Modelos matemáticos e equações antropológicas

Por Paulo Roberto Roggério

Ao leitor das notícias sobre a pandemia causada pelo coronavírus, além das orientações dadas pelas autoridades, que devem ser seguidas, são apresentadas informações sobre o desenvolvimento da enfermidade em todo o mundo, enriquecidas com estatísticas do número de pessoas contaminadas e das mortes causadas.

As informações matemáticas e estatísticas são de significativa importância para os especialistas da área da saúde, pois, com elas, podem estimar o crescimento do contágio na população estudada, comparar a evolução da doença no país com a evolução verificada em outros países, o tempo decorrido em cada fase da doença desde o contágio e, com isso, estimar o número de pessoas que contrairão a doença, em que tempo, e com isso prover os recursos necessários para o tratamento de todos.

As inferências estatísticas podem ser aprofundadas para os especialistas em saúde pública. Algumas delas, já disponíveis, registram que o número de mortes por faixa etária observa curva ascendente, com maior letalidade nas faixas etárias do topo. De relevo são outras constatações, além da aferição do contágio por idade, por sexo e das conhecidas relações com pacientes portadores de comorbidades. De outras avaliações possíveis pode se perquirir, por exemplo, a incidência de contágio entre os vários segmentos da população, para verificar se alguma característica particular impede ou dificulta o contágio, de modo a fornecer informações sobre o comportamento do vírus no organismo humano.

Das estatísticas disponíveis no noticiário, algumas são relevantes ao público em geral, em sentidos opostos. A primeira é a que relata os grandes números: iniciando pelo de casos suspeitos, porque alguns sintomas são comuns à síndrome causada pelo coronavírus e os de outras enfermidades; felizmente, é possível verificar que a grande maioria dos casos suspeitos é descartada. Na mesma direção são os casos de pessoas infectadas pelo vírus, mas que não desenvolvem as complicações graves da doença. E, depois, que dos casos que requerem internação hospitalar, nem todos evoluem para a forma mais grave, com necessidade de cuidados intensivos.

No sentido oposto, as estatísticas sugerem dois pontos de preocupação: é possível notar que esse vírus é de rápida e fácil transmissão, o que faz concluir que, durante o período assintomático da doença, a pessoa contaminada pode transmiti-lo a um número indeterminado de pessoas. Isso significa que a transmissão pode ocorrer em escala logarítmica, a depender do local e do agente transmissor, isto é, do número de pessoas com que tem contato. A razão do logaritmo será diferente em cada local e em cada grupo social.

A outra dedução possível é sobre o índice de letalidade, medida pelo número de mortes em relação ao número de pessoas contaminadas. Os índices requerem correção temporal, porque o número acumulado de mortes, em dado momento, se refere ao número de contaminados em momento anterior, e não ao momento atual. Na fase de progressão da epidemia, o quociente real de letalidade será superior ao da estatística, se considerados esses parâmetros.

Dessas premissas se conclui que, não havendo vacina para o coronavírus, nem tratamento possível nos casos mais graves, a medida mais eficaz, e talvez a única possível é a prevenção, mediante o isolamento social.

Tal significa que cada cidadão, individualmente considerado, deve evitar o contágio, pelo único meio que dispõe: evitando ao máximo o contato social e os ambientes de grande circulação de pessoas, as probabilidades de adquirir o vírus será muito menor. Quem não está contaminado não transmite o vírus a outros.

O isolamento voluntário é o instrumento mais potente que dispõem as pessoas em geral e o Poder Público para vencer a pandemia, mas não é possível prever quando ela terminará. A epidemia só termina quando a maioria dos indivíduos da população se torna imune, porque contraíram o vírus e seu sistema imunológico o venceu, mas a doença prossegue em outros indivíduos, porque o vírus não foi totalmente extirpado: a doença ainda existe, mas não na forma epidêmica [endemia].

O vírus será vencido finalmente quando descoberta a vacina ou medicamento eficiente para debelar a síndrome em qualquer de suas fases.

Gráfico elaborado pelo cientista Drew Harris e adaptado pelo biólogo Carl Bergstrom mostra como medidas de prevenção podem retardar o contágio da Covid-19 e evitar o colapso do sistema de saúde — Foto: Carl Bergstrom e Esther Kim/CC BY 2.0
Gráfico elaborado pelo cientista Drew Harris e adaptado pelo biólogo Carl Bergstrom mostra como medidas de prevenção podem retardar o contágio da Covid-19 e evitar o colapso do sistema de saúde — Foto: Carl Bergstrom e Esther Kim/CC BY 2.0

Em outras palavras, o isolamento voluntário é procedimento de saúde pública apoiado em preceito matemático: se não é possível reduzir a razão da progressão da doença, é possível, pelo menos, reduzir a base [população contaminada] sobre a qual o vírus se espalha.

Modelos matemáticos

Decerto que a matemática ou seus princípios encontra aplicação em todos os ramos do saber humano, também nas ciências humanas, como antes descrito. Em outros ramos, como na economia, os princípios matemáticos têm aplicação bastante frequente, com utilização de métodos estatísticos [econometria] na apreciação dos fenômenos pretéritos e na formulação de política econômica.

O uso de fórmulas matemáticas e informações estatísticas tem aplicação constante na economia, que por vezes e por isso é considerada uma ciência exata. A economia é uma ciência social, e o termo economia foi utilizado, pela primeira vez, por Xenofonte, discípulo de Sócrates, para definir oikos, ou lar, no sentido de unidade básica da sociedade, e nomos, no sentido de lei ou norma de organização. Nessa formulação original, oikos + nomos é a organização do lar [família e propriedade] em um sistema organizado.

O sentido original de economia, passando pelo evento considerado como fundação da ciência econômica: a publicação, em 1776, de Um estudo sobre a riqueza das nações, do também filósofo, o escocês Adam Smith, até os dias atuais, e assim como a existência do Estado instituído pela nação e pela sociedade por ela formada, será sempre o de organizar a sociedade e os grupos que a compõem, indivíduos isoladamente considerados e comunidades de qualquer natureza, quanto ao surgimento e atendimento das necessidades da sociedade.

De onde se conclui que o objetivo do Estado será sempre o ser humano, meio e fim da organização da nação em sociedade e da criação do Estado que a administra e harmoniza.

A humanidade, por vezes, se defronta com situações de extrema provação: as guerras e as catástrofes naturais e as causadas por ação do homem, desafiam a essência de humanidade que reside em cada um de nós, quanto ao cuidado próprio, das pessoas próximas que dependem de cada um, e do poder público em relação a cada célula da sociedade.

A existência de calamidades são previsíveis, mas não determináveis. As técnicas de elaboração de orçamento público preveem a chamada reserva de contingência, que vem a ser uma verba destinada atender as necessidades causadas por um evento súbito e violento. São previsíveis porque, no espaço de um ano, limite temporal do orçamento, podem ocorrer chuvas ou inundações, fenômenos climáticos, incêndios e outros infortúnios que requeiram a ação do poder público para afrontar a situação e atender a população que sofre os efeitos da calamidade. Não são determináveis, portanto, porque não se sabe o que pode ocorrer, e nas áreas sujeitas a determinados eventos cíclicos [como no Cinturão de Fogo do Pacífico] não é possível saber se o evento ocorrerá, de fato, nem quando.

As mesmas contingências ocorrem na vida de uma empresa ou de uma pessoa. São os problemas internos de uma empresa ou os causados por dificuldades sofridas por seus clientes, pela escassez de matéria prima, por problemas ligados ao crédito, e muitas outras. Para a pessoa natural: o desemprego, uma doença em família, um acidente e muitos outros, que requerem alocação de recursos que tenha em reserva, ou que precise obter, para tratar da emergência que se lhe apresenta.

No caso da pandemia causada pelo coronavírus, são todas as nações que sofrem com os efeitos da síndrome. E cada uma das nações a sente de modo diferente, a depender de como estão suas contas públicas, os recursos na área da saúde.

Para enfrentar a pandemia, cada um de nós deve contribuir, voluntariamente, em primeiro lugar ao evitar o contágio, para não transmitir o vírus a outros. O isolamento voluntário é o recurso que temos à disposição, de imediato.

Ocorre que esse vírus é extremamente contagioso, pois, em pouco tempo, atingiu todo o planeta e o número de contaminados cresce de forma exponencial.

O isolamento social causa a paralisação ou, na melhor hipótese, a redução substancial de quase todas as atividades econômicas, e esse fenômeno não tem prazo previsível para acabar. O isolamento tende a reduzir drasticamente, em um aspecto específico, a transmissão por contato social.

Assim, a paralisação das atividades econômicas é uma consequência inevitável.

Aqui se defrontam, a Nação e o Estado, com as consequências da paralisação, e a forma de atender os indivíduos que compõem a sociedade desta contingência extrema.

As pessoas, quando possível, devem permanecer em casa, ou reduzir sua exposição ao risco. E assim estão colaborando com a sociedade em geral e com o seu próximo, em particular. Na maior parte das vezes, os governos dos vários países impõem o isolamento, visando reduzir a velocidade de transmissão e o número de contagiados.

Essa situação extrema supera, em complexidade e urgência, as situações críticas causadas pela guerra e por catástrofes naturais. Enquanto a guerra se desenvolve por um período longo, no tempo, e as catástrofes naturais tem certa delimitação geográfica, essa pandemia não conhece fronteiras ou passaportes, sexo ou idade, religião ou cor partidária. Requer, assim, uma conjugação dos esforços de uma economia de guerra e do denodo com o qual se enfrenta uma catástrofe.

Medidas para os novos tempo

Devido às características da pandemia, quanto à velocidade de transmissão e ao crescente número de pessoas contaminadas, e a sua consequência natural, que é a redução da atividade econômica em geral, esses novos tempos requerem medidas conhecidas e outras novas.

Cada indivíduo é um agente econômico identificado. Não reage de forma matemática a cada evento, em modo previsível ou quantificável, mas antropologicamente, movido por suas necessidades totais, desde o anseio de preservação da vida ao atendimento de suas necessidades imediatas.

Nesse sentido, o interesse do Estado, sendo a soma dos interesses de todos nós, indica, sem qualquer cogitação, que é a preservação da vida que deve ser buscada, prioritariamente. O Estado conduz, ou induz, os esforços coletivos. E isso significa que o interesse de cada indivíduo constitui o interesse do Estado, de onde podemos inferir a essência da existência do Estado.

Não havendo dúvidas de que a prevenção do contágio do vírus e o provimento dos recursos materiais necessários à cura dos doentes é a prioridade número um do Estado, as demais esferas de atuação do Estado estarão submissas a este primado essencial.

Surgem, então, as medidas econômicas adotadas pelos vários países para a manutenção da economia, e principalmente, para atender as pessoas em suas necessidades imediatas, mesmo porque, devido ao isolamento, voluntário ou compulsório, não podem obter os recursos indispensáveis para atender suas necessidades imediatas.

São tempos novos porque a utilização da política econômica, nesse delicado quadrante pelo qual passa a humanidade inteira, requer engenho e arte [como diria Camões] para a máxima eficácia da ciência.

Cada indivíduo e cada empresa serão, e já estão sendo, atingidos diferentemente pelos efeitos econômicos decorrentes da pandemia. O pequeno comércio e o comércio ambulante, os empregados e os autônomos, os sub-empregados, o profissional liberal, o trabalhador “de casa”, já sofrem pela falta da renda necessária para as despesas cotidianas, imediatas. O desempregado e as pessoas sem nenhuma renda, que já sofrem por sua condição, terão sua vulnerabilidade aumentada, porque sobrevivem, na maior parte dos casos, graças à solidariedade do grupo familiar, também fragilizado e com menos recursos para a atenção solidária.

As empresas de grande porte também sofrerão os impactos. Ninguém está isento das consequências que se observam a cada momento. Não receberão de seus clientes, porque alguns deles não poderão pagar por absoluta impossibilidade.

Liquidez e assistência

As medidas adotadas até a presente data apontam na direção certa: a oferta de liquidez ao sistema e os estudos para pronta assistência social a todos que dela necessitem.

E, para que esses mecanismos sejam acionados, outros precisam, e devem, ser superados. Nesse momento especial da nossa história, algumas políticas e objetivos devem ser postergados: o teto de gastos, que impede ao poder público gastar acima do realizado no ano anterior, atualizado pela inflação; admitir o aumento do endividamento do setor público para atender as despesas emergenciais e até emitir papel moeda, se necessário.

O que deve ser atendido com recursos monetários compreende:

  1. Gastos com despesas de custeio e de investimento para as ações de saúde em razão da pandemia;
  2. Fornecer capital de giro às empresas de todos os setores, iniciando pelas micro, pequenas e de médio porte, para atender as necessidades imediatas de pagamento de salários e outras de natureza alimentar, e para o exercício da atividade econômica, ainda que parcial e
  3. Doar recursos assistenciais, em caráter emergencial, para as pessoas naturais atenderem suas necessidades imediatas de alimentação, saúde e habitação.

Certamente as soluções não são simples e exigem uma pletora de procedimentos e providências para que tudo isso seja possível. Para isso, deve o Poder Público utilizar, o quanto possível, os bancos oficiais para implementar tais medidas:

  1. Caixa Econômica Federal, preferencialmente para atender as pessoas naturais.
  2. Banco do Brasil S.A., no atendimento das atividades produtivas da agricultura, indústria, comércio e serviços.
  3. BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, nas atividades de fomento, especialmente no período pós-crise.

Não se descura que as instituições financeiras oficiais, complementadas, no que possível, pelas demais instituições financeiras, devem receber liquidez suficiente, principalmente para oferta de capital de giro. Naturalmente, as operações de capital de giro devem se revestir de características de longo prazo e custo reduzido, como o Brasil já operou, com sucesso, no passado e com vistas a um período desenvolvimentista. Tal é o exemplo que se colhe das linhas destinadas às operações de capital de giro para pequena e média empresa, a custo prefixado e longo prazo, à época conhecidas pelo número da instrução do Banco Central do Brasil que as regulamentou: Instrução nº 130.

O empréstimo de capital de giro a longo prazo e a juros reduzidos não se reveste, como no passado, do aspecto de subsídio, porque hoje, sendo a taxa Selic de 3,75% ao ano, sinalizando limite do custo de captação de recursos, permite o financiamento de capital de giro requerido para que a economia rode.

Para as pessoas naturais a urgência é evidente, e requer a prestação de assistência social pelo Estado. A assistência social emergencial pode ser complementada por outras medidas que não representam despesas novas: zerar a fila do INSS, que tem mais de 2 milhões de pessoas aguardando concessão de benefício, pode representar o fornecimento de renda mínima a dois milhões de família.

Para o período pós-crise, que a ninguém é dado conhecer exatamente no presente, será necessário um período como que de reconstrução, ou seja, de caráter nitidamente desenvolvimentista. O BNDES, sendo banco de fomento, terá muito a fazer.

Quanto ao período do pós-crise, convém assinalar, não se deve perder de vista que, para alguns, cessada a causa das dificuldades, cessa também a solidariedade e reaparece a avidez. Ao Poder Público, e ao Judiciário, em particular, caberá refrear os impulsos de avidez que ressurgirão no período pós crise. O que se tem a evitar, nesse caso, é a situação retratada por Sêneca, em Da Ira:

“Juízes de todas as partes do país se reúnem neste tribunal para decidir qual avidez é a menos injusta”.

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