Inundações no RS em maio de 2024

Sobre as inundações no Rio Grande do Sul nesse começo de maio de 2024: segundo a defesa civil, 80% das cidades gaúchas já foram afetados de alguma forma pelas chuvas. Mais de 100 mortes já foram registradas, dezenas de milhares de pessoas desabrigadas e milhões prejudicados, fora os impactos econômicos e na agricultura que ainda serão contabilizados. Existem vários fatores que, juntos, explicam o cenário de desastre atual.

Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, antes e depois da enchente do dia 3 de maio. Fonte: Laboratório Lapis, da Universidade Federal de Alagoas via O Globo
Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, antes e depois da enchente do dia 3 de maio. Fonte: Laboratório Lapis, da Universidade Federal de Alagoas via O Globo

Algo que chamou atenção é que o rio Guaíba atingiu o nível máximo de sua série histórica: 5 metros e 33 centímetros, o que é bem acima da cota de inundação que é de 3 metros. O delta do rio Jacuí é uma região de planície, que tende naturalmente a acumular água, e ela deságua no Guaíba e então na Lagoa dos Patos, mas o caminho de escoamento para o mar é muito estreito. Além de receber esse grande aumento no volume de água, o mar também está sendo afetado pela tempestade. Os ventos forçam a chamada maré de tempestade, o que aumenta em até 2 metros o nível do mar e dificulta o escoamento de água da região.

Esse excesso de água vem das chuvas. Dados do Cemaden apontam acumulados de chuva de 500 até 700 mm só para esses primeiros dias do mês, o que era esperado de chover ao longo do mês inteiro de uma forma mais distribuída. Isso acontece porque uma área de alta pressão tomando conta de boa parte do Brasil, deixando o tempo seco e as temperaturas muito elevadas no centro do país. Essa massa de ar seco funciona como uma espécie de barreira, o que não deixa as frentes frias avançarem, então elas ficam praticamente presas em cima do Rio Grande do Sul e provocando grandes acumulados de chuva devido à convergência dos ventos em superfície e formação de nuvens de tempestade.

Um fator que reforça esse tipo de cenário atmosférico é o El Niño: um fenômeno climático que afeta o mundo todo (algumas partes com maior ou menor intensidade) caracterizado pelo aquecimento além da média das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial. Durante o El Niño, os padrões normais de circulação atmosférica são alterados, e é esperado que a região Sul sofra com um aumento da temperatura média e da precipitação (principalmente na primavera e no período entre maio e julho).

O aquecimento anômalo das águas do Pacífico Equatorial desloca a convecção intensa para a região tropical do Pacífico Ocidental, especialmente ao redor da Indonésia e do norte da Austrália. Essa convecção intensa lá gera uma grande quantidade de calor latente, que é liberado para a atmosfera. Esse calor latente pode então ser transportado pela atmosfera em direção ao leste pela corrente de jato subtropical até o Brasil central. Com o ar mais quente em altos níveis, a atmosfera fica mais estável (já que o ar quente é menos denso), alimentando assim a subsidência (descida do ar) sobre o Brasil central e contribuindo para o fortalecimento do anticiclone subtropical. Esse processo é parte da teleconexão entre o El Niño e os padrões climáticos em outras partes do mundo.

Arte com as condições meteorológicas de grande escala atuantes sobre o RS que contribuíram para as enchentes. Fonte: Ampere Consultoria
Arte com as condições meteorológicas de grande escala atuantes sobre o RS que contribuíram para as enchentes. Fonte: Ampere Consultoria

Outro fator é o aquecimento médio da atmosfera e dos oceanos que o planeta vem tendo cada vez mais intensamente. Esse excesso de energia contribui para intensificar fenômenos extremos. Desde algumas décadas atrás até os dias de hoje, centenas de estudo vêm sendo publicados no mundo todo prevendo esse tipo de comportamento. Particularmente para o centro sul do Brasil, modelos de previsão climática apontavam um clima mais quente e seco no centro do Brasil e mais chuvoso no sul. E é exatamente isso que vem acontecendo. Ou seja, o clima já mudou. E infelizmente a tendência é que eventos extremos aconteçam com maior frequência e intensidade.

Já existem cidades que agora todo ano tem uma enchente catastrófica, como Muçum e Lajeado no RS. Construções, como pontes e barragens, que foram projetadas para receber um esforço estrutural dessa intensidade a cada 100 anos não vão suportar um evento desses quase que todos os anos. Uma das barragens já rompeu parcialmente no RS e outras 5 correm risco.

Resumindo, essa catástrofe no Rio Grande do Sul em maio de 2024 foi gerada por múltiplos fatores que atuaram em conjunção: desde a geografia da região, passando por questões meteorológicas como o bloqueio atmosférico no centro sul do Brasil e consequente chuvas intensas das frentes frias que não avançaram, passando também por questões climáticas como o El Niño e aquecimento global, até questões de uso e ocupação do solo.

Mais alguns fatos que ajudaram a formar o evento: em abril, o modo anular sul estava em sua fase negativa mas mudou para positiva no início de maio. Assim, a corrente de jato polar é mais zonal e o avanço de frentes frias ocorre mais de oeste para leste. Observando as anomalias de pressão, observou-se também um trem de ondas de Rossby no final de abril que se somaram, aumentando a amplitude, e dispararam as frentes frias que atingiram o sul. O índice de Madden-Julian estava nas regiões 3 e 4, o que favorece chuvas no sul da América do Sul, na virada do mês, apesar de estar próximo da zona de inatividade. Também existe uma anomalia do jato de baixos níveis (JBN) que garantiu a advecção de calor e umidade para a região. O oceano Atlântico também estava com uma anomalia positiva nas temperaturas de superfície do mar (TSM). Anomalias positivas intensas de TSM também foram observadas em boa parte dos oceanos Atlântico e Índico, servindo de forçante inclusive para as fortes chuvas observadas em Dubai. No caso do Atlântico, o aumento na convecção sobre o oceano promoveu a subsidência que alimentou o bloqueio no continente, assim como alimentou a umidade na Amazônia, com seu transporte via JBN e reforçado pelo giro da ASAS. Mesmo com a ocorrência do ciclo solar próximo do máximo, os oceano não estavam aquecidos como nos ciclos anteriores (anos 1960, 1970…). (fonte: Seminário DCA-Meteorologia 17 Maio 2024)

Fontes

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