Copa em clima de deserto

O Campeonato Mundial de Futebol da FIFA (Federação Internacional de Futebol), que tradicionalmente é disputado no meio do ano, em 2022 acontece entre 21 de novembro e 28 dezembro. A medida foi adotada para evitar as altas temperaturas do Catar nos meses de junho e julho – verão no hemisfério norte. Como o país localiza-se em uma área desértica, fez-se necessária esse tipo de mudança no calendários e considerar várias outros pontos do clima extremo da região nos jogos, como preparo dos atletas e climatização de estádios.

Imagens aéreas dos estádios construídos/reformado para a Copa do Mundo 2022 do Catar. Imagem: Timeou Doha
Imagens aéreas dos estádios construídos/reformado para a Copa do Mundo 2022 do Catar. Imagem: Timeou Doha

Sobre o Catar

O Catar (ou Qatar) é um país árabe cuja capital, Doha, possui mais de 80% de seus habitantes e a maioria deles são estrangeiros. Emirado absolutista e hereditário comandado pela Casa de Thani desde meados do século XIX, foi um protetorado britânico até ganhar a independência em 1971. Desde então, vem se tornando um dos estados mais ricos da região e do mundo devido às receitas oriundas do petróleo e do gás natural. Antes da descoberta do petróleo, sua economia era baseada principalmente para a extração de pérolas e comércio marítimo.

O país ocupa uma pequena península no Golfo Pérsico, no Oriente Médio. A maioria do país é composta por uma planície árida baixa e coberta de areia. O clima é quente e seco na maior parte do ano, com o pico do calor entre junho e setembro: temperatura sempre acima dos 30°C, inclusive ao longo das noites e madrugadas, podendo passar facilmente de 40°C ou até 50°C. Já no pico dos meses mais frios, (novembro a fevereiro) as temperaturas podem chegar a mínimas de 10°C e com máximas de 20°C. O Catar recebe em média 9 dias de chuvas por ano, com precipitação de 13,2 mm.

A temperatura média subiu mais de 2°C desde o fim do século 19, e a urbanização radical do emirado nas últimas décadas só piorou a situação. Em 2021, uma nova lei entrou em vigor, ampliando o período em que é proibido trabalhar na rua: de 1º de junho a 15 de setembro, das 10h às 15h30, nenhum trabalhador deve se expor ao sol. Estabelecimentos comerciais de rua fecham por volta das 10h da manhã e voltam a abrir no meio da tarde – no meio do dia, as ruas ficam desertas de pedestres.

Com altas temperaturas constantes assim, quase todos os lugares fechados possuem sistema de ar condicionado e alguns lugares abertos também. Diversas soluções foram empregadas para amenizar o calor, como as áreas verdes, a arquitetura das construções mais modernas e até um asfalto azul que absorve menos luz e calor do que o asfalto tradicional. Recentemente, o vizinho Emirados Árabes tentou contornar o clima desértico e quente de maneira artificial “semeando” nuvens – veja mais no post Cloud Wars: outra frente de rivalidades no Oriente Médio.

Climatização nos estádios

Extremos quente/frio e seco/úmido aumentam o cansaço dos atletas, diminuindo o desempenho e o número de gols, principalmente em jogadores acostumados com o clima inverso ao que se apresenta. Essas e outras influências das condições atmosféricas no desempenho dos atletas e resultados dos jogos de futebol e de mais atividades físicas podem ser vistas no post Meteorologia e Esportes.

Outras copas já apresentaram episódios em que a temperatura influenciou fortemente os jogos, tanto para torcedores como para jogadores. Na vitória da Bélgica sobre Marrocos na Copa de 1994, em Orlando/EUA, cerca de 160 espectadores foram parar na enfermaria por causa do calor, e 12 acabaram no hospital. Em 1985, o Canadá classificou-se pela primeira vez a uma Copa ao bater Honduras nas Eliminatórias, em uma partida marcada por frio e chuva.

Em 1982, o bafo quente de junho em Gijón deu uma força para a Argélia desbancar a Alemanha Ocidental em um dos jogos memoráveis da Copa da Espanha. Em 2006, na Alemanha, David Beckham vomitou na linha lateral, sofrendo com a sauna que era Stuttgart naquele dia. Em 2014, os italianos bateram os ingleses na primeira fase em Manaus, mas seus jogadores reclamaram do calor. Pirlo disse que o clima era infernal e Marchisio falou que quase teve alucinações.

Saídas do sistema de climatização de ar sob os assentos do público no estádio Al Janoub. Foto: Karim Jaafar/AFP
Saídas do sistema de climatização de ar sob os assentos do público no estádio Al Janoub. Foto: Karim Jaafar/AFP

Para melhorar a situação, os organizadores do evento prometeram uma Copa do Mundo em estádios muito bem climatizados, super bem equipados de sistemas de última geração. No Catar, o engenheiro sudanês Saud Abdulaziz Abdul Ghani (apelidado de Dr. Cool) aplicou a ideia de ar-condicionados semelhante ao da praça comercial de Katara, a primeira do tipo no país que é climatizada mesmo estando ao ar livre.

O sistema de refrigeração recebe água fria (parte residual reciclada) que, por sua vez, é bombeada para dentro do prédio até os tubos nas arquibancadas e campos. Uma entrada de vento na construção permite a formação de uma espécie de bolha de ar refrigerado, desumidificado e purificado por meio de pequenas aberturas de ventilação localizadas sob os assentos, assim como outras maiores colocadas junto ao campo de jogo. Como o ar mais frio é mais denso, ele afunda e chega também aos jogadores no campo.

A tecnologia de esfriamento opera de forma diferente de acordo com o design, formato e funcionalidade de cada um dos sete estádios-sede da Copa que terão a novidade. O único estádio que não conta com o sistema é o 974, o primeiro completamente desmontável em Copas do Mundo, mas somente deve sediar jogos noturnos. Apesar das diferenças entre os estádios, o sistema tem como objetivo principal buscar a criação de “bolhas de resfriamento” localizadas apenas onde estão a torcida, jogadores e o campo. A meta é deixar essas áreas com temperaturas entre 18°C e 24°C.

O design focado em isolamento térmico marca outro ponto em comum entre os estádios, com estruturas desenvolvidas para rebater o calor da luz do sol. Em algumas arenas, como o Estádio Internacional Khalifa, a ventilação é renovada com ar de fora. O Al Janoub reutiliza o próprio ar resfriado durante o jogo. Todo esse sistema de energia nos estádios será alimentado por uma fazenda de energia solar no deserto ao redor da capital do Catar, Doha, a cerca de 50 km de distância dos estádios.

Saídas do sistema de climatização de ar para o campo no estádio Al Janoub. Foto: Karim Jaafar/AFP
Saídas do sistema de climatização de ar para o campo no estádio Al Janoub. Foto: Karim Jaafar/AFP

Segundo o engenheiro, o ar-condicionado foi desenvolvido pensando em três elementos específicos: torcedores, gramado e jogadores. “Os computadores controlam qual a exata temperatura a grama precisa para crescer. Precisa ter um nível de umidade específico. Se não ficar úmido, vai ficar doente, com bactérias. Quando os jogadores suam, o suor evapora. Se o ar estiver muito úmido, a evaporação será devagar. Então, terão choque térmico”, completa ele em entrenvista ao UOL.

A calibragem de cada setor de arquibancadas é feita na sala de comando. Há escritórios em cada estádio, todos interligados ao Centro de Comando e Controle Aspire. Ao redor do campo do Estádio Lusail, são 18 sensores de temperatura. Há um mapa de calor de todas as áreas do estádio. Cada setor de arquibancadas tem um resultado individualizado e é possível controlar as máquinas de refrigeração de acordo com o desejado.

“Não controlamos a temperatura, controlamos a percepção de temperatura. Medimos o nível de umidade, a bolha, a velocidade do ar, olhamos as roupas, até mesmo o gênero de quem está naquela área”, explica Dr. Cool. Definir qual a faixa de ar frio mais adequada demandou pesquisas e análises ao longo do desenvolvimento do projeto. O ar que circula no ambiente dos torcedores é “refinado” por difusores que peneiram poeira e até cabelo, entre outras impurezas.

Fontes

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