Pandemia 1 – COVID-19 no país do carnaval

Por Maria Auxiliadora Roggério

Se é verdade que, no Brasil, o ano só começa depois do Carnaval, começamos muito mal. O ano de 2020 surgiu com a notícia da eclosão de um novo coronavírus, causador da COVID-19 na cidade de Wuhan, na China, e que já atingia proporções endêmicas antes mesmo do nosso Carnaval. Alastrou-se rapidamente pelo planeta e, cerca de três meses após ser noticiado o primeiro caso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou estado de pandemia.

Em Wuhan, fizeram de tudo que parecia adequado para conter a disseminação do vírus e tratar os doentes. Como o ser humano é o transmissor do vírus e o contágio se dá entre as pessoas, medidas extremas como o isolamento da cidade e as restrições de convívio foram adotadas.

Enquanto estavam “no olho do furacão”, os chineses noticiavam (1) ao mundo o que sabiam sobre contágio/evolução/tratamento. O mundo, diariamente, foi bombardeado com informações nas mais variadas mídias. Ninguém foi pego de surpresa. Mas, aparentemente, a maioria preferiu apostar em “deixar como está, para ver como é que fica”. Muitos não enxergaram a dimensão da doença. Mesmo com os números elevados de contaminações e óbitos por diversos países, a preocupação principal não parecia outra senão a Economia do país. Cidades que vivem do turismo contabilizavam o quanto deixariam de arrecadar, se adotassem medidas restritivas. Demoraram muito a fechar estabelecimentos, escolas, instruir isolamento social, esvaziar ruas, evitar aglomerações e tomar medidas outras com vistas a resguardar a saúde de todos ou a economia do país.

Carros alegóricos no Carnaval 2020 em Duesseldorf, Alemanha. Foto: AP Photo/Martin Meissner
Carros alegóricos no Carnaval 2020 em Duesseldorf, Alemanha. Foto: AP Photo/Martin Meissner

No Brasil, os primeiros casos surgiram dias depois do Carnaval (2). Diziam: casos importados, de gente que viajou ou que se encontrou com pessoas que vieram de outros países em que há a incidência de casos, como se fosse algo insólito, isolado, muito distante; não era para tanto, não merecia preocupação; nem das autoridades nem da população. Ou, que não era bem assim, porém, não seria bom alarmar o povo, para evitar histeria ou pânico desnecessários, já que o que se sucedeu desde então era algo que poderia ou não vir a ser. Não obstante, alguns governantes imbuídos do dever do cargo para com o povo ou em campanha para novos mandatos (ou ambos), procuraram fazer sua obrigação e vêm tentando minimizar consequências desastrosas da pandemia através de medidas pontuais, baseadas na observação do desenrolar dos casos pelo mundo e de projeções das equipes que se reúnem desde então para traçar estratégias e colocá-las em prática.

Entretanto, à população, o que se apresenta são informações que ora pretendem tranquilizar-nos sobre a eficácia da prevenção – seja pelo distanciamento social, seja por medidas de higiene e uso de máscaras, – , ora nos fragiliza – seja pelo avanço da pandemia, seja pela ameaça de um colapso no sistema de saúde (o que, diga-se de passagem, está muito a desejar, sobretudo à população historicamente mais desfavorecida e ignorada pelos governantes), ou por informações equivocadas (não usar máscara/sim, usar; só atinge idosos; fechar comércio/não fechar; tem tratamento/não tem tratamento; ir ao pronto socorro/não ir, mesmo com sintomas; isolamento sim/isolamento não…etc.)

Ministros, governadores, prefeitos, médicos, secretários de saúde e outros em entrevistas coletivas em seus palanques dão a saber os números atualizados: as mortes, os casos confirmados, a altura da curva… o pico será em… Nem precisa tanto; basta enviar uma nota à mídia, que se encarregará de transmiti-la em seus canais.

Até porque, esse evento que é a entrevista coletiva não nos diz os casos assintomáticos, os casos que foram até aos hospitais e aconselhados a ficarem em casa e a acompanharem a evolução sozinhos, os que morreram por isso, os que morreram por complicações respiratórias e outras decorrentes da COVID-19 e não puderam ser testados para comprovação, etc.

Se a cobertura dessa pandemia pode se dar em tempo real, dadas as condições que a tecnologia propicia, todas as informações não são capazes de nos trazer certezas e alento. Saber que respiradores chegarão em “X” dias, que novos leitos de UTI foram disponibilizados, que centenas de covas já estão sendo abertas nos cemitérios para agilizar os enterros, que, talvez, uma vacina já (!) esteja disponível em alguns anos… não evita mortes nem diminui o sofrimento de quem está vulnerável, com medo de contrair a doença, ou de perder o emprego, de não conseguir alimentar a si e a sua família, não ter como cuidar de seus parentes que são acometidos por outras enfermidades… enfim, de viver a sua vida.

Não saber quanto tempo vai durar, como sobreviver aos efeitos devastadores em cada situação, como cada cidadão será impactado, aumentará o sofrimento e demandará mais do sistema de saúde no mundo pós-pandemia.

É bem verdade que nos encontramos diante de um vírus desconhecido – ou melhor, do “novo coronavírus” (cujo adjetivo não deixa de ser mencionado nas falas de autoridades e jornalistas, como a dizer-nos o tempo todo que, assim como nós, eles também não sabem o que fazer), que ainda está sendo estudado, infelizmente, tendo a humanidade como cobaia.

Mas a humanidade já passou por outras pandemias e endemias. Peste negra, peste bubônica, gripe espanhola, SARS, Ebola… Nos anos 1918/1920, época em que ocorreu a gripe espanhola, as autoridades julgaram que, se a população entrasse em pânico, esse seria pior do que a própria gripe, o que levou as pessoas ao descrédito quanto à real ameaça e à negligência quanto aos cuidados preventivos. Depois, aconselhadas a lavar as mãos, sair às ruas somente em casos de extrema necessidade, não ir às missas, teatros, etc., aguardaram o término da pior fase da doença e, gradualmente, retornaram à rotina.

Cem anos depois, com o avanço da tecnologia e a rapidez de informação que temos hoje, penso que o enfoque de combate a esse vírus com enorme potencial de disseminação e letalidade, desde quando ainda era uma ameaça na China, deveria ter sido melhor avaliado e mais rapidamente conduzidos o isolamento social, fechamento de fronteiras, medidas higiênicas e uso de máscaras (sim, o uso de máscaras desde o começo, porque a máscara, mesmo que caseira, é uma barreira, um adjuvante na prevenção). Talvez, como na Coreia do Sul (4).

Fico pensando também, se, preventivamente, o Carnaval (3) no Brasil tivesse sido cancelado, não teria sido uma medida eficaz no controle da transmissão do vírus. Será? Qual autoridade no país iria diante das câmeras pedir: “fique em casa”?

Mas “e se” não resolve as questões da hora.

(1) “Como a China descobriu o novo coronavírus semanas antes da pandemia global” (Du Xiaojun, Vijay Prashad e Weiyan Zhu; trad. Ítalo Piva, Brasil de Fato – 08/04/2020)

(2) Em 28 de janeiro – alerta de emergência foi elevado ao nível 2 de 3, considerando um “perigo iminente” para o Brasil. Neste dia, o Brasil já monitorava 03 casos suspeitos. Em 05 de fevereiro o Senado aprovou projeto com regras para quarentena. Na terça-feira de Carnaval, 25/02/2020, o Hospital Israelita Albert Einstein diagnosticou e informou o 1º caso: homem, 61 anos, de São Paulo, que retornara da Itália, onde havia permanecido de 09 a 21/02. Em 26 de fevereiro foi registrado oficialmente o primeiro caso no país. O 2º caso foi confirmado em 29/02, em São Paulo.

(3) “O Carnaval de Rua de 2020 em São Paulo atraiu público de 15 milhões de pessoas e movimentou cerca de R$ 2.75 bilhões na economia da cidade. Somados aos R$ 227 milhões movimentados pelo Carnaval no Sambódromo o total chegou a R$ 2.97 bilhões. Foram 678 desfiles ocorridos nas ruas da capital paulista desde o pré-carnaval (15 e 16 de fevereiro) até o pós-carnaval (29 de fevereiro e 1º de março). Os dados são da Prefeitura de São Paulo, por meio de pesquisa realizada pelo Observatório do Turismo”. (capital.sp.gov.br)

(4) Guardadas as devidas proporções e, mal comparando Brasil e Coreia do Sul nas abordagens frente à pandemia, o Brasil perdeu a chance de alcançar bons resultados no controle: demorou para instruir isolamento, uso de máscaras… Todos acompanhamos pela mídia os números alarmantes de infectados e de óbitos, sobretudo em países como Itália e EUA, nos quais havia entendimento que o isolamento social era desnecessário. Já, na Coreia do Sul, a estratégia de enfrentamento e combate ao coronavírus passou por fechamento das escolas (para evitar que as crianças pudessem levar o vírus para casa, contaminando assim seus familiares), restrição de liberdade, testes massivos e quarentena forçada. Inicialmente, o prefeito de Daegu, cidade em que os casos iniciais foram identificados, pediu que todos fizessem isolamento voluntário, permanecendo em suas casas e, se necessário sair às ruas, que utilizassem máscaras. Com a adesão da população, as autoridades puderam agir rapidamente e de modo preciso, identificando e rastreando as pessoas que tiveram contato com os primeiros contaminados. Foram testadas centenas de pessoas, tratadas e postas em quarentena. Os pacientes com casos leves receberam ordem de permanecerem em suas casas, em quarentena e sujeitos à multa de US$2.500 se desrespeitassem o isolamento social. Em 30 de abril, nenhum caso de contágio local foi registrado pela Coreia do Sul. A Organização Mundial da Saúde diz que este país é exemplo mundial no combate ao coronavírus.

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