Gaslighting: não permita isso!

Maria Auxiliadora Roggério

Gaslighting é uma expressão usada para descrever uma tática de manipulação emocional e psicológica, na qual o sujeito manipulador procura convencer o outro de algo irreal, distorcendo sua percepção da realidade, em busca de benefício próprio. Distorce os fatos de tal forma que o outro acaba duvidando até da própria sanidade.

O objetivo do agressor é desestabilizar a vítima, gerar ansiedade, insegurança, medo, para que, confusa e com baixa autoestima, torne-se vulnerável, dependente do abusador que passa a manter controle, poder sobre a vítima.

Este tipo de manipulação é característica mais marcante na prática de violência psicológica. Pode ocorrer em qualquer contexto social, no ambiente de trabalho, nas escolas, entre amigos, na comunidade, em relacionamentos de pais e filhos ou de outros familiares, em relacionamentos amorosos, sendo mais comum acontecer em relacionamentos nos quais exista grande ligação afetiva.

Gaslight. Foto: Steve Snodgrass
Gaslight. Foto: Steve Snodgrass

Gaslighting tem sua origem na trama do filme Gaslight da década de 1940 que retrata uma época em que a iluminação acontecia por meio de lamparinas de gás. Nesse filme, a personagem principal sofre o processo de manipulação psicológica por seu marido que a trata como louca. Ele cria situações provocando o piscar de luzes e diz que isso não aconteceu, que não viu nada, que ela está imaginando isso; apagando ou acendendo luzes, modificando detalhes nos ambientes, confundindo-a sobre a mesma ser ou não a agente desses atos, além de outras situações que a levam a questionar fatos, memórias, seus próprios atos e pensamentos, chegando quase a enlouquecer de fato.

Para caracterizar gaslighting, a manipulação psicológica deve ocorrer por um período prolongado de tempo. Além da manipulação, as estratégias de poder utilizadas nos relacionamentos interpessoais passam por desrespeito com falas depreciativas, acusações descabidas, constrangimento, ridicularização, humilhação, ofensas, intimidação, ameaças de violência física, isolamento, chantagem.

Uma das formas mais comuns de gaslighting é a chantagem emocional. Exemplos:

  • para escapar de conflitos e situações desfavoráveis, o manipulador se posiciona como vítima;
  • ameaça terminar o relacionamento e contar segredos ou intimidades da vítima a outras pessoas, sendo também frequente ameaças de autoagressão para sensibilizar a vítima e manter o controle sobre esta;
  • condiciona a realização de necessidades ou desejos da vítima à prestação de determinados favores por ele estipulados;
  • tenta fazer a vítima acreditar que seus atos trarão consequências graves para si mesma;
  • pode tratar com carinho e cuidados, presentear e parecer preocupar-se com seu bem-estar para, em outro momento, seguir com os abusos.

Quase sempre o manipulador faz comentários que questionam a sanidade mental da vítima, dizendo que está louca, imaginando coisas, que não aconteceu como ela diz. Quando surgem queixas ou preocupações, diz que é implicante, que está exagerando, sendo dramática, insegura; classifica as ofensas, críticas e comentários depreciativos em brincadeiras, levando a vítima a questionar se é muito sensível, intolerante; não assume a responsabilidade, culpabilizando o outro (foi você quem me abrigou a fazer isto); se a vítima tentar impor limites ao manipulador, ele procura inverter a situação, dizendo que ela não se preocupa com ele, que não o ama, pergunta se não confia mais nele, o que a faz sentir-se culpada e ceder. Utiliza-se também de “silêncios”, o que potencializa a sensação de culpa.

O agressor sente prazer em causar desconforto ao outro, mas, também, pode ser apenas uma pessoa muito insegura e não saber como lidar de outra forma. É comum observar o gaslighting em pessoas narcisistas. Saiba outras características e como reconhecer um narcisista em Os narcisistas entre nós.

O gaslighting cria uma condição de vulnerabilidade na vítima: seus próprios pensamentos deixam de ter importância, assim como suas vontades, perde a autoconfiança e a autoestima, sendo levada a afastar-se das pessoas de seu convívio. Quanto mais afastada do círculo social, maior o controle e a dependência do abusador. Com o isolamento, passa a acreditar que só pode confiar no agressor, pois este sim quer o seu bem e sabe o que é melhor para si. Desse modo vai se apequenando cada vez mais e conferindo a posição de superioridade ao abusador, com mais poder para gerir sua vida.

Manipulador é uma pessoa importante para a vítima que tem medo de perdê-lo, por isso suporta o abuso e vai se anulando, acreditando que não sobreviveria sem o outro, porque só tem a ele para recorrer. Veja mais em Dependência emocional nos relacionamentos entre casais em Carência afetiva, dependência emocional.

O manipulador mente, inventa situações, destrói o amor-próprio da vítima que não percebe o relacionamento tóxico que está vivendo. Não percebe as manobras que a aprisionam na relação abusiva e sente-se culpada por imaginar ter criado alguma situação desconfortável que provocou o comportamento do agressor, culpada por tudo o que ele a acusa, por bons sentimentos que tem por ele e por medo de ficar sozinha e incapaz de levar a própria vida. Acaba concordando com o discurso, pois já se encontra em esgotamento psicológico com a saúde mental prejudicada.

A vítima exausta e muito fragilizada, passa a apresentar problemas de memória, depressão, sintomas de outras doenças, e isso se reflete em situações da vida, em relacionamentos profissionais, sociais e familiares, levando-a a comportamentos e atitudes que normalmente não teria, se estivesse pensando por si mesma, sem a influência do gaslighting.

Quando se depara com a verdade e entende o que está acontecendo, não consegue encarar, porque é muito doloroso lidar com o fato. Não entende como se deixou levar. Mas, nesse momento, é importante saber que a recuperação é um processo possível. Se conseguir se distanciar um pouco, poderá notar que, se a percepção está confusa, deve procurar a verdade, acreditar nas provas que não enlouqueceu, que não é culpada do que ele diz, e manter-se firme apesar das manobras do agressor. Reaproximar-se de amigos, familiares e ouvir sobre a percepção deles. Se necessário, buscar ajuda de um psicólogo para receber auxílio na recuperação do bem-estar emocional e psicológico.

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