Eventos meteorológicos que afetaram a História

Os eventos meteorológicos e climáticos sempre desempenharam um papel significativo na história da humanidade. Desde tempestades e furacões até secas prolongadas e invernos rigorosos, as condições atmosféricas têm influenciado de maneira profunda os acontecimentos ao longo dos séculos.

A) Corte de árvores nos últimos 2.500 anos. B) Precipitação reconstruída (abril-junho) e temperatura (junho-agosto) dos últimos 2.500 anos. As barras verticais cinzentas indicam acontecimentos importantes na história europeia. Modificado após as figuras 2 e 4 de Büntgen et al. (2011) 2500 Years of European Climate Variability and Human Susceptibility. Ciência 331: 578-582
A) Corte de árvores nos últimos 2.500 anos. B) Precipitação reconstruída (abril-junho) e temperatura (junho-agosto) dos últimos 2.500 anos. As barras verticais cinzentas indicam acontecimentos importantes na história europeia. Modificado após as figuras 2 e 4 de Büntgen et al. (2011) 2500 Years of European Climate Variability and Human Susceptibility. Ciência 331: 578-582

No seminário de 25/08/2023 do Depto. de Ciências Atmosféricas do IAG/USP, o prof. Dr. Fábio Luiz Teixeira Gonçalves explorou alguns exemplos notáveis de como esses eventos moldaram a história. A apresentação está disponível neste link do canal do DCA no Youtube e um resumo dos eventos apresentados está descrito a seguir. No começo, o professor cita outra palestra sua, O Clima e os fenótipos humanos, que também está disponível neste outro link, e sobre seu livro de ficção científica, A tese de Josh.

Seca no Mediterrâneo oriental no século XII a.C.

Entre 6.000 a.C. e 1.000 a.C., houve um período úmido e o Saara estava verde, com a presença de elefantes e hipopótamos, além do alargamento do rio Nilo. Isso permitiu o florescimento de várias civilizações na região. Posteriormente, ocorreu uma seca intensa no Mediterrâneo Oriental, afetando várias civilizações, incluindo Egito, Hititas e gregos. Isso levou a confrontos, como a batalha histórica entre os egípcios e os hititas, que entraram em colapso devido à seca e sua economia definhante, o que resultou no desaparecimento do império hitita.

A Grécia passou por um período chamado de “Idade Negra”, caracterizado por desafios, incluindo tsunamis, que tiveram um impacto significativo na sociedade. O Egito também enfrentou dificuldades durante esse período, e a construção das pirâmides ocorreu antes da seca. A seca levou a uma ruptura na sociedade egípcia, com canibalismo e escassez de alimentos. Após o período de seca, houve uma recuperação gradual e o surgimento do Novo Império Egípcio.

Declínio do Império Romano

Além do clima, a migração de várias tribos, como hunos e godos, para o oeste do Império Romano, contribuiu para enfraquecer o império por dentro. Os godos, em particular, aumentaram as tensões e os conflitos internos, enfraquecendo ainda mais o império.

Um gráfico de taxa de precipitação apresentado na palestra mostrou uma correlação interessante com o número de assassinatos no Império Romano. Períodos mais chuvosos e mais frios parecem estar associados a uma diminuição nos assassinatos, enquanto períodos de seca e calor elevam o número de assassinatos. Outro gráfico mostrou uma correlação entre a temperatura e a imigração. Durante o final do Império Romano, houve uma queda significativa na temperatura, o que levou a mais imigração de tribos para o império.

Eventos importantes da Idade Média estão relacionados a mudanças climáticas, incluindo a Grande Fome, a Peste Negra e a Guerra dos 30 Anos. Esses eventos estavam relacionados com quedas nas temperaturas, como a Pequena Idade do Gelo.

Secas que afetaram o Império Bizantino

Uma seca e uma explosão vulcânica ocorreram próximo a 540 a.d., causando um período bastante seco no Império Bizantino, que englobava a região da Constantinopla e o Oriente Médio. O Imperador Justiniano, durante esse período, estava buscando reconquistar partes do Império Romano ocidental, mas sua expansão foi interrompida devido a uma grande seca. A seca forçou os ratos a se moverem para Constantinopla, onde trouxeram a peste bubônica, resultando na morte de cerca de um terço da população.

A Basílica de Santa Sofia, construída durante o reinado de Justiniano, era uma das maiores igrejas do cristianismo na época e contava com vários afrescos retratando o imperador. A praga que ocorreu após a seca pode ter tido um impacto na história, já que o Império Bizantino teria enfrentado um destino diferente se Justiniano tivesse continuado suas conquistas.

Desaparecimento dos Vikings na Groenlândia

A Pequena Idade do Gelo, marcada pelo resfriamento global e pela diminuição da energia solar, começou por volta do século 15, causando uma queda significativa nas temperaturas na Europa. Isso afetou regiões como a Groenlândia, onde os Vikings tinham estabelecido assentamentos nos séculos 9 e 10. Como dependiam do gado trazido da Europa, enfrentaram a escassez de alimentos devido ao clima mais frio e desapareceram da Groenlândia. Diferentemente dos Inuits, que comem foca e tem muita gordura.

Tentativas do Império Mongol em invadir o Japão

O Império Mongol era vasto e se estendia da Polônia à Indochina. O imperador mongol enviou uma delegação ao Japão, exigindo tributos. No entanto, os japoneses ignoraram as demandas mongóis. Em 1274, uma armada mongol chegou ao Japão, mas o vento mudou de direção, a frota mongol foi afastada e a invasão fracassou. Em 1281, devido à ocorrência de um tufão, perdeu novamente a tentativa de invadir. Veja mais sobre esse evento no post Kamikaze.

Tentativa de Felipe II da Espanha de invadir a Inglaterra

Durante o reinado da Rainha Elizabeth I da Inglaterra, o estado inglês era conhecido por usar táticas de pirataria. Os piratas ingleses atacavam os navios espanhóis, roubando seu dinheiro e colocando o dinheiro espanhol nos cofres ingleses. A Rainha Elizabeth I não era estritamente correta em suas ações e tinha ligações com a igreja protestante.

Devido às ações da Inglaterra, o rei Felipe II da Espanha planejou uma invasão da Inglaterra. Isso levou à formação da Armada Espanhola, uma grande frota de navios. A tentativa de invasão da Inglaterra pela Armada Espanhola em 1588 resultou em uma derrota para a Espanha. A frota espanhola, ao tentar retornar pela Escócia, enfrentou tempestades e perdeu muitos navios, contribuindo para o fracasso da invasão. O rei inglês até fez uma medalha comemorativa dizendo “Soprou com Seus ventos, e eles foram espalhados”.

A tentativa de invasão deixou um impacto na Floresta, já que vastas áreas foram derrubadas para a construção de navios. Além disso, o conflito entre a Inglaterra e a Espanha estava relacionado às tensões religiosas, já que Elizabeth era protestante e muitos governantes europeus eram católicos.

Outros ventos também permitiram William de Orange invadir a Inglaterra (mantendo navios opostos no porto) em 1688, quando o rei James II foi deposto na Revolução Gloriosa. Durante três semanas, a frota invasora foi impedida pelos ventos fortes de sudoeste adversos da partida do porto naval de Hellevoetsluis e católicos em todo os Países Baixos e os reinos britânicos detiveram-se em orações para que este “vento papista” pudesse perdurar suportar. No entanto, depois tornou-se o famoso “vento protestante”, voltando-se para o leste.

Martinho Lutero e os relâmpagos

Existe um famoso episódio em que Martinho Lutero, aos 21 anos de idade, sobreviveu a um raio próximo a ele na floresta. Esse evento assustador levou Lutero a se tornar um monge, resultando em seu papel fundamental na Reforma Protestante, que mudou a história da Igreja Católica. Martinho Lutero foi uma das figuras-chave na Reforma Protestante, que desafiou a Igreja Católica e levou ao surgimento de diferentes denominações cristãs. Outros reformadores, como João Calvino na Suíça, também desempenharam um papel importante nesse movimento.

Pequena Idade do Gelo (século XVII) e caça às bruxas

Em alguns momentos da história, houve períodos de clima extremo, como um período de frio intenso nos séculos 17 e 18, que afetou as colheitas e levou a conflitos relacionados à caça às bruxas. Durante os períodos de clima extremo e insegurança alimentar, a caça às bruxas se tornou uma preocupação. Muitas mulheres que eram consideradas diferentes ou isoladas socialmente foram acusadas de bruxaria e executadas.

As condições meteorológicas e a Revolução Francesa

Durante o reinado de Luís XIV na França, houve um período de invernos rigorosos devido à Pequena Idade do Gelo. A má condição das moradias e o desafio de aquecer grandes espaços tornaram a vida desconfortável tanto para os pobres quanto para a nobreza. Colheitas ruins agravaram os problemas sociais, contribuindo para o descontentamento e, finalmente, a eclosão da Revolução Francesa. A erupção de um vulcão na Islândia foi um evento problemático, que também afetou as colheitas na França.

Nevoeiro e tornado na Guerra de Independência Americana

As mudanças climáticas, como invernos rigorosos e más colheitas, podem ter contribuído para o descontentamento social na França antes da Revolução. Os eventos climáticos também afetaram a economia e a agricultura, desempenhando um papel nas lutas pela independência na América.

Durante a Guerra de Independência dos Estados Unidos, ocorreu a Batalha de Princeton, em que 19.000 soldados americanos enfrentaram as tropas inglesas. Um nevoeiro intenso ocultou as tropas americanas, permitindo que escapulassem da batalha. Quando o nevoeiro se dissipou, os americanos reorganizaram suas tropas e atacaram os ingleses, conseguindo vencer a batalha.

Durante a Guerra de 1812, os britânicos invadiram a cidade de Washington, D.C., e incendiaram todos os edifícios, incluindo o Capitólio. Um tornado repentinamente extinguiria o fogo e evitou a completa destruição da cidade.

Invasão de Napoleão na Rússia (1812)

Napoleão liderou uma invasão à Rússia e tomou Moscou, mas enfrentou invernos rigorosos e uma falta de suprimentos. O inverno russo, com temperaturas extremamente baixas, forçou os franceses a recuar, causando grandes perdas no exército de Napoleão.

Assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando (1914)

O assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, ocorreu em 1914. Ele ocorreu em um dia quente e ensolarado em Sarajevo. Apesar da previsão de chuva, não choveu, o que permitiu que a carruagem do arquiduque permanecesse aberta. O evento desencadeou uma série de eventos que levaram ao início da Primeira Guerra Mundial, um dos conflitos mais significativos do século XX.

Primeira Guerra Mundial (1914-1918)

As trincheiras eram uma característica comum do campo de batalha. Um problema grave foi a frequente chuva e lama nas trincheiras, o que tornava a vida dos soldados ainda mais difícil e insalubre. Um período particularmente chuvoso e enlameado ocorreu durante o final da guerra, tornando as condições ainda piores.

O movimento de tropas e a aglomeração de pessoas devido à guerra contribuíram para a disseminação da gripe espanhola, que foi uma pandemia global que resultou em milhões de mortes. A doença foi particularmente mortal para jovens entre 18 e 30 anos de idade, devido às reações do sistema imunológico.

Dust Bowl nos Estados Unidos

Durante a Grande Depressão nos anos 1930, uma série de tempestades de poeira conhecidas como o “Dust Bowl” afetou severamente as regiões do centro-oeste dos Estados Unidos. O solo fértil dessas áreas foi prejudicado por práticas agrícolas inadequadas e secas prolongadas, o que resultou em tempestades de poeira devastadoras. O evento envolveu uma tempestade que desviou cerca de 1.000 km de extensão, atingindo Washington, D.C., durante uma sessão do parlamento. Essa condição meteorológica extrema levou ao fechamento do parlamento e gerou um momento incomum durante a apresentação, quando os parlamentares foram confrontados com a tempestade.

O Dust Bowl gerou um impacto significativo na saúde da população, incluindo a mortalidade infantil. Uma explicação do fenômeno pode ser vista também no post Tempestades de poeira no interior de São Paulo.

Operação Barbarossa e o Inverno Russo (1941-1942)

A invasão alemã à União Soviética em junho de 1941 ficou conhecida como Operação Barbarossa. Durante a campanha, a Alemanha enfrentou temperaturas extremamente baixas no inverno russo, com algumas das regiões atingindo 30 graus Celsius negativos. As tropas alemãs não estavam devidamente equipadas para o frio, resultando em dificuldades significativas e perdas substanciais, com cerca de 700.000 soldados alemães morrendo devido às condições adversas.

Tentativas de assassinato de Adolf Hitler

Foram várias tentativas de assassinato de Adolf Hitler, algumas das quais falharam por razões meteorológicas ou condições climáticas. A explosão da Biergarten não ocorreu no momento em que Hitler estaria no local certo pois a ocorrência de um nevoeiro alterou seus horários. Na operação valkiria, o dia estava muito quente e as janelas estavam todas abertas, aliviando a pressão da explosão.

Ainda sobre a Segunda Guerra Mundial, outros episódios tiveram a participação decisiva da Meteorologia e tiveram posts próprios para explicar essa relação: Invasão da Normandia e a importância da Meteorologia, Meteorologia na primeira detonação de uma bomba atômica e A sorte de Kokura.

Younger Dryas

O Younger Dryas é um período climático que ocorreu durante o final do Pleistoceno, aproximadamente entre 12.900 e 11.700 anos atrás. Durante esse tempo, a Terra passou por um resfriamento abrupto depois do degelo do último período glacial. Esse resfriamento teve um impacto significativo no clima e na ecologia da Terra, levando a mudanças dramáticas em muitos aspectos da vida humana.

Uma das teorias relacionadas ao Younger Dryas envolve o colapso de um grande lago glacial chamado lago Agassiz, localizado no que é agora o Canadá. A água do lago Agassiz teria se espalhado para o oceano Atlântico Norte por meio do rio Mackenzie e do rio St. Lawrence, o que poderia ter interrompido a circulação termohalina do Atlântico Norte, levando a um resfriamento significativo nas regiões do Atlântico Norte. Esse resfriamento repentino teve várias consequências, incluindo o retorno temporário das geleiras e o deslocamento de populações humanas.

Alguns pesquisadores especularam sobre possíveis conexões entre o Younger Dryas e os idiomas indo-europeus. A teoria mais ampla é a hipótese de que os idiomas indo-europeus se espalharam na Europa e em outras partes da Eurásia durante o Neolítico, à medida que as populações humanas se expandiram após o fim do último período glacial e o início do período Holoceno mais ameno. Essa expansão populacional foi impulsionada pela agricultura, e as línguas indo-europeias podem ter se espalhado junto com essas comunidades agrícolas.

Quanto à relação com as histórias de dilúvio em diferentes civilizações, é interessante notar que muitas culturas antigas têm mitos e lendas que falam de grandes inundações. No entanto, ligar essas histórias diretamente ao Younger Dryas pode ser desafiador, uma vez que essas histórias foram transmitidas oralmente por gerações e podem ter sido influenciadas por eventos locais específicos.

Um exemplo famoso é a história do Dilúvio na Bíblia, encontrada principalmente no Livro de Gênesis. Enquanto alguns pesquisadores sugerem que pode haver paralelos entre essa história e eventos geológicos reais, como o aumento do nível do mar no período pós-glacial, a conexão direta com o Younger Dryas é incerta.

Da mesma forma, outras civilizações antigas, como os sumérios e os mesopotâmios, têm histórias de dilúvio que podem ou não ter raízes em eventos geológicos específicos – por exemplo, a cheias cíclicas de rios e eventos extremos. Esses mitos de dilúvio muitas vezes compartilham elementos comuns, como a ideia de um herói ou figura divina que constrói uma embarcação para sobreviver à inundação.

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