Paraíso fiscal

Por Paulo Roberto Roggério

Como é da natureza das coisas em geral, usamos denominações genéricas para explicar fatos ou fenômenos diferentes, os quais são, na maioria das vezes, distintos entre si, guardam diferenças entre cada tipo, tornando-os apenas ligeiramente parecidos. Assim é que vêm à reflexão conceitos distintos como: PARAÍSO FISCAL e PARAÍSO FINANCEIRO, e INFERNO FISCAL e OÁSIS FISCAL.

Bem verdade é que apenas o termo PARAÍSO FISCAL recebe atenção e tratamento nos textos escritos e no noticiário em geral, quase sempre devido ao conteúdo negativo da própria atividade ou do uso que lhe dão. Para compreendermos cada uma das figuras mencionadas, precisamos nos perguntar e responder: Qual é a diferença entre um PARAÍSO FISCAL e um PARAÍSO FINANCEIRO? Ou: O que é melhor: um PARAÍSO FISCAL ou um INFERNO FISCAL?

Comecemos pela sucinta lembrança da origem dos paraísos fiscais, propriamente ditos: alguns países são conhecidos por suas riquezas naturais, ou pela pujante produção agrícola ou pela população pecuária: são os produtores das chamadas comodities agrícolas, ou alimentos. Outros são conhecidos pela riqueza mineral: metais ou petróleo. São as riquezas naturais, ou encontradas na natureza, as quais são a sustentação da economia dessas nações, seja pela autossuficiência nestes produtos essenciais para a alimentação de sua população ou para o desenvolvimento da indústria, ou para exportação desses produtos para os países que não os têm na quantidade necessária.

Outros países são notados pela pujante atividade industrial. Tendo, ou não, produção agrícola ou extrativa mineral suficiente, sua economia é baseada na indústria. Possuindo riquezas naturais, tanto melhor: estes países têm a matéria prima para sua indústria, ou precisam importar menos. Mas a nota alta é dada pela capacidade de transformar produtos. Alguns dos países que têm na indústria o fundamento de sua economia não têm área territorial suficiente para dela extrair riquezas naturais, o que faz da excelência de sua indústria o motor de seu progresso.

Algumas nações não têm riquezas naturais nem indústria significativa, mas fizeram do comércio a raiz de seu desenvolvimento: para citar dois exemplos, situamos dois de épocas pretéritas: os fenícios, que desenvolveram um comércio internacional e transporte marítimo sem nada dever à extensiva internacionalização dos dias atuais, e os holandeses do século XVII, que criaram aquelas que foram ao menos do que se tem notícia, as primeiras grandes empresas transnacionais: a Cia. das Índias Orientais e a Cia. das Índias Ocidentais.

Algumas consequências importantes a história nos mostra: alguns países, por sua localização, tiveram significativa relevância geopolítica e, por isso mesmo, importância geoeconômica: Veneza, tanto por seu porto, que recebia mercadorias do ocidente com destino ao oriente, quanto do oriente, com destino ao ocidente. Sua localização privilegiada tornava mais fácil a logística de distribuição para toda a Europa.

Mas alguns países não dispõem de recursos agrícolas nem minerais, nem indústria relevante e não desenvolveram comércio internacional significativo. Estes encontraram suas fontes de riqueza em belezas naturais, desenvolvendo o turismo ou outras modalidades de serviço.

Mesmo assim, algumas nações, no mais das vezes com diminuta extensão geográfica, não tiveram êxito com estes modelos econômicos mais tradicionais: não lhes restava alternativa a não ser atrair empresas [política que, em si, é legítima] com a contrapartida de cobrar impostos menos onerosos em relação aos cobrados em outros países.

Este é o conceito de paraíso fiscal, pois a única característica em destaque é a política fiscal, ou tributária. Não adentramos ainda no aspecto negativo, ou utilização indevida do paraíso fiscal para outros fins.

Charge ilustrando o dinheiro dos impostos sendo repassados para grandes empresas não “irem à falência” e sendo enviados aos paraísos financeiros. Fonte: Khalil Bendib

PARAÍSO FINANCEIRO, por sua vez, é um conceito completamente diverso, e nada, ou quase nada, tem a ver com o paraíso fiscal propriamente dito. Alguns países, devido à sua neutralidade política e à sua estabilidade econômica, atraem capitais de pessoas físicas ou jurídicas de qualquer outro país. Tem como característica a solidez de seu sistema financeiro, a segurança, política e econômica, que permite a captação de recursos de longo prazo. É verdade que alguns paraísos financeiros têm características também de paraísos fiscais, porque cobram impostos menores sobre os rendimentos produzidos pelas aplicações efetuadas.

Em sua essência, esta atividade nada tem de desonesta, devendo a lisura e a legitimidade dos recursos depositados em bancos dos paraísos financeiros ser aferida na pessoa do dono do dinheiro, isto é, se o dono, e não o paraíso financeiro, obteve o dinheiro por meio de atividades ilícitas, como: propinas decorrentes de corrupção, sonegação de impostos em seu país de origem, tráfico de drogas e entorpecentes, e tantos outros crimes.

É na origem do dinheiro que pode ser encontrada a sua ilegitimidade. Neste ponto, é importante trazer uma questão à reflexão: “onde são aplicados os recursos depositados em paraísos financeiros”?

Sim, porque sendo países pequenos, não é possível conceber que os recursos financeiros, que afluem do mundo inteiro, sejam aplicados no próprio paraíso financeiro, o qual, como dito antes, não tem outras atividades econômicas relevantes.

A resposta pode ser dura: o dinheiro depositado em paraísos financeiros retorna aos próprios países de origem, em operações normais e absolutamente lícitas. É do empréstimo dos recursos depositados que os bancos auferem rendas, com as quais remuneram os depósitos que outros fazem. Aliás, como qualquer banco, em qualquer lugar do mundo, faz.

Assim, o caro leitor pode ter sido beneficiado indiretamente, ou até diretamente, por empréstimos tomados em países considerados paraísos financeiros, mas chamados de paraísos fiscais.

Feita esta distinção essencial, consideremos o INFERNO FISCAL, nome merecido por países que cobram tributos excessivos (impostos, taxas e contribuições), que se destinam ao financiamento das atividades prestadas pelo Estado (administração pública) ao Estado (nós todos): justiça e segurança pública, educação e saúde, infraestrutura etc… .

Devido ao desequilíbrio orçamentário, existência de dívidas públicas: interna e externa, os tributos, que cada vez requerem mais aumentos, são destinados ao pagamento da própria dívida ou de juros sobre ela, razão pela qual sobra o insuficiente para custear os serviços públicos para os quais estes tributos foram criados. Enquanto o desequilíbrio estrutural não é consertado, os tributos sobem e os serviços públicos são reduzidos, o que caracteriza o inferno fiscal.

OÁSIS FISCAL, por último, é uma situação que só pode ser encontrada em meio a um inferno fiscal. No paraíso fiscal, nome apropriado também às economias estabilizadas e nas quais os tributos cobrados revertem em bem estar social, não se pode distinguir “oásis”, figura própria de deserto e, por extensão, dos infernos fiscais.

É que alguns aproveitam a infeliz redação de alguns textos ou princípios, a desatualização ou o rigor, excessivo ou leniente, de algumas leis, e o fazem em benefício próprio, invocando estes princípios até no próprio Poder Judiciário, o que seria de pasmar ou corar os espíritos mais experientes.

Esta breve exposição tem o objetivo de estabelecer a distinção entre paraíso fiscal e financeiro, lembrar a existência do inferno fiscal e do oásis fiscal. Com estes conceitos, podemos nos perguntar:

– Há diferença entre paraíso fiscal e paraíso financeiro?

– O que é preferível: um paraíso fiscal ou um inferno fiscal?

Encontrando cada qual uma resposta, inescapável será a conclusão de que poucos, em cada país, são os criadores dos infernos fiscais que formam para a imensa maioria da população, em benefício dos poucos oásis fiscais particulares.

A resposta final é de que se encontra na corrupção, no suborno, no peculato, na sonegação, no contrabando, nos crimes de qualquer natureza, a origem de todos estes males. Afinal, uomo lupo uomini: o homem é o lobo dos homens.

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