Seminário Imaculada de Campinas

O seminário é uma instituição da Igreja Católica (ou Protestante) dedicada à formação de seus candidatos ao ministério sagrado. Os estudantes são os seminaristas, cuja formação é observada geralmente em quatro dimensões: a dimensão espiritual (oração, inclusive a Missa), a dimensão intelectual (aprendizado, estudo e aulas), a dimensão comunitária (convivência, relações humanas-afetivas, caridade) e a dimensão pastoral (sua capacidade de desenvolver trabalhos propostos pela Igreja em meio ao povo e a comunidade de atuação), tudo isso em vista da preparação para um futuro sacerdote colaborador.

O sistema para preparar pessoas para o serviço da Igreja em Seminários começou com o Concílio de Trento, em 1563. O “Seminário Menor” tinha a função de recolher em um internato os garotos para fazerem os estudos básicos (o equivalente ao Ensino Fundamental e Ensino Médio atuais) – não era necessariamente importante que o garoto quisesse ser padre. Já o “Seminário Maior” era voltado para o estudo da Filosofia e Teologia (o atual Ensino Superior).

Foto aérea do SIC. Foto: Arquivo do Seminário de Filosofia - Arquidiocese de Campinas.
Foto aérea do SIC. Foto: Arquivo do Seminário de Filosofia – Arquidiocese de Campinas.

O Seminário Imaculada de Campinas (SIC) funcionou de 1955 a 1972. O prédio foi construído especialmente para essa finalidade e está situado no alto do bairro Cura D´Ars em Campinas (SP), na Rua Waldemar César da Silveira, 105. Até meados dos anos 1960, funcionou nos velhos moldes de disciplina. A partir de 1967, com as novas regras do Concílio Vaticano II e com as mudanças no sistema educacional do Brasil, o Seminário começou a ser desativado e acabou totalmente em 1972. Depois de alguns anos, o prédio passou a ser a Universidade São Francisco (USF) Campus Swift.

Tinha a capacidade para 200 alunos, uma dezena de Superiores padres e professores, freiras que cuidavam da cozinha e lavanderia e empregados gerais. Todo candidato vinha através de uma paróquia e o Seminário recebia alunos de dezenas de cidades da Arquidiocese de Campinas e até alguns de outras. Existia um processo seletivo para escolher os 60 alunos que iriam começar a primeira série: em janeiro, os candidatos ficavam no seminário uma semana para fazer as provas de português e matemática, assim como uma entrevista com um dos padres selecionadores. Para entrar no Seminário, o candidato tinha que já ter uma formação religiosa (ser batizado, crismado, os pais casados na Igreja) e era muito apreciado se ele fosse coroinha.

Os alunos estavam os alunos divididos em três grandes grupos: os menores, os médios e os maiores. Cada grupo tinha seus afazeres e estudos em separado uns dos outros, assim como pátios para recreação, refeitórios, dormitórios e sanitários eram também separados a partir dessas três classificações.

Os relatos a seguir foram baseados no que foi publicado no site do ex-SIC e da tese de Doutorado sobre as mudanças no Seminário Católico antes e depois do Concilio Vaticano II (links no final do post).

Cotidiano

Nas décadas de 20/30, os seminaristas passavam o ano todo como internos, sendo permitidas algumas saídas nas férias ou avulsas somente para visitar os pais. O seminarista levava uma folha de enquete para o pároco, que deveria ficar de olho nele e informar o Seminário sobre a sua conduta nas férias. Já aconteceu de, em uma das férias, dois seminaristas serem levados ao cinema pelas mães para ver “O Candelabro Italiano” e depois todos precisaram prestar esclarecimentos ao pároco. A visão do internato é de ficar longe da maldade do mundo e aprimorar as noções de ética e moral para, se possível, se doarem à Igreja.

As saídas para casa eram apensa no final do ano, mas foram sendo alteradas após o concílio Vaticano II. As saídas para casa chegaram a ser quase que mensais (em algum final de semana, com saída ao sábado após a missa e o café, e volta antes das 18:00 do domingo), mais as férias completas de meio e final de ano. Em 1967, começou o regime de semi-internato: quem era de Campinas e redondezas ia para casa a noite e finais de semana. No mesmo ano, também o Colegial foi transferido para o Colégio de Aplicação Pio XII. O uso de batinas ficou restrito aos alunos que ajudavam nas cerimônias, as refeições em silêncio ouvindo leituras da Bíblia ou de livros foram abolidas, os recreios, que eram controlados com tarefas, passaram a ser livres. Os menores e os mais velhos tinham pátios separados onde havia as mesas de ping-pong e os jogos de mesa como xadrez, dama, gamão, etc, mas a maioria ficava andando em duplas ou grupos conversando.

Claustro (2010). Foto: ViniRoger.
Claustro (2010). Foto: ViniRoger.

Dentre as atividades culturais desenvolvidas, estavam a criação de peças de teatro, discursos no Grêmio Literário (aos alunos do Ginásio) e na Academia Literária (alunos do Colegial), leituras nas bibliotecas (que antigamente eram controladas), rádio, fotografia, cinema, teatro, encadernação, trabalhos artesanais, cultura de plantas na horta ou na chácara (Helvétia), datilografia, música, jornal, etc. Os menores tinham até pequenos brinquedos como aviões, bola de queimada, borboletas, pedras e bugigangas gerais.

Todos levantavam às 6 horas. Primeiramente ouvia-se o barulho do acionar dos interruptores e as lâmpadas iam acendendo pelo dormitório afora. Em seguida, o ranger da porta do dormitório e o padre batendo palma pelo corredor até a porta dos banheiros, no fundo. Então ia voltando devagar, vistoriando as “cameratas”, e ao pegar alguém ainda na cama perguntava “está doente?”. Tinham exatamente 20 minutos para arrumar a cama, pegar as roupas, escova e pasta, ir para os banheiros, voltar e sair do dormitório em direção à Capela.

Ao levantar, era dever arrumar a cama e os pertences no armário, manter cabelos penteados, roupas ajeitadas e sapatos engraxados. Tudo era vistoriado em silêncio, sob pena de refazer se não estivesse bem feito junto de um sermão. A primeira atividade do dia era na capela, que começava exatamente 20 minutos depois de acordar. Com todos em suas posições, o leitor da semana começava a oração da manhã. Durava uns 5 ou 6 minutos e em seguida começava a missa. Cada um tinha seus pertences de leitura que ficavam no suporte do banco: folha das orações da manhã e da noite, livro de salmos, cânticos e hinos, manual do seminarista e livro de acompanhamento da missa. O uso de agasalho era obrigatório, independente da temperatura do dia, e tudo feito em jejum total. Aos domingos, a missa era solene e a noite terminava sempre com a Benção do Santíssimo.

A segunda atividade era o Café da manhã no Refeitório. Antes de se sentarem, todos ficavam posicionados em pé, atrás de sua cadeira e voltados para o grande quadro da Santa Ceia, no fundo. Rapidamente, o Monitor ou um Padre fazia uma breve oração e então todos começavam a comer. Eram bules de café com leite, já adoçados. As xícaras e pires de inox já estavam no lugar, bem como um pão médio com manteiga.

"Estudão": a carteira tinha uma tampa que levantada podia-se guardar todos os pertences muito além dos escolares. Foto: Arquivo do Seminário de Filosofia - Arquidiocese de Campinas.
“Estudão”: a carteira tinha uma tampa que levantada podia-se guardar todos os pertences muito além dos escolares. Foto: Arquivo do Seminário de Filosofia – Arquidiocese de Campinas.

A terceira atividade do dia eram as aulas. O Monitor era o aluno maior que tinha um apito para sinalizar nos pátios e um sino para tocar no hall de baixo. Ao fim do café, todos iam para o “estudão” (local onde ficavam os pertences escolares de cada um e também outros objetos) – as turmas do colegial não tinham “estudão”, ficavam o tempo todo na sala de aula, assim como a 3ª e 4ª Séries do ginásio. Ao soar o sino as 7:30, todos já deviam ter pego os livros e cadernos e se dirigido para uma sala de aula, logo no corredor a frente. Duravam 50 minutos e às 10:00 havia o intervalo de 15 minutos para o lanche. Tudo terminava às 12:00.

O método pedagógico mais usado que era o estudo em equipes, que eram montadas no início do ano e valiam para todas as disciplinas. Havia uma exposição da matéria pelo professor e os alunos discutiam o assunto nas equipes consultando os livros. Depois da aula, havia ainda a “lição de casa” com os estudos da tarde (entre 13:30 e 15:00) e da noite (entre 19:45 e 21:00), geralmente com apresentações do Grêmio e da Academia. Ainda havia biblioteca, laboratório de Química e Física (com feiras de ciências anuais)

Prédio

O prédio todo era em dois andares. Na parte frontal superior ficava o aparato pedagógico, como secretaria, biblioteca, diretoria e salão nobre e, na ala B superior, o conjunto de dormitórios e sanitários dos alunos médios. Também aí ficavam os estúdios ou sala de estudos. Na ala C superior estavam as salas de aula, laboratórios de química e física e a sala de música, além de barbearia, consultório dentário, livraria e ambulatório médico. No pavimento superior da ala A estava parte da residência das irmãs, com acesso independente.

Eram quatro Refeitórios: o dos alunos (o maior), o dos Padres, o dos Professores e o dos empregados. Uma grande copa ficava no meio, onde eram colocadas as travessas com alimentos que vinham da cozinha e só eram liberadas para as mesas após estarem todos a postos e ser feita a oração. No centro, o hall era a comunicação com todas as alas – havia um relógio de pêndulo que batia uma vez nos quartos de hora, duas vezes na meia hora e repetia as duas fórmulas mais uma badalada para cada hora, para regular as atividades.

Hall e relógio de pêndulo. Fotos: Arquivo do Seminário de Filosofia - Arquidiocese de Campinas - e Arquivo ex-SIC.
Hall e relógio de pêndulo. Fotos: Arquivo do Seminário de Filosofia – Arquidiocese de Campinas – e Vídeos ex-SIC no youtube.

A última ala da construção eram os pátios de recreios, que rodeavam as quadras de futebol de salão, basquete e vôlei, cada um com seu conjunto de banheiros e lavatórios. Nos fundos ficavam os dois campos de futebol separados por uma longa e arborizada avenida com uma gruta no fundo. Tudo isso era fechado pelos quatro muros que tomavam todo um enorme quarteirão do bairro.

Havia belos jardins na frente e uma Capela na parte externa. No centro, estava a entrada com a Portaria e toda a ala da frente, destinada aos Superiores, Professores residentes, visitantes e para o Bispo. Tinha até uma grande sala de estar com biblioteca e tv. Ao lado direito era a entrada do Auditório, e o pequeno puxado anexo era a área para receber visitas. No centro da foto estava o claustro, com chafariz, tartarugas, peixes, plantas e até um pequeno jacaré. Atrás da Capela ficava a ala das Freiras com a clausura, que era o local onde elas moravam, a Cozinha, Copas, Lavanderias e na ponta final, os aposentos dos empregados.

Além da carteira de estudo, o dormitório era o único espaço privado. Cada aluno tinha uma cama e um criado-mudo. Havia na camerata um guarda-roupa comum, alto, para que pudessem ser guardadas as batinas. Malas e outros objetos de menor uso ficavam guardados no maleiro, que era um local à parte. Os dormitórios ficavam fechados até a hora do esporte e fechavam após o banho. Todos permaneciam vivendo coletivamente a maior parte do tempo, uns aprendendo com os outros – e também sempre à vista dos superiores.

Dormitórios e banheiros. Fotos: Arquivo do Seminário de Filosofia - Arquidiocese de Campinas.
Dormitórios e banheiros. Fotos: Arquivo do Seminário de Filosofia – Arquidiocese de Campinas.

Os banheiros ficavam enfileirados no fundo dos dormitórios, com chuveiro e pia, e tinham uma porta com duas folhas e um capacho para se limpar os pés. Logo na entrada, ficava uma enorme caixa para engraxar os sapatos todo sábado. No fundo havia uma porta onde ficava a rouparia; cada um tinha uma caixa, com um numero, em uma longa estante posicionada por toda a volta da sala, com roupas e pertences sobressalentes.

O auditório tinha capacidade para umas 200 pessoas, mais o “galinheiro”, e atrás ficava o camarim. Esse “galinheiro” era uma espécie de galeria que ficava na parte dos fundos do auditório, mas sem cadeiras – quando lotava a parte de baixo o pessoal ficava “empoleirado” lá em cima. Eram encenadas peças de teatro, esquetes, shows, musicais (também havia um piano) e eram exibidos filmes aos sábados a noite em uma tela grande de cinema.

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