasoso para o sólido, formando cristais de gelo como uma “poeira de neve” – semelhante ao que acontece nas geladeiras mais antigas.

Também em entrevista à BBC News Brasil, a meteorologista e divulgadora científica Samantha Martins, autora do blog Meteorópole, fala porque a capital paulista não é palco da ocorrência de neve: “Apesar de estarmos em um planalto, não é alto o suficiente — são cerca de 800 metros acima do nível do mar. A latitude também não é alta o suficiente, estamos na zona tropical, não próximos do polo Sul para que haja condições de ter massa de ar polar intensa que venha a atuar na formação de neve”.

Fontes

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