Aspectos de saúde dos aeronautas

Os aeronautas estão submetidos a diversos riscos, como ruídos, vibração, baixa umidade do ar e da pressão parcial de oxigênio e outros fatores que, a longo prazo, podem atuar e seus organismos. Por prestarem serviços de forma ininterrupta, o esquema de jornadas longas e irregulares de trabalho, cruzamento de fusos horários, sistemas coercitivos de algumas empresas e a convivência com o perigo iminente geram ansiedades que podem causar modificações nos seus ciclos biológicos, como alterações nos hábitos de sono e de alimentação, e funcionamento de processos orgânicos, como anomalias cardiovasculares, e agravar certas patologias já instaladas e outras como a hipertensão e o diabetes insulino dependente. Isso sem contar a influência em sua vida familiar e social.

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Efeitos na saúde do passageiro e do tripulante durante o voo (clique na imagem para ampliar).

Os seres humanos estão expostos às radiações de origem terrestre, cósmica e solar. Os aeronautas ficam expostos às radiações ionizantes, que fazem parte das radiações cósmicas e provém do espaço, e às não ionizantes, produzidas pelos equipamentos elétricos a bordo da aeronave. Tempestades solares também podem produzir radiações elevadas a bordo de aviões voando em grandes altitudes, particularmente nas regiões polares em que o campo magnético é mais “frágil”. Embora estes riscos sejam pequenos, eles podem receber uma dose de radiação equivalente aos raios-x médico. O monitoramento dos eventos solares permite que a exposição ocasional seja monitorada e avaliada, e eventualmente que a trajetória e a altitude dos voos sejam ajustadas, a fim de baixar as doses absorvidas pelos passageiros.

O Brasil está localizado no centro da Anomalia Magnética do Atlântico Sul: uma região onde a parte mais interna do cinturão de Van Allen tem a máxima aproximação com a superfície da Terra. Para uma dada altitude, a intensidade de radiação é mais alta nesta região do que em qualquer outra.

Descobertas mais recentes mostram que existe emissão de raios gamas em algumas tempestades. O modelo mais aceito de sua formação é o de geração de raios X por freamento dos elétrons e posterior emissão de nêutrons oriundos de processo fotonuclear. A probabilidade de que aconteça um raio com esse tipo de emissão é de um a cada 3 mil horas de voo, correspondendo a uma taxa de radiação entre 30 e 100 mSv (Dwer, 2010).

Para efeito de comparação, uma chapa de tórax emite 0,1 mSv e o limite permitido para tripulantes costuma estar entre 2 e 5 mSv (20 mSv acumulado por ano em uma média de 5 anos). Essas medidas podem ser estimadas por voo usando aplicativos para celular (como o space weather). Para voos acima de 49 mil pés (supersônicos, como o Concorde), precisa ter um dosímetro a bordo, com alarme para valores altos de radiação.

Os sistemas eletrônicos embarcados também sofrem com a radiação ionizante, afetando a segurança de voo. Desvios transitórios ou permanentes podem causar mas funcionamento ou falha completa, de modo cumulativo (armazenando cargas gradualmente ou deslocando átomos de sua rede cristalina) ou de modo estocástico (aparece como um pulso no sistema). A ionização da região sensível do dispositivo leva ao acionamento de um transistor mudando o estado lógico de células de memória (efeito conhecido como upset), o que pode também acontecer em múltiplos bits ao mesmo tempo.

Em 01/08/2005, um Boeing 777 teve problemas com mudanças de atitude durante o voo, quase ocorrendo STOL. A única causa não descartada um upset na central inercial. Veja o vídeo simulando a situação do incidente:

Em 2008, aconteceu um problema semelhante com outra aeronave, com uma mudança de atitude bem rápida para baixo (pitch angle menor que -8º).

As radiações cósmicas existentes durante os voos a grandes altitudes consistem especialmente de partículas de nêutrons e raios gama e são consideradas como causadoras de mutação com uma taxa mais elevada que as radiações naturais ao nível do chão. O fluxo das partículas cósmicas aumenta com a altitude e com a latitude geomagnética, e em menor grau depende da atividade solar e é significantemente maior a bordo da aeronave do que no solo. Assim, quanto maior for a altitude do voo tanto maior será a intensidade da radiação recebida, e maior será o risco de desenvolver câncer em relação à população em geral. A interação das radiações ionizantes com a matéria viva pode ser em nível molecular, celular, no organismo ou no ecossistema. Ao atingirem as moléculas, podem provocar mutações gênicas e mutações cromossômicas. Foi constatado o aumento da incidência de câncer e leucemias entre os profissionais expostos a elas com determinada frequência.

Três fatores determinam a gravidade do efeito da exposição do tecido às radiações nos seres humanos: o tipo de radiação, a sensibilidade do tecido a esse tipo de radiação e a susceptibilidade das diferentes espécies. Os tecidos mais sensíveis, quando expostos a essas radiações, são a medula óssea, as mamas e a tireóide. Entre as células da medula óssea os linfócitos são as mais susceptíveis, pelas alterações desenvolvidas nas células imaturas da medula óssea, no baço e nos linfonodos. Foi realizado um estudo dessas células em pilotos comerciais e na tripulação de cabine. Os resultados obtidos mostram uma diferença estatisticamente significante de aberrações cromossômicas nos linfócitos do sangue periférico da amostra estudada em relação ao grupo controle. Ou seja, um dos efeitos principais das radiações ionizantes é a possibilidade de diminuir o número total de glóbulos brancos, o que leva a uma redução das defesas do organismo contra infecções.

Segundo estudos, foi verificado, após medições das radiações geradas pelos campos magnéticos de diferentes aeronaves, que as do Boeing 767/300ER correspondia a 6,7 mG e do Boeing 737/200ER, a 12,7 mG. Os autores concluem que as radiações detectadas eram substancialmente mais elevadas que as presentes nos escritórios convencionais, de apenas 0,8 a 1 mG, e que deveriam ser desenvolvidos estudos mais profundos para avaliar os efeitos dessa exposição para a saúde a longo prazo.

Com relação à radiação ultravioleta (UV), eritemas, envelhecimento precoce, foto carcinogênese,  fotoimunossupressão e hipersensibilidade química são alguns dos efeitos maléficos. A UV produz mudanças químicas na molécula do DNA e em outras moléculas, induz imunossupressão e promove câncer de pele (Phillips, 1988). O envelhecimento precoce foi observado em pilotos. As lesões detectadas através desse estudo só costumam ser observadas em pessoas com mais de 50 anos. No entanto, o grupo pesquisado tinha média de idade de 37,45 ± 6,9. Concluindo, os autores relataram que os achados sugeriram que o grupo de pilotos estudados apresentaram lesões prematuras de pele causadas pela exposição ao sol. Veja também as notícias Erupções solares também afeta a aviação comercial e Radiação: um perigo invisível.

Estudos provaram que, na presença de ruídos elevados, acima de 90 dB, o desempenho começa a cair e nas tarefas onde o nível de atenção é imprescindível, o número de erros aumenta significativamente. Além disso, comprometem a comunicação verbal entre as pessoas, pois exigem que se fale mais alto, que se preste mais atenção, aumentando a tensão psicológica, e podem provocar aborrecimentos, por interromper atividades em andamento, gerando tensões ou dores de cabeça. Além da perda auditiva podem surgir sintomas relativos ao comprometimento do sistema neuropsicológico, como insônia, irritabilidade e estresse. O ruído das aeronaves é um fator contribuinte importante na instalação da “fadiga de voo”.

As vibrações e microvibrações podem causar efeitos fisiológicos e psicológicos sobre o ser humano representados por perda de equilíbrio, falta de concentração e visão turva, diminuindo a acuidade visual. O movimento da aeronave e funcionamento dos motores também podem causar indisposições como tonturas, mal-estar e vômitos.

A elevação da altitude promove o resfriamento do ar, devendo ser reduzida a concentração do vapor d’água, o que gera uma atmosfera de umidade muito baixa controlada pela tripulação entre 3 a 15% (média de 10%). Isso resulta em perda de água pelos tripulantes, através da respiração. Quando a exposição a essa baixa umidade se dá por longo tempo, podem aparecer alguns sintomas tais como boca seca, sede, rouquidão e secreção pulmonar espessa, esta última dificulta a troca gasosa e é um fator que pode atuar na hipoxia. Também pode ocasionar ressecamento das conjuntivas, resultando em inflamação e sangramento nasal. A deficiência na hidratação pode atuar, também, facilitando a formação de cálculos urinários em indivíduos que já tenham essa predisposição genética.

À medida que a pressão do ar diminui, a pressão parcial de oxigênio diminui proporcionalmente. A deficiência de oxigênio nos tecidos que causa falhas na função fisiológica é denominada de hipóxia, que pode se fazer sem que o profissional absorvido pelas suas tarefas perceba seus efeitos. Uma das consequências mais importantes da hipóxia é o seu efeito sobre a capacidade mental do indivíduo, diminuindo-a e comprometendo o julgamento, a memória e o desempenho de movimentos motores discretos. A capacidade de trabalho muscular é reduzida na proporção direta à diminuição da taxa máxima de captação de oxigênio que o corpo pode alcançar, o que pode afetar inclusive os músculos do coração. A tripulação, se estiver exposta a longos períodos nesse ambiente pode desenvolver uma certa hipóxia hipobárica, que é um contribuinte como fator estressante.

Para entender melhor a queda de pressão com a altitude, veja esse vídeo falando sobre a zona da morte, uma região cuja altitude impossibilita uma respiração normal devido à baixa concentração de oxigênio no ar:

Você fica bêbado mais rápido em alti­tude de cruzeiro?
Falso, mas, porque os aviões não são pres­sur­iza­dos ao nível do mar (é o equiv­a­lente a res­pi­ração em cerca de 8.000 met­ros de altura), há menos oxigênio no ar, o que pode criar a sen­sação de se estar com um copo a mais.

As diferenças climáticas encontradas pelos tripulantes ao saírem de suas bases com uma temperatura elevada e, pousarem em locais com temperaturas baixas favorecem os problemas respiratórios. Outro fator de relevo é o fato de os tripulantes ficarem mais propensos a contrair doenças infecciosas das vias aéreas superiores, pois durante as viagens de longa duração existe a possibilidade de se exporem a vírus de outras regiões do mundo, para os quais os seus sistemas imunológicos podem não estar preparados.

A privação do sono, a baixa umidade do ar, ocasionando secura na boca e na pele e envelhecimento precoce, são causa de desconforto. Depois de uma madrugada de vigília, o desgaste durante os momentos críticos do pouso, quando o estado de alerta já não é o mesmo, é um dos fatores promotores de fadiga, sendo a comunicação feita em outra língua, as condições meteorológicas ruins constituem também causas geradoras de estresse. Isso tudo pode privar o tripulante de passar por todas as fases do sono para ter um sono de qualidade ao utilizar o “sarcófago” (local de descanso para a tripulação durante longas viagens onde ocorre o revezamento).

Como consequência dos períodos inadequados de repouso, os aeronautas que realizam voos transmeridionais apresentam-se constantemente submetidos ao fenômeno de dessincronização ou Síndrome do “jet lag” . A insônia, falta de atenção, falta de memória, alteração da capacidade psicomotora, sensação de fadiga, distúrbios gastrointestinais, irritabilidade, falta de apetite, desorientação, sensação de estar “tonto”, queda da temperatura durante o dia, alteração no estado de humor, dores de cabeça e ansiedade são sintomas que surgem como resultado na alteração dos ritmos biológicos, repercutindo tanto no desempenho profissional como no convívio social.

Em relação aos comissários, eles fazer cumprir as normas relativas à segurança, tanto dos passageiros quanto dos demais tripulantes. É ele quem orienta nas situações de emergência e promove o intercâmbio passageiros/ tripulação, gerando por vezes situações de grande tensão e estresse que, a longo prazo, podem comprometer a sua saúde física e mental. A alimentação é feita em horários irregulares e sob condições inadequadas. Os comissários realizam suas refeições na “galley”, após terem servido os passageiros, a maioria das vezes de pé e rapidamente, porque o avião vai pousar no momento seguinte. Não raro não há tempo para comer, o que produz grandes intervalos sem se alimentar favorecendo a instalação de gastrites. A qualidade do alimento em geral não é satisfatória, podendo produzir flatulência, carências alimentares e elevação das substâncias lipídicas no sangue. A escolha dos alimentos nem sempre é pautada de acordo com seu valor nutritivo e não leva em conta as deficiências próprias de cada organismo, podendo gerar estados carenciais que, a longo prazo, podem interferir no desempenho profissional.

No desempenho de suas funções eles também ressaltam que “a repetitividade das ações é a atividade mais cansativa” e os longos períodos de tempo em pé geram dores nos pés e na coluna. Em estudo realizado em 2001, a causa de 45% dos afastamentos de comissários foi a de transtornos mentais. Do restante, 29% foi gravidez, 9% de transtornos cardiovasculares, 8% de Distúrbios Ósteo-Mio-Articulares, 5% de transtornos de coluna, dentre outros problemas.

Esse texto é um apanhado de alguns dos aspectos da saúde dos aeronautas discutidos no capítulo 2 da dissertação de Mestrado de Maria Suzana de Moraes (2001), “Proposta para o monitoramento da saúde de aeronautas por meio de marcadores bioquímicos e hematológicos“, pela Fundação Oswaldo Cruz/Escola Nacional de Saúde Pública. Lá você poderá encontrar as referências das pesquisas e mais informações.

Uma atualização foi feita com base nas palestras “O Tripulante de Aeronaves e a radiação Ionizante”, do Cmte. Amilton Camilo Ruas, e “Radiação Cósmica e seus efeitos em sistemas embarcados”, do Dr. Claudio Federico (IEAV, DCTA), promovidas no “1º Workshop de Segurança Operacional da ASAGOL” (Associação dos Aeronautas da GOL), em 27/06/2017. Veja mais no documento desse link.

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