A energia solar que incide sobre o topo da atmosfera (TOA) interage com uma camada de ar até atingir a superfície terrestre. Os conceitos e cálculos para obter o valor de irradiância no TOA podem ser vistos no post Irradiância solar no topo da atmosfera. A fração do fluxo incidente sobre um sistema que consegue atravessá-lo é chamada de transmitância. Assim, a irradiância que atinge a superfície após interagir com a atmosfera, desconsiderando-se as nuvens, é chamada de irradiância de céu claro (ou CSI, do inglês Clear Sky Irradiance).
A CSI é obtida pelo produto da irradiância no TOA pela transmitância. Mas como definir o seu valor? Existem vários modelos de transferência radiativa que permitem calcular o efeito da atmosfera na propagação da energia solar, obtendo assim a transmitância e a irradiância de céu claro. Alguns deles são mais simplificados, enquanto outros consideram fenômenos que devem ser considerados ou que podem ser negligenciados, conforme a escala de trabalho.
Considerando-se a energia solar total (integrada em todo o espectro de frequências), o método paramétrico permite calcular a energia radiante usando parâmetros atmosféricos especificados. Assim, é calculada a transmitância devido a cada constituinte atmosférico, cuja transmitância total é o produto de todas as transmitâncias parciais.
Modelo C -Iqbal
Dentre os vários modelos paramétricos disponíveis na literatura, Iqbal (1983) apresentou três modelos, denominados A, B e C. De acordo com suas análises, o modelo C é o mais acurado, apesar de não ficar muito distante dos outros dois. Ele é baseado nos estudos de Bird & Hulstrom (1981 a, b), em que as equações de transmitâncias dos componentes atmosféricos foram desenvolvidas após uma comparação detalhada de vários modelos de insolação direta.
Para o modelo C descrito em Iqbal (1983), são utilizados como dados de entrada:
- latitude
- longitude
- dia do ano
- horário (com precisão de minutos)
- pressão atmosférica (para o cálculo da massa óptica de ar e comprimento óptico relativo ao ozônio)
- temperatura do ar (para o cálculo de pressão parcial do vapor d’água)
- umidade relativa do ar (para o cálculo de água precipitável)
- visibilidade horizontal (para o cálculo de transmitância do aerossol)
- grandezas adimensionais: albedo de superfície e de dispersão simples (fração da energia incidente espalhados atenuação total pelos aerossóis), fração de dispersão direta para dispersão total
De posse desses valores, são calculadas as transmitâncias devidas ao ozônio, à mistura de outros gases, ao vapor d’água e aos aerossóis, assim como o albedo de céu claro e os fatores astronômicos. Finalmente, a irradiância horizontal global sob céu sem nuvens é calculada como a soma de seus componentes diretos e difusos.
Linke turbidity factor – Dumortier
Em WMO (1981), o cálculo da turbidez atmosférica é realizado a partir de um valor média à superfície do mar com correções em quatro estágios sucessivos: correção por altura, umidade, aerossóis e elevação do sol. Os valores obtidos individualmente são somados ao valor médio para obtenção do TL final.
O fator de turbidez total (“Linke turbidity factor“, TL) resume a turbidez da atmosfera e, portanto, a atenuação da radiação solar direta do feixe. Ele é definido com base somente no tempo e espaço – ou seja, não precisa da definição de todas aquelas variáveis ambientais. É uma aproximação muito conveniente para modelar a absorção atmosférica e a dispersão da radiação solar de céu claro. Descreve a espessura óptica da atmosfera devido à absorção pelo vapor de água e à absorção e dispersão pelas partículas do aerossol em relação a uma atmosfera seca e limpa.
O TL denota a transparência da atmosfera sem nuvens. Quanto maior o TL, maior a atenuação da radiação pela atmosfera do céu claro. Ele é maior ao nível do mar do que em áreas montanhosas. Apresenta um comportamento sazonal, pois depende da quantidade de radiação solar e é influenciado por outros fatores de funcionamento periódico. Também aumenta com o nível de atividades industriais realizadas localmente. Se o céu estivesse perfeitamente seco e limpo, o TL seria igual a 1. Quando o céu estiver azul profundo, o TL estará logo acima de 1 e ainda será muito pequeno. No verão, na Europa, o vapor d’água é geralmente grande e o céu azul fica quase branco. O TL é maior que 3. Em atmosfera turva, como em cidades poluídas, o TL está próximo de 6 – 7.
O modelo que descreve as variações de turbidez foi desenvolvido por Dumortier (1998), mas também pode ser visto em Rigollier et al (2000). A componente direta é definida em Page (1996) e depende da massa óptica relativa do ar, dada por Kasten and Young (1989), e da profundidade óptica em uma atmosfera Rayleigh (contendo apenas moléculas de ar seco), dada por Kasten (1996). A componente difusa é definida em Dumortier (1995). Ambas as componentes dependem do fator de turbidez total (total turbidity factor), que descreve a atenuação da radiação solar devido ao vapor de água e aerossóis na atmosfera.
Seus valores climatológicos mensais foram calculados para todos os pontos do globo (resolução de aproximadamente 10 km) e estão disponíveis em imagens TIF no site do SODA (Solar Irradiation Data).
Comparação
A rede SONDA (Sistema de Organização Nacional de Dados Ambientais) do CCST (Centro de Ciências do Sistema Terrestre)/INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) disponibiliza séries temporais de dados meteorológicos (como irradiância, temperatura, pressão e umidade) de vários anos e diferente pontos do Brasil. Foram usados os dados para a estação de Brasília, Petrolina e São Martinho da Serra, entre os anos de 2012 e 2018. Os modelos foram calculados a cada 5 minutos.
Calculando-se o coeficiente de determinação entre os modelos, são encontrados valores entre 0,97 e 0,99 pra todos os anos e lugares. Assim, nota-se que os modelos são fortemente compatíveis. Como o comportamento é semelhante, seguem apenas os gráficos com valores para Brasília em 2012.
![Comparação dos valores de irradiância de céu claro usando Iqbal (CSI_I) e Dumortier (CSI)](https://www.monolitonimbus.com.br/wp-content/uploads/2019/10/all_csi_ixcsi_BRB_2012.png)
Em Brasília, as diferenças são maiores para os meses de agosto e setembro, quando os valores obtidos por Drumortier são sistematicamente menores que os calculados por Iqbal. Nesse sentido, não são observados comportamentos sistemáticos nos outros lugares.
![Ciclo diurno com valores de irradiância de céu claro usando Iqbal e Dumortier](https://www.monolitonimbus.com.br/wp-content/uploads/2019/10/DxI_BRB_2012_example.png)
Os ciclos diurnos também apresentam comportamento semelhante entre todos os dias, anos e lugares. O exemplo a seguir refere-se ao dia 12 de janeiro de 2012 em Brasília. As maiores diferenças, que ainda são de poucas dezenas de W/m² no máximo, ocorrem em torno do meio-dia solar (Iqbal com valores menores), seguidas pelo pôr do sol e nascer do sol (Iqbal com valores maiores).
Ineichen & Perez
O trabalho de Ineichen & Perez (2002) propõem uma nova formulação para o coeficiente Linke turbidity com o objetivo de eliminar sua dependência da geometria solar. No processo, também desenvolvem dois novos modelos simples de céu claro para irradiância normal global e direta.
O coeficiente Linke turbidity tem a vantagem de ser amplamente utilizado desde 1922 (Linke, 1922) para quantificar esta informação, mas tem a desvantagem de ser dependente da massa de ar. O novo coeficiente inclui os efeitos dos aerossóis e do vapor de água. Esse modelo é implementado na biblioteca pvlib, sendo que um exemplo de uso está disponível no Github/ViniRoger – irradiance.
Fontes
- Bird R. and Hulstrom R. L. (1981 a), Direct insolation models, Transactions of the ASME Journal Solar Energy Engineering, 103, 182-192.
- Bird R. and Hulstrom R. L. (1981 b), A simplified clear sky model for direct and diffuse insolation on horizontal surfaces. Report SERI/TR-642-761, Solar Energy Research Institute, Golden, Colorado, U.S.A.
- Detailed Guide, Satel-Light. Disponível em: http://satellight.entpe.fr/guide/advirr.htm. Acesso em 23 de out. de 2019.
- Dumortier D. (1995), Mesure, analyse et modélisation du gisement lumineux. Application à l’évaluation des performances de l’éclairage naturel des bâtiments. Tese de doutorado, Université de Savoie, France, 350 pg.
- Dumortier D. (1998), The satellight model of turbidity variations in Europe. Ecole Nationale des Travaux Publics de l’Etat, Vaulx-en-Velin, France. Report for the sixth SATELLIGHT meeting in Freiburg, Germany, September 1998.
- Iqbal M. (1983), An introduction to Solar Radiation (New York: Academic Press), pp. 173-200.
- Kasten F. and Young A.T. (1989), Revised optical air mass tables and approximation formula. Applied Optics, 28, pp 4735-4738.
- Kasten F. (1996), The Linke turbidity factor based on improved values of the integral Rayleigh optical thickness. Solar Energy, 56, 3, pp 239-244.
- Linke F. (1922) Transmissions-Koeffizient und Trubungsfaktor. Beitr. Phys. fr. Atmos. 10, 91–103.
- Linke turbidity factor, SODA – Solar Irradiation Data. Disponível em: http://www.soda-pro.com/help/general-knowledge/linke-turbidity-factor. Acesso em 23 de out. de 2019.
- Page J. (1996), Algorithms for the Satellight programme, Technical Report for the second SATELLIGHT meeting in Bergen, Norway, June 1996.
- Pierre Ineichen, Richard Perez, A new airmass independent formulation for the Linke turbidity coefficient, Solar Energy, Volume 73, Issue 3, 2002, Pages 151-157, ISSN 0038-092X, https://doi.org/10.1016/S0038-092X(02)00045-2.
- WMO, 1981. Technical Note N° 172, WMO-No. 554, World Meteorological Organization, Geneva, Switzerland, pp. 121-123. Disponível em: https://library.wmo.int/index.php?lvl=notice_display&id=6311#.XbG3iHVKg5k. Acesso em 23 de out. de 2019.
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