World Weather Collection

De junho de 2022 a junho de 2023, a London Review of Books (LRB) colaborou com a World Weather Network (WMN) para que artistas e escritores compartilhassem observações, histórias, reflexões e imagens respondendo ao clima local e aos efeitos da emergência climática. esse post apresenta o resumo de alguns dos textos que achei mais interessantes.

A LRB, fundada em 1979, é uma das principais revistas de cultura e ideias da Europa. Além de resenhas de livros, memórias e reportagens, cada edição também contém poemas, resenhas de exposições e filmes, ‘short cuts’, cartas etc. Publicado duas vezes por mês, oferece um espaço para alguns dos melhores escritores do mundo explorarem uma ampla variedade de assuntos com detalhes estimulantes – de arte e política a ciência e tecnologia, passando por história, filosofia, ficção e poesia.

A WMN é, basicamente, uma rede mundial de artistas, escritores e comunidades relatando seu tempo e clima. Formada em resposta à emergência climática, é uma constelação de “estações meteorológicas” montadas por 28 agências artísticas em oceanos, desertos, montanhas, terras agrícolas, florestas tropicais, faróis e cidades ao redor do mundo como um convite para olhar, ouvir, aprender e agir. Cada agência de artes parceira escolheu um local importante de onde artistas e escritores podem explorar o clima local, chamadas de “estações meteorológicas”; podem ser lugares específicos, edifícios, ambientes ou regiões geográficas mais amplas.

A partir de cada estação, artistas e escritores criam novas obras em diversas formas de arte: são os “boletins meteorológicos”. Os boletins assumem muitas formas diferentes: poesia, ficção, reportagem, diários em vídeo, filmes, fotografia, podcasts e muito mais. Cada relatório é compartilhado como uma arte digital através deste site.

The Clouds over Amsterdam – Clare Bucknell

O texto discute a importância do tempo e do clima na pintura marinha da Era de Ouro Holandesa, destacando como esses elementos foram retratados de forma precisa e realista pelos artistas da época. Durante o século XVII, os céus nas pinturas marítimas não eram apenas pano de fundo, mas sim elementos cheios de personalidade, capazes de transmitir drama e humor. Nuvens escuras sobre navios poderiam ser um presságio de tempestade, enquanto a ausência de vento e velas frouxas indicavam calma, exaustão ou frustração.

Ludolf Backhuysen - Ships in Distress off a Rocky Coast (1667)
Ludolf Backhuysen – Ships in Distress off a Rocky Coast (1667)

O texto ressalta que os pintores holandeses do período passaram a se interessar cada vez mais em reproduzir as formações de nuvens observáveis, em vez de recorrer a formas genéricas e fofas como seus predecessores. Eles buscavam retratar com precisão as condições que testemunhavam na costa do Mar do Norte. Essa busca pela verossimilhança era uma questão de orgulho para esses artistas, que se orgulhavam em retratar com precisão o vento e a água, evidenciando sua própria experiência na navegação.

A pintura marinha era um reflexo do poder marítimo da República Holandesa no século XVII, uma vez que sua riqueza comercial provinha do mar, por meio do comércio marítimo europeu e do controle das rotas de suprimento coloniais. A elite holandesa, composta por comerciantes, construtores navais, banqueiros e suas famílias, encomendava obras de arte para exaltar suas conquistas. Os temas marítimos eram especialmente populares, como paisagens marítimas, cenas portuárias, resgates tempestuosos e batalhas navais.

O texto destaca que os detalhes nas pinturas marítimas frequentemente simbolizavam conceitos abstratos além dos limites da imagem. Por exemplo, uma bandeira holandesa tremulando no mastro superior de um navio de guerra em uma cena portuária sugeria poder e domínio. Além disso, o clima nas pinturas marítimas também desempenhava um papel simbólico, sendo interpretado com base em associações compartilhadas: tempestades eram ruins, raios de sol eram bons. No entanto, as pinturas mais interessantes tratavam o clima como um assunto em si mesmo, explorando suas nuances e peculiaridades.

O texto menciona obras de diversos artistas para ilustrar a representação do clima na pintura marinha. Por exemplo, a obra “A Dutch Ship and a Kaag in a Fresh Breeze” de Hendrick Cornelisz Vroom retrata um navio de guerra e um barco menor em movimento, destacando não apenas as embarcações, mas também a representação do vento e seus efeitos por meio das nuvens e das ondas do mar. Já “Calm: Dutch Ships Coming to Anchor” de Willem van de Velde, o Jovem, captura a atmosfera serena de navios ancorando, com flashes dourados sugerindo a relação entre poder naval e dinheiro.

Além disso, o texto ressalta que o clima nas pinturas também pode ser parte da narrativa, como em “Dutch Fleet Assembling Before the Four Days’ Battle of 11-14 June 1666” de Willem van de Velde, o Jovem, onde uma nuvem escura domina a imagem, simbolizando o conflito iminente. Ou em “Ships in Distress off a Rocky Coast” de Ludolf Backhuysen, onde a dramaticidade é evidente, com navios em perigo em meio a ondas altas e nuvens cinzentas. O clima indica diferentes desfechos possíveis para a história, deixando em aberto o destino das embarcações e dos marinheiros.

Em resumo, o texto destaca a importância do clima e do tempo na pintura marinha da Era de Ouro Holandesa. Os artistas da época buscavam representar com precisão as condições climáticas e os efeitos do tempo nas paisagens marítimas, transmitindo não apenas as características físicas, mas também simbolismos e narrativas. Através de detalhes minuciosos, essas pinturas capturavam a natureza fugaz do clima, criando um diálogo entre a realidade e a arte.

The Fog in Lima – Valeria Costa-Kostritsky

O texto retrata a atmosfera única de Lima, a capital peruana, enfocando principalmente seu clima e as consequências sociais e ambientais relacionadas a ele. O autor começa citando um poema do século XIX do poeta peruano Pedro Paz Soldán y Unanue, que descreve o clima de Lima como um mal-estar persistente, uma sensação de estar morrendo o ano todo. A partir daí, o texto explora as diferentes nuances do clima na cidade e como ele afeta a vida dos habitantes.

Lima é uma cidade que enfrenta desafios climáticos distintos ao longo do ano. No verão, de dezembro a abril, é quente e nublado, enquanto o inverno, de junho a outubro, é ameno, úmido e enevoado. Como raramente chova em Lima, a cidade sofre com a poluição, sendo uma das mais poluídas da América Latina.

O texto destaca a desigualdade social que existe em Lima, onde os bairros mais ricos, com seus jardins bem cuidados e campos de golfe, contrastam com as áreas mais pobres e periféricas. Nessas áreas, muitas pessoas não têm água encanada e dependem de entregas incertas de caminhões-pipa. As chuvas, quando ocorrem, podem levar a inundações e deslizamentos de terra, tornando-se uma ameaça à vida das pessoas.

A neblina é uma característica marcante de Lima e é conhecida como “la gris”. É causada pela mistura do ar quente da costa com ventos frescos e úmidos do Pacífico. A neblina pode ser tão densa durante o inverno que a visibilidade é reduzida e objetos podem ficar cobertos de mofo devido à umidade. Apesar desses desafios, o autor afirma que aprecia esse clima peculiar e brilhante durante os meses mais quentes.

No geral, o texto retrata Lima como uma cidade com um clima peculiar e desafiador, onde a neblina e a poluição moldam a vida dos habitantes. Através de descrições vívidas e exemplos concretos, o autor nos leva a refletir sobre as conexões entre clima, desigualdade social e política em uma das cidades mais populosas da América Latina.

The Rain in Lagos – Adéwálé Májà-Pearce

O autor descreve a chegada da estação das chuvas em Lagos, Nigéria, e explora as complexidades e contradições associadas a essa época do ano. Ele questiona o uso do termo “estação” para se referir à temporada de chuvas, uma vez que não se utiliza a mesma denominação para outras estações climáticas. O autor também critica a influência do inglês sobre as línguas indígenas, resultando na adoção de termos estrangeiros para descrever fenômenos locais.

A chegada das chuvas traz alívio para o calor crescente, mas também traz desafios. Enquanto a população urbana, que compreende metade dos 200 milhões de habitantes da Nigéria, aprecia o clima mais fresco e a possibilidade de uma boa noite de sono, as enchentes causam transtornos, especialmente nas áreas mais pobres e densamente povoadas da cidade. O sistema de transporte público é insuficiente para enfrentar as inundações e as estradas se tornam intransitáveis.

O texto destaca ainda a escassez de árvores na cidade de Lagos, apesar de estar localizada dentro da zona de floresta tropical. A importância do reflorestamento é ressaltada, especialmente por causa dos benefícios climáticos que as árvores podem proporcionar. No entanto, o autor observa que muitas pessoas na cidade não se interessam pela jardinagem ou pelo cultivo de plantas, mesmo com o clima favorável e a possibilidade de ter um jardim em flor durante todo o ano.

O autor também comenta sobre a agricultura na Nigéria e os desafios enfrentados pelos agricultores, incluindo o desperdício de colheitas devido a barreiras logísticas e condições precárias das estradas. No entanto, ele ressalta a abundância de frutas que são vendidas a preços acessíveis nas ruas e destaca a riqueza de recursos agrícolas do país.

No geral, o texto retrata a chegada da estação das chuvas em Lagos de maneira realista e mostra as diferentes perspectivas e desafios enfrentados pela população da cidade. Através das descrições vívidas e das reflexões pessoais do autor, somos levados a entender as complexidades e as contradições da vida durante essa época do ano em Lagos.

The Rainmakers of the American Southwest – Meg Bernhard

O texto aborda a crise da seca no sudoeste dos Estados Unidos, com foco em Nevada. Descreve os esforços da organização Save Red Rock para introduzir partículas de gelo nas nuvens e aumentar a precipitação como uma forma de combater a escassez de água. O autor compartilha suas experiências pessoais e destaca a urgência de lidar com a crise hídrica na região. O texto ressalta as consequências da seca, como a diminuição dos reservatórios de água e os impactos na vegetação e na vida das comunidades locais.

A crise da seca é apresentada como um desafio cada vez mais preocupante, exigindo ações mais abrangentes e sustentáveis para enfrentar a escassez de água no sudoeste dos Estados Unidos.

Cloud Forest – Luz María Bedoya (somente na WMN)

“Cloud Forest” é o primeiro vídeo do projeto “Other Scores of Water” de Luz María Bedoya, que busca registrar os movimentos das diferentes “formas de água” em uma região específica da Amazônia peruana. O vídeo apresenta imagens acompanhadas por uma paisagem sonora que mescla gravações de campo e música concreta. A obra é parte de uma pesquisa dentro do World Weather Network (WWN), expandindo a exploração que a artista iniciou em seu projeto anterior “All the Lighthouses of the Peruvian Coast” em 2019, que combinava conceitos aparentemente díspares, como geografia e música.

“Cloud Forest”, produzido entre agosto e dezembro de 2022, concentra-se no comportamento das águas nessa região da Amazônia peruana, observando seus fluxos e ritmos, bem como a maneira delicada pela qual estão intrinsecamente ligadas a todos os sistemas vivos e não vivos que as cercam. O vídeo equilibra a atenção entre os chamados “rios voadores”, grandes fluxos aéreos de umidade atmosférica que transportam minúsculas gotículas de água, e as águas subterrâneas que fluem pelos musgos e líquenes, criando o pano de fundo sonoro da obra. Inclusive, outro evento na WMN tem uma conversa sobre os rios voadores: Cloud Forests: Flying rivers in the Amazon. Essas duas esferas independentes, mas inter-relacionadas, estabelecem um diálogo cujos limites se confundem.

A fim de capturar a essência dessa realidade elusiva e quase invisível, Bedoya opta por dispensar uma representação realista da paisagem amazônica em termos de cor e abordagem descritiva da vegetação. Em vez disso, a obra prioriza um exame daquilo que a artista chamou de “suor” da floresta, ou seja, a umidade, a neblina, as nuvens e seus movimentos, deixando em segundo plano o verde das folhagens da selva e o céu azul, que são intermitentemente revelados ou ocultados pela névoa.

Embora a natureza elusiva e quase invisível desse sistema pareça estar alinhada com o tom poético presente na obra de Bedoya, “Cloud Forest” também aponta para uma realidade concreta com implicações diretas. A artista busca compreender, por meio dos sentidos, algo aparentemente invisível: o ciclo da água na floresta nublada, um ciclo de vital importância e pouco conhecido, cuja perda teria terríveis consequências para a crise climática. Como parte da pesquisa para o projeto, Bedoya entrevistou especialistas atuantes na área, como Lucía Bottger ou Eduardo de la Cadena, do projeto de conservação da Floresta de Ulcumano Ecolodge, que compartilharam suas observações e conhecimentos sobre esse ecossistema único.

Esse material, disponível na “estação meteorológica peruana” que faz parte do WWN, fornece informações complementares que iluminam ainda mais a obra. Em sintonia com a sobriedade estética e rigor conceitual que caracteriza toda a obra de Bedoya, “Cloud Forest” marca o início de um ciclo de trabalhos que continuará explorando as intersecções entre as formas de água e som em outros espaços do território peruano.

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