Redescobrindo a História do Brasil

Veja alguns livros que, após décadas de pesquisa por centenas de historiadores, os resultados mostram detalhes e fatos que nos forçam a recontar as principais passagens da história do Brasil.

Todo brasileiro aprende na escola que o Brasil foi descoberto em 1500 por Pedro Álvares Cabral, depois teve a independência declarada por Dom Pedro I em 1822, depois a proclamação da República, ditaduras, e assim vão aparecendo a enumeração de vários fatos. Do jeito que são apresentados, parecem eventos pontuais e imediatos, sem um processo anterior nem consequências, só mais uma coisa pra decorar pra prova. Sempre se negligenciou o essencial propósito analítico-reflexivo quando se tenta entender e sentir, através do passado, nossa identidade e nosso tempo presente; como chegamos até e como não repetir os erros do passado.

Tudo em História tem todo um processo que leva a determinado fato, não acontece do nada. Inclusive existem momentos da história do país que não aconteceram exatamente da maneira que estão nos livros. Por exemplo: os bandeirantes possuem muitas vezes uma figura romantizada de um desbravador dos sertões, sempre representados bem vestidos devido às roupas utilizadas para seus retratos que constam até hoje dos livros escolares. No entanto, também foram escravizadores de índios e ficavam a maior parte do tempo suados e mal vestidos, o que era mais provável de se encontrar em alguém que vive andando no meio do mato.

Coleção Terra Brasilis – Eduardo Bueno

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Essa coleção escrita pelo jornalista Eduardo Bueno contém livros que falam do descobrimento e do início da colonização brasileira. Tudo é contado em ritmo de aventura, deixando a leitura bem fluida e informativa. Outro mérito do autor é o de destituir a história enquanto monumento, pois ao re-escrever a história inicial do país, resgata personagens que sempre foram considerados secundários ou até apagados pela historiografia tradicional.

* A Viagem do Descobrimento – A Verdadeira História da Expedição de Cabral

Conta a saga de homens que precisaram vencer seus limites na busca de um novo mundo, revelando muito da vida cotidiana a bordo das caravelas. Pedro Álvares Cabral tomou posse do Brasil em nome da Coroa lusa no ano de 1500. A viagem estava relacionada com as atividades comerciais do reino português, confirmando a hipótese de que o “descobrimento” das terras brasileiras não foi por acaso. Cabral já tinha a intenção de fazer uma escala em certas terras que os navegantes predecessores acreditavam que poderiam ser alcançadas.

“No instante que o escaler tocou o fundo arenoso, os nativos se aproximaram do bote, ‘todos rijamente, trazendo nas mãos arcos e setas. Nicolau Coelho fez sinal para que pousassem os arcos. E eles os pousaram’. E então, mesmo que não pudessem ouvir o que gritavam uns para os outros, portugueses e indígenas fizeram sua primeira troca.”

“No instante em que os navios içam as velas, Afonso Ribeiro e o outro degradado, deixados em terra, se puseram a chorar em tão altos brados ‘que até os selvagens se comoveram profundamente, também chorando junto a eles’, de acordo com a narrativa do cronista João de Barros.”

Nesses dois trechos, é narrado o primeiro contato entre índios e portugueses no Brasil e a partida dos portugueses, deixando alguns conterrâneos nas novas terras empossadas.

* Náufragos, Traficantes e Degredados – As Primeiras Expedições ao Brasil

Aborda detalhadamente o período de nossa história compreendido entre 1500 e 1531, um dos mais empolgantes, porém menos abordados e documentados. Mostra os primeiros brasileiros no comércio indiscriminado de pau-brasil e a exploração do Prata, dentre tantos outros. São relatados os que vieram parar nas praias brasileiras pelo acaso de um naufrágio, os que chegaram nas primeiras missões de exploração, os condenados ao degredo e os que simplesmente decidiram ficar no Brasil por livre e espontânea vontade. Vários deles casaram-se com as filhas dos principais chefes indígenas, exercendo importante papel na tribo e intermediando o comércio com as potências europeias.

Dentre as figuras-chave na ocupação e colonização do Brasil, estão o mitológico Caramuru, João Ramalho, o misterioso Bacharel de Cananéia, o grumete Francisco del Puerto (que viveu 14 anos entre os nativos do Prata e depois traiu os europeus) e o intrépido Aleixo Garcia, que em 1524 marchou de Santa Catarina, com um exército particular de dois mil índios, para atacar as cidades limítrofes do Império Inca.

* Capitães do Brasil: a saga dos primeiros colonizadores

Somente em 1534, Portugal decidiu dividir o vasto território localizado na margem oriental do Atlântico, até então virtualmente abandonado, em enormes lotes – as ‘capitanias hereditárias’. Foram agraciados com essas terras 12 capitães-donatários, a maior parte conquistadores que haviam lutado na Índia e na África.

O fracasso do projeto como um todo não impediu que o legado das capitanias hereditárias fosse duradouro: a estrutura fundiária do futuro país, a expansão da grande lavoura canavieira, a estrutura social excludente, o tráfico de escravos em larga escala, o massacre dos indígenas. Dentre os destinos dos “capitães do Brasil”, um deles morreu em naufrágio, outro devorado pelos Tupinambás e um terceiro foi enviado para a Inquisição.

* A coroa, a cruz e a espada: Lei, ordem e corrupção no Brasil

É apresentado um panorama impressionante da primeira tentativa de colonização do Brasil feita com dinheiro da própria Coroa portuguesa: o período da criação do Governo Geral. Com uma narrativa dinâmica e repleta de detalhes, o autor mergulha no cotidiano de uma sociedade marcada por diversas características que marcam o país até hoje.

Tudo começa efetivamente em março de 1549, na Bahia, com o desembarque de Tomé de Sousa. Acompanhado de dezenas de funcionários públicos – vindos, claro, em número bastante superior às exigências do serviço –, o governador-geral trouxe para os trópicos algumas das mais marcantes características da burocracia estatal ibérica: o clientelismo, a leniência o nepotismo, mazelas que, agravadas pela desigualdade, pelo absoluto desrespeito às leis e pela corrupção generalizada, continuam minando o desenvolvimento do Brasil 450 anos depois.

Nas palavras do autor, “nas sociedades ibéricas como um todo, o foco central da corrupção sempre esteve no Judiciário. Não é diferente no Brasil dos dias de hoje. Não se pode exigir que o Legislativo e o Executivo estejam livres da corrupção se o órgão encarregado de combatê-la em primeira instância não apenas não escapa dela, como, de certo modo, a promove”. O objetivo dos livros não é ideológico, e sim fazer com que os leitores cheguem às suas próprias conclusões a partir de dados e informações.

O Chalaça – José Roberto Torero

O romance contém as supostas memórias do conselheiro Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, fiel secretário particular de D. Pedro I, personagem que existiu de verdade e viveu os mais importantes fatos do nascente Império brasileiro. Torero recria brilhantemente – e com humor implacável – a vida deste que teria sido um dos mais importantes auxiliares de Pedro I, não só na política, como em seu dia-a-dia.

Os informes históricos dizem que tinha uma caligrafia excelente, dominava várias línguas, escrevia com correção, tinha o pensamento organizado, era um perfeito administrador e preparava discursos. Por outro lado tinha uma qualidade “imprescindível” para a corte: prestava serviços muito especiais para o Imperador e para o palácio, na promoção de festinhas e arranjo com belas mulheres.

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Nos trechos abaixo, Dom Pedro e sua comitiva voltam de Santos para São Paulo, declarando a independência do Brasil. Esse momento foi romantizado em várias obras, a começar pelo famoso quadro de Pedro Américo, “Independência ou morte“, de 1888.

“Até hoje me pergunto por que foi que realizamos aquela malfadada viagem à cidade de Santos. (…) tão logo raiou a manhã, constatou-se que metade da nossa comitiva padecia das desconfortáveis contrações e aguilhoadas intestinais, cujo resultado é a evacuação constante de uma matéria fecal mais líquida do que sólida.”

“Não contava o Príncipe, contudo, que com o trote forçado também o seu ventre quisesse se soltar, de modo que quando atingimos o alto de uma colina, próxima ao riacho do Ipiranga, ele próprio, eu e mais sete ou oito oficiais da comitiva tivemos forçosamente que apear e, com o trabalho da natureza, acalmar as revoluções das nossas vísceras.”

“Aconteceu, entretanto, que enquanto estávamos procedendo ao despejamento, chegou à colina o oficial da Corte, trazendo as cartas da Princesa e de José Bonifácio. (…) Por elas, D. Pedro estaria destituído do cargo de Príncipe Regente, perderia o poder de nomear ministro e ainda recebia ameaças”

“O Príncipe então montou em seu asno branco, desembainhou a espada e foi para o meio do agrupamento. (…) D. Pedro animou-se e deu outro grito, agora erguendo a espada em posição vertical: ‘Viva a independência e a separação do Brasil! (…) e gritou novamente ‘Independência ou morte!’ Em seguida todos gritaram o mote (…) O Príncipe encheu-se de contentamento diante daquela aclamação e continou a repetir o mesmo grito, e nós, obedientemente, fazíamos o eco e dávamos cutiladas no ar. Assim foi por uns dez minutos, até D. Pedro cansou, esporeou o animal e nós seguimos, a todo correr das mulas, até São Paulo.”

Realmente, nessa época era mais comum e prático utilizar mulas para subir a serra do Mar do que cavalos. E bem pitoresco o motivo da independência do Brasil ter sido declarada justamente às margens do rio Ipiranga. Próximo ao local, em 1895, foi inaugurado o museu de História Natural (atual Museu Paulista ou Museu do Ipiranga) e marco representativo da Independência.

Brasil: Nunca Mais – Dom Paulo Evaristo Arns

O projeto desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel, o pastor presbiteriano Jaime Wright e equipe foi realizado clandestinamente entre 1979 e 1985 durante o período final da ditadura militar no Brasil. Sistematizou informações de mais de um milhão de páginas contidas em 707 processos do Superior Tribunal Militar (STM) revelando a extensão da repressão política no Brasil cobrindo um período que vai de 1961 a 1979.

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“Os anos de 1962-4 foram marcados pelo rápido crescimento das lutas populares. (…) Os trabalhadores sindicalizados (…) tinham desenvolvido uma ampla capacidade de mobilização, com a incorporação de um número cada vez maior de sindicatos às lutas pró Reformas de Base propostas por Goulart. (…) Antes, porém, que todo esse clima de efervescência ameaçasse de verdade o poderio das elites alarmadas, o esquema golpista, agora estimulado abertamente pela CIA, a agência central de inteligencia dos Estados Unidos, lança-se aos preparativos finais para o desenlace.”

Os documentos tiveram papel fundamental na identificação e denúncia dos torturadores do regime militar e desvelaram as perseguições, os assassinatos, os desaparecimentos e as torturas; atos praticados nas delegacias, unidades militares e locais clandestinos mantidos pelo aparelho repressivo no Brasil.

“A bancária Inês Etienne Romeu, 29 anos, denunciou: A qualquer hora do dia ou da noite sofria agressões físicas e morais. ‘Márcio’ invadia minha cela para ‘examinar’ meu ânus e verificar se ‘Camarão’ havia praticado sodomia comigo. Este mesmo ‘Márcio’ obrigou-me a segurar seu pênis, enquanto se contorcia obscenamente. Durante este período fui estuprada duas vezes por ‘Camarão’ e era obrigada a limpar a cozinha completamente nua, ouvindo gracejos e obscenidade, os mais grosseiros.”

A versão digital do projeto pode ser consultada no link. Abaixo segue um vídeo bastante informativo e crítico sobre o período da ditadura no Brasil:

Outras fontes

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