Pandemia 2 – Fique em casa

Por Maria Auxiliadora Roggério

O ser humano é um ser social, que procura estar em contato e em companhia de outros, especialmente quando se sente ameaçado. Se nos sentirmos ansiosos, se compartilharmos nossas preocupações com outras pessoas, estas poderão nos transmitir solidariedade e nos sentiremos mais confiantes, mais leves para encararmos as dificuldades e buscar soluções, o que pode nos ajudar na manutenção da saúde física e mental.

Porém, o modo como pensamos e o que sentimos exerce influência em nossa tomada de decisões, se devemos ou não socorrer os outros em necessidade. Se estivermos sozinhos com alguém que se acidentou, por exemplo, a probabilidade de prestarmos ajuda é muito maior do que se houver mais pessoas no local, pois a tendência é pensar que os outros poderiam ajudar melhor; que se os outros não fizerem nada, talvez seja porque nenhuma ajuda se faz necessária; que se nem você nem os outros prestarem socorro, a noção de responsabilidade diminui, a culpa será de todos e, com a culpa dividida, será mais fácil conviver com ela.

Por outro lado, se a situação não se mostra bastante clara ou as necessidades de ajuda não são enfatizadas, a probabilidade de intervir é menor.

Quando as pessoas se colocam na posição de quem está necessitado (atitude empática), preocupam-se sinceramente com o sentimento dos outros, propõem-se a ajudar e a fazer o que for possível. Outras pessoas tentam distanciar-se do acontecimento e, embora queiram ajudar a diminuir o sofrimento do outro, não deixam de avaliar uma relação custo/benefício (que esforços terá de envidar, quais perigos enfrentará/quais ganhos obterá).

Carregadores de caixão dançarinos de Gana, que viraram meme durante a pandemia de Covid-19, pediram para que as pessoas fiquem em casa. Foto: Reprodução/Twitter Benjamin Aidoo
Carregadores de caixão dançarinos de Gana, que viraram meme durante a pandemia de Covid-19, pediram para que as pessoas fiquem em casa. Foto: Reprodução/Twitter Benjamin Aidoo

Na situação pandêmica atual e num esforço de controle dos efeitos letais da COVID-19, os líderes da maioria dos países determinaram algumas medidas a serem seguidas por todos, entre elas o distanciamento social, o uso de máscaras e o isolamento social.

O isolamento social como forma de evitar a disseminação do vírus, não pode ignorar o fato de que o confinamento domiciliar agrava conflitos familiares. A situação de convivência forçada pode aumentar casos de violência doméstica, de insegurança e medo.

O sentimento gerado pela incerteza de não saber quanto tempo a pandemia vai durar, a perda de emprego, perda de parentes, amigos ou conhecidos para essa doença, a impossibilidade de velar e elaborar o luto por essas perdas, além da incapacidade de levar o dia a dia como de costume, pode gerar aumento de ansiedade, angústia, agressividade, insônia, evitamento social, tristeza generalizada, casos de depressão, comportamentos compulsivos, transtorno de estresse pós-traumático entre outras consequências.

Os efeitos sociais, econômicos e psicológicos que vivemos hoje na pandemia, ainda serão sentidos por alguns anos. São perspectivas preocupantes, sobretudo se levarmos em conta que o mundo está vivendo isso coletivamente, apesar de diferenças em cada localidade e classe social.

Os resultados catastróficos deixados por essa doença prejudicam principalmente as minorias e os vulneráveis. Os mais fracos serão os mais atingidos, em todas as esferas, pois as autoridades lançam mão de soluções generalizadas que ignoram especificidades de cada segmento da sociedade. E a maioria da população constitui, justamente, as minorias e os vulneráveis.

Outras medidas governamentais: liberação de R$600,00 para auxílio emergencial a ser pago a trabalhadores de baixa renda durante a pandemia; liberação do FGTS (dinheiro do próprio trabalhador); extinção do Fundo PIS/Pasep.

As medidas de contenção do vírus também são mais difíceis de serem seguidas pela população carente. O confinamento domiciliar é bem diferente de ser vivido, por exemplo, por uma família de cinco pessoas numa casa de três dormitórios, banheiros, água encanada, despensa cheia… ou numa habitação de dois cômodos, sem água, moradores sem emprego, sem ter o que comer ou oferecer aos mais vulneráveis da casa, sem dinheiro nem para remédio. Ficar em casa e descobrir novas formas de passar o tempo e exercitar o corpo e a mente longe de academias ou cinemas/teatros, etc, brincar com conhecidos pelas redes sociais, criar atividades para fazer com as crianças, aventurar-se em culinária, artesanato, jardinagem, ou ficar em casa com fome, sem dinheiro, sem esperanças de dias melhores.

Sem poder sair de casa para lutar por seu sustento, seja por falta de demanda para seu trabalho, por dispensa de seu patrão ou por imposição da quarentena, o trabalhador vê sua renda desmoronar de um dia para o outro. Resta esperar por ajuda externa.

Se um indivíduo não pode trabalhar e, em consequência, usufruir do produto de seu trabalho, vê-se privado de seus direitos fundamentais e, sem condições de satisfazer suas necessidades, projeta sua essência em outrem.

As pessoas se reúnem em grupos para viverem. Cada grupo tem um conjunto de normas sociais, as quais são impostas pelo líder ou por membros do grupo. Somos sensíveis a essas normas e nos comportamos com o esperado na maioria das situações, para evitar pagar por ações discordantes. Ainda assim, podemos concordar e aceitar; concordar sem aceitar; aceitar sem concordar ou não aceitar nem concordar. Podemos nos conformar em algumas circunstâncias e em outras não e, assim como ocorre na conformidade, quando abandonamos nossos julgamentos pessoais também nos tornamos submissos e cooperamos inquestionavelmente com as autoridades.

Algumas pessoas podem não concordar em seguir a determinação do isolamento social apenas por não aceitarem abrir mão da liberdade individual de ir e vir. Têm dificuldade em compreender que fazem parte de um todo, da humanidade.

Quando há regras e estas são sensatas e justas todos seguem. Mas, quando as diretrizes de um líder vão de encontro aos princípios morais e a humanidade, o que fazer?

O psicólogo social Stanley Milgram (1) em experimentos sobre a obediência propôs que as pessoas agem ancoradas em dois “estados”. No estado autônomo, suas ações são regidas pela moralidade e a consciência pessoal. No estado agêntico, as pessoas agem como agentes de outras, as quais ocupam posição superior na escala social. Aqui, como não agem de modo autônomo, a consciência e a moralidade ficam suprimidas. Dependendo das características de demanda de determinada situação, as pessoas parecem ignorar as próprias consciências e capacidades pessoais e passam a se comportar como contrárias a si mesmas, como se não houvesse outra opção de agir; o que pode levar a um certo conformismo e aceitação passiva do modo de pensar e agir da pretensa autoridade superior.

Se o indivíduo tem autonomia, tem liberdade de escolha. Se a liberdade implica a responsabilidade de uma pessoa por seus próprios atos, pode-se dizer que alguém é livre e responsável se não pode exercer a capacidade de agir por si mesmo? Ou, havendo a possibilidade de escolha, nos tornamos aquilo que fazem de nós?

Quando não estamos bem certos quanto a nossos julgamentos, aumentam as chances de nos alinharmos às normas do grupo. Nos experimentos de Milgram, a maioria das pessoas optou por obedecer às ordens do experimentador, mesmo acreditando que suas atitudes causavam sofrimento a alguém.

Então, qual atitude tomar diante da imposição restritiva da liberdade de ir e vir?

Se você fica em casa, em ambientes adequadamente arejados, pratica os hábitos higiênicos recomendados, usa máscara sempre que necessário, mantém distanciamento social mínimo de dois metros, evita aglomerações, preserva de convívio os mais vulneráveis e os de grupos de risco, então você já tem a resposta.

Diante de situações extremas, de calamidades, a ajuda externa chega; a sociedade se torna mais altruísta e solidária. Ao menos sob o impacto do acontecimento desastroso, as pessoas se dão as mãos, tornam-se menos egoístas.

(1) Milgram, S (1965) Some conditions of obedience and disobedience to authority, Human Relations, 18, 57-76.

(1974) Odebience to authority. New York:Harper & Row

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