Previsão do tempo política

No dia seguinte à publicação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), o Jornal do Brasil publicou uma previsão do tempo com termos não usuais em um texto informativo das condições meteorológicas – a cópia digital pode ser consultado no link:

Capa do Jornal do Brasil de 14 de dezembro de 1968 com previsão do tempo em destaque (editado)

“Previsão do tempo: Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx.: 38°, em Brasília. Mín.:5°, nas Laranjeiras.”

O Jornal do Brasil foi fundado em 1891 e é editado no Rio de Janeiro até os dias atuais. Era costume incluir um quadro de previsão do tempo na primeira página, no canto superior esquerdo, com dizeres curtos informando as condições de tempo previstas para o dia de publicação na cidade do Rio de Janeiro. Mais informações estavam na primeira página do caderno de classificados, que segue:

Recortes da previsão de tempo do JB de 14/12/1968

“ANÁLISE SINÓTICA DO ESCRITÓRIO DE METEOROLOGIA INTERPRETADA PELO JB – Frente fria localizada no Rio Grande do Sul com chuvas e trovoadas, devendo atingir S. Catarina e sul do Paraná com chuvas e trovoadas. Linha de instabilidade cortado o Estado de Mato Grosso orientada na direção nordeste/sudoeste, devendo deslocar-se para sueste e atingir Brasília, Goiânia e Campo Grande. Frente intertropical ao norte do País devendo atingir Roraima, Amapá, norte do Pará e do Amazonas, com pancadas e trovoadas à tarde.”

“NO RIO: BOM MÁXIMA 33.1 MÍNIMA 17.1”

“Rio de Janeiro – Guanabara – Tempo: Bom. Temp.: Estável. Elevada”

“OS VENTOS: Norte e fracos”

Pelo texto, realmente não existem condições para um “tempo negro” nem “fortes ventos”, com as temperaturas próximas da climatologia para o Rio de Janeiro em dezembro. A inclusão dos adjetivos “negro”, “sufocante” e “irrespirável” fazem referência ao AI-5, que chegava para varrer o país como “ventos fortes”, deixando o tempo quente em Brasília (“máxima de 38°C”) e acalmando os ânimos no Palácio das Laranjeiras (“mínima de 5°”, número do Ato Institucional) – local da sede do governo do Rio, que estava sob controle federal militar. Essa foi uma forma indireta de fazer crítica aos mecanismos de censura que estavam entrando em vigor.

O Ato Institucional nº 5 (veja sua publicação na íntegra clicando no link), de 13 de dezembro de 1968, marcou o início do período mais duro da ditadura militar (1964-1985). Editado pelo então presidente Arthur da Costa e Silva, ele deu ao regime uma série de poderes para reprimir seus opositores: fechar o Congresso Nacional e outros legislativos (medida regulamentada pelo Ato Complementar nº 38), cassar mandatos eletivos, suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, intervir em Estados e municípios, decretar confisco de bens por enriquecimento ilícito e suspender o direito de habeas corpus para crimes políticos. A censura era uma prática comum e muitos conteúdos eram vetados pelos censores antes mesmo de saírem das redações. Os jornais ocupavam o espaço vago das matérias censuradas com receitas, poemas e outros textos.

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