Avaliação Psicológica para dirigir: por quê?

Patrícia Roggério da Rocha

Psicóloga especialista em Psicologia do Tráfego

O trânsito é um ambiente complexo, trata-se de um sistema, composto por diferentes subsistemas, dentre eles o homem, a via e o veículo. Dessa forma, o acidente de trânsito é considerado multifatorial, ocorrendo quando há uma disfunção nesse sistema. Em grande parte dos casos, a disfunção está localizada no subsistema homem, sendo o fator humano preponderante na situação do acidente (Rozestraten, 1988).

O Brasil registrou queda no número de mortes por acidentes de trânsito entre os anos de 2015 e 2019, segundo dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS). No entanto, a segurança no trânsito segue uma preocupação relevante, de modo que o desenvolvimento de estratégias para que esses números continuem a diminuir se mantém indispensável.

Há diferentes ações voltadas para esse fim, como a lei seca e campanhas de conscientização voltadas ao uso de capacete, ao respeito aos limites de velocidade, entre outras. Nesse contexto, o objetivo da avaliação psicológica, assim como do restante do processo relativo à Carteira Nacional de Habilitação (CNH), é a promoção de um trânsito mais seguro, favorecendo a redução do número de acidentes ao evitar que pessoas sem condições mínimas necessárias se tornem condutoras de veículos. Dirigir não é um direito, mas uma concessão do Estado a pessoas que cumpram requisitos específicos.

Psicólogos e médicos são considerados profissionais parceiros do DETRAN, que após processo de credenciamento junto ao órgão, são autorizados a realizar a avaliação dos candidatos. Estes são encaminhados pelo DETRAN por meio da distribuição equitativa entre os profissionais credenciados. Essa distribuição tende a dificultar fraudes uma vez que não é facultado ao candidato escolher o profissional que realizará sua avaliação.

Para credenciamento do profissional junto ao DETRAN, no caso do psicólogo, é exigido título de especialista em Psicologia do Tráfego, o qual deve ser solicitado ao Conselho Regional de Psicologia (CRP), após realização de especialização latu senso ou prova de títulos realizada pelo próprio CRP, mediante critérios específicos.

O que é avaliado?

Na avaliação psicológica, são avaliados a inteligência, a atenção, a memória, o comportamento e a personalidade.

  • Inteligência

Envolve a capacidade de compreender as regras do trânsito, relacionar ideias e identificar padrões de comportamento, com a decorrente produção de uma resposta adequada ao contexto. A importância dessa capacidade fica evidente quando se fala em direção defensiva, pois o reconhecimento de padrões permite prever o comportamento de outros agentes, sejam condutores ou pedestres, e antecipar uma ação que reduza o risco de um acidente. Por exemplo, a conhecida frase “atrás de uma bola sempre vem uma criança” é o reconhecimento de um padrão que possibilita a redução de velocidade e o direcionamento da atenção para a possibilidade de uma criança atravessar a via sem olhar.

  • Atenção

Está relacionada à seleção de estímulos relevantes diante de tudo o que é captado pelos sentidos, direcionando o foco para aqueles estímulos que permitirão uma resposta mais adaptada ao momento e ignorando os demais, considerados como estímulos distratores. No contexto do trânsito, o condutor precisa ser capaz de manter o foco na atividade de dirigir (atenção concentrada), considerando as demandas da rua (atenção dividida), além de conseguir mudar rapidamente o foco, como ocorre ao olhar nos espelhos retrovisores e retornar o olhar para a frente (atenção alternada).

  • Memória

A memória de curto prazo está relacionada à capacidade de reter a informação visualizada nas sinalizações, como velocidade máxima permitida naquele trecho do percurso, obras na via, entre outras, sendo fundamental para o cumprimento das leis de trânsito e para ações antecipatórias. Por exemplo, ao visualizar uma placa indicando estreitamento de pista em alguns metros, o condutor identifica e retém essa informação, sendo possível se preparar para uma mudança de faixa, sua ou de outros condutores a sua frente.
A memória de longo prazo, que consiste na recuperação de informação armazenada na forma de estruturas permanentes de conhecimento, também é importante para o ato de dirigir uma vez que se relaciona diretamente com a capacidade de aprendizagem.

  • Personalidade

Além desses fatores cognitivos, avalia-se o equilíbrio entre diversos aspectos da personalidade, em especial os relacionados a emotividade, agressividade, ansiedade e impulsividade, considerando-se que estes não devem estar exacerbados, nem muito diminuídos.

Uma pessoa muito emotiva, pode apresentar uma reação desproporcional às situações. Em contrapartida, alguém com um grau de emotividade muito baixo pode se tornar apático e indiferente. Em ambos os casos, há uma tendência a uma reação emocional inadequada à situação.

A agressividade, em seu aspecto positivo, é considerada força propulsora para a ação e para o enfrentamento de problemas, mas é destrutiva e nociva quando em excesso. Para mudar de faixa, por exemplo, é necessário um grau de agressividade que induza ao movimento, mas se a agressividade for exacerbada, essa mudança pode ser realizada de maneira violenta, sem observar a necessidade de aguardar condições mais favoráveis, aumentando o risco de colisão.

A impulsividade aumentada leva a uma ação irrefletida e pouco controlada. Nesse caso, a pessoa acaba se tornando pouco previsível para os outros agentes, dificultando a reação adequada de quem está ao redor, o que eleva o risco de acidentes. Por outro lado, uma impulsividade muito diminuída pode levar à indecisão, o que também aumenta os riscos, considerando que alguns momentos requerem prontidão na tomada de decisão, como na situação em que um animal atravessa a pista de uma rodovia e é preciso decidir rapidamente entre frear ou desviar.

A ansiedade tem uma função de antecipação, sendo uma reação natural a ameaças e eventos estressores. Assim, em seu aspecto positivo, ela mobiliza o indivíduo para uma melhor preparação, mas, se ela for muito acentuada, ela pode ter efeito paralisador e, semelhante ao que ocorre com a emotividade aumentada, levar a uma reação desproporcional, inadequada ao contexto.

  • Comportamento

Nesse quesito, procura-se identificar o que o candidato considera como atitudes adequadas ou inadequadas no contexto do trânsito e se tem a tendência a agir em conformidade com o que é esperado de um condutor. Procura se observar a sua relação com as regras, com aquilo que é instituído.

Ilustração representando uma pessoa fazendo um teste psicológico. Fonte: Stable Diffusion
Ilustração representando uma pessoa fazendo um teste psicológico. Fonte: Stable Diffusion

A avaliação é realizada por meio de testes psicológicos, que são medidas objetivas e padronizadas de uma amostra de um comportamento do sujeito. Na análise da pontuação obtida pelo candidato em determinado teste costuma ser considerado seu grupo de referência, por exemplo, mesma escolaridade ou mesma faixa etária, conforme as normas estabelecidas pelo teste utilizado.

Além dos testes, o psicólogo se baseia na observação do candidato durante o processo de avaliação e em dados obtidos por meio de entrevista psicológica, que não apenas complementam os resultados dos testes, como permitem a correta interpretação dos mesmos. O psicólogo capacitado consegue diferenciar o que é apenas um nervosismo por causa da situação avaliativa e o que é de fato uma inadequação nos quesitos avaliados.

A avaliação psicológica tem limitações, pois é realizada em condições controladas e consiste num recorte, numa fotografia do momento daquele candidato. Contudo, uma avaliação consistente tem boas condições de predição de comportamentos, sendo assim parte imprescindível da construção de um trânsito mais seguro.

Referências Bibliográficas

Rozestraten, R.J.A. Psicologia do Trânsito: conceitos e processos básicos. São Paulo: E.P.U.:
Editora da Universidade de São Paulo, 1988.

One comment

  1. Artigo muito bom e explicativo, relevante aos que pretendem segurança no trânsito, especialmente quando observa a necessidade de avaliações para que o Estado “permita” que um cidadão possa dirigir um veículo.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.