Este resumo baseia-se no artigo “Curtailment: a culpa é da geração distribuída? “, escrito por José Wanderley Marangon Lima e publicado no site Canal Solar em 20 de janeiro de 2025. O texto menciona o evento de 15 de agosto de 2023, que foi um episódio significativo de curtailment (corte na geração de energia) ocorrido no Brasil, envolvendo especialmente usinas renováveis, como eólicas e solares. Nessa data, foi registrado um corte expressivo de geração de energia elétrica na Região Nordeste devido a limitações na capacidade de escoamento da energia gerada para outras regiões do país.
Entendendo o “curtailment” e suas causas
Os cortes na geração de energia elétrica, conhecidos como “curtailment”, têm se tornado um desafio relevante para o setor elétrico brasileiro, especialmente no contexto das fontes renováveis. Esse fenômeno ocorre quando há mais energia gerada do que a capacidade da rede elétrica de transportá-la até os centros de consumo. Esse problema se intensifica em regiões onde a geração centralizada, como grandes usinas solares e eólicas, está concentrada, mas a infraestrutura de transmissão não foi ampliada na mesma proporção.

No caso específico do Nordeste, essa situação é agravada pela predominância de fontes renováveis intermitentes, como o vento e o sol, que possuem alta variabilidade ao longo do dia e do ano. Sem uma rede de transmissão adequada, a energia gerada nessas usinas precisa ser cortada, resultando em prejuízos financeiros para os geradores e na subutilização de uma energia limpa e disponível.
No entanto, um ponto de debate recente tem sido a tentativa de atribuir parte da responsabilidade pelo “curtailment” à micro e minigeração distribuída (MMGD), que abrange sistemas de geração solar instalados em residências, comércios e indústrias. Essa visão, contudo, apresenta limitações técnicas que precisam ser esclarecidas.
Responsabilidades pelo “curtailment”
A MMGD é composta por sistemas menores que estão conectados às redes de média e baixa tensão das distribuidoras locais. Esses sistemas, como os painéis solares instalados em telhados, geram energia para o consumo imediato do próprio proprietário, injetando eventuais excedentes na rede. Por estarem conectados a níveis mais baixos do sistema elétrico, sua contribuição para os fluxos de energia nas redes de transmissão é praticamente nula, já que também contribuem para a redução de carga.
Além disso, a MMGD não possui capacidade para oferecer suporte de potência reativa às redes de transmissão. Isso ocorre porque esses sistemas estão localizados longe das subestações de alta tensão, e sua operação é voltada para o atendimento local, sem impacto direto no transporte de energia em larga escala. Portanto, atribuir à MMGD qualquer papel significativo nos eventos de “curtailment” seria um equívoco técnico.
O principal motivo por trás do “curtailment” está na falta de investimentos em redes de transmissão capazes de acompanhar o crescimento acelerado das fontes renováveis centralizadas. Grandes usinas eólicas e solares foram construídas em áreas com alto potencial de geração, mas muitas vezes essas decisões não foram acompanhadas por um planejamento adequado para expandir as linhas de transmissão e integrar essa energia ao sistema nacional.
Os cortes de geração representam um problema econômico e ambiental. Do ponto de vista financeiro, geradores renováveis são prejudicados, pois deixam de vender a energia que poderiam produzir. Já no aspecto ambiental, a subutilização de fontes limpas contrasta com os objetivos globais de redução de emissões de gases de efeito estufa e maior integração de renováveis na matriz energética.
Sobre os custos de conexão e infraestrutura
Existem basicamente duas formas como os custos de conexão e infraestrutura são distribuídos entre os agentes de geração de energia e o sistema elétrico nacional. Na modalidade “shallow connection”, os geradores arcam apenas com os custos de conexão direta da usina à rede elétrica, ou seja, até o ponto de acoplamento à rede existente. Já na “deep connection”, os geradores são responsáveis não apenas pelos custos de conexão direta, mas também pelos investimentos necessários para reforçar ou expandir a rede elétrica em função da integração de sua geração.
Nos sistemas elétricos de países que adotam a “deep connection”, há um incentivo natural para que os geradores renováveis escolham locais de instalação com maior proximidade de centros de consumo ou com melhor infraestrutura de transmissão existente. Isso ajuda a reduzir a sobrecarga da rede e os custos de transporte de energia. Esse modelo é adotado em muitos países, especialmente onde há maior descentralização do setor elétrico, e tende a transferir mais responsabilidade financeira e planejamento para os próprios geradores.
Por outro lado, no Brasil, a predominância da “shallow connection” incentiva a instalação de usinas em locais com maior potencial energético (como o Nordeste, rico em vento e sol), mas frequentemente distantes dos principais centros consumidores. Esse modelo, combinado com a falta de expansão coordenada da rede de transmissão, contribui para eventos de “curtailment” e para a sobrecarga do sistema de transporte de energia.
No modelo de “shallow connection” adotado no Brasil, os custos de reforço e expansão da infraestrutura de transmissão, necessários para acomodar a nova geração, são compartilhados entre todos os usuários do sistema, por meio de tarifas de uso do sistema de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD), pagas por todos os consumidores de energia elétrica. Isso implica em uma coletivização dos custos de expansão da rede elétrica.
O governo brasileiro desempenha um papel indutor, estabelecendo políticas para o planejamento e expansão da rede elétrica por meio do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Além disso, muitas obras de transmissão são realizadas por meio de concessões públicas, e os custos são recuperados ao longo do tempo através das tarifas.
Soluções propostas
Para enfrentar esses desafios, são necessárias ações integradas, incluindo:
- Investimentos em infraestrutura de transmissão: Expandir as redes de alta tensão nas regiões com maior concentração de usinas renováveis é essencial para evitar gargalos de escoamento.
- Planejamento coordenado: A localização de novas usinas deve considerar a capacidade da rede de absorver a energia gerada. Um planejamento estratégico pode reduzir a necessidade de “curtailment”.
- Incentivo à geração distribuída: Embora não seja responsável pelo “curtailment”, a MMGD pode contribuir para a diversificação da geração, reduzindo a pressão sobre as redes de transmissão e diminuindo a dependência de grandes usinas centralizadas.
O debate sobre o “curtailment” e suas causas é fundamental para o futuro do setor elétrico brasileiro. Enquanto a geração distribuída desempenha um papel importante na transição energética, ela não deve ser responsabilizada por problemas que decorrem da falta de investimentos e planejamento em redes de transmissão.