Medo de avião, por quê?

por Maria Auxiliadora Roggério

    As pessoas podem sentir medo de viajar de avião por imaginarem consequências fatais, como um acidente. Sofrem antecipadamente por um perigo que, estatisticamente, é muito raro acontecer.

     Outras, sentem-se tão ansiosas diante de uma viagem aérea que apresentam reações físicas intensas variadas – juntas ou isoladas – não condizentes aos riscos reais. O coração dispara, a pulsação acelera, o estômago dói, a respiração fica ofegante, surgem tremores, falta de ar, dor de cabeça, náuseas, transpiração excessiva, dores musculares, desconforto abdominal; sentem-se fora de controle.

     Estas reações são respostas do Sistema Nervoso Autônomo (SNA) durante a ansiedade e surgem automaticamente, sem que possamos deliberar a respeito. Já, os pensamentos que ocorrem nesse momento estão sob o controle do indivíduo e são fundamentais para controlar a ansiedade.

     A ansiedade é um sentimento muito forte de que algo ruim está para acontecer. Apesar de desagradável, é um sentimento útil, pois nos adverte do perigo potencial tornando possível o enfrentamento, a fuga ou a esquiva. Entretanto, também pode nos desorganizar, tumultuar nossos comportamentos, comprometer nossa capacidade de realizações.

     O medo de viajar de avião pode relacionar-se com outros medos e angústias como, por exemplo, de espaços fechados (claustrofobia); de lugares elevados (acrofobia); de não conseguir fugir, se preciso; de não obter ajuda, caso tenha necessidade; de perder o controle.

     Medo e ansiedade são emoções que às vezes se confundem; estes termos são considerados sinônimos mas, enquanto se considera que o medo é sentido por algo que se pode identificar e por apresentar intensidade proporcional ao perigo (por exemplo, sentir muito medo de atravessar uma rodovia movimentada e pouco medo de atravessar uma rua com pouco trânsito), a ansiedade é carregada de componentes fisiológicos, tensão, sofrimento, sentimentos de antecipação de perigo e por apresentar intensidade relativamente maior que o perigo objetivo, real (por exemplo, sentir ansiedade ao esperar por um ônibus no ponto, sozinho, é muito maior do que os riscos reais). O que causa ansiedade nem sempre aparece com clareza.

     Tanto os perigos reais como os imaginários são fontes de ansiedade.

     Quando o medo de algo é desproporcional ou não se justifica, se determinada situação é sistematicamente evitada, se a ansiedade é demasiada em relação ao perigo real, fica caracterizada uma fobia. Quem tem uma fobia sente-se incapaz de controlar seus sentimentos e comportamentos diante do objeto ou situação fóbica apesar de saber que o medo ou ansiedade são exagerados. Quando se torna incapacitante e destrutiva gerando constrangimentos, causando prejuízos à rotina diária, à vida social/ocupacional/acadêmica e o sofrimento é clinicamente significativo, torna-se necessário buscar ajuda profissional para um olhar adequado.

     Digamos que o que impede uma pessoa de viajar de avião ou que provoque uma crise ansiosa durante o voo seja a turbulência. O avião balança causando desconforto tal como um carro trafegando por uma via esburacada. Nesse caso, saber o que é a turbulência, porque ocorre e como enfrentar esse momento podem ser informações úteis ao tratamento.

     O físico, mestre em Meteorologia e pesquisador no IAG-USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo) Vinícius Roggério da Rocha, em entrevista concedida à Revista Avião Revue (dez. 2012), esclarece que “A turbulência é causada por movimentações aleatórias no fluxo de ventos (…) quando acontece uma mudança na velocidade do vento, a sustentação também varia, o que pode fazer o avião balançar.” Os aviões dispõem de radares meteorológicos que preveem as turbulências: “Os pilotos podem desviar de áreas onde é provável ocorrer turbulências como, por exemplo, mudar o nível de voo ou revisar a rota. Quando a turbulência ocorre de maneira abrupta, não dá tempo da aeronave se adaptar e pode balançar um pouco.” Além disso, “Os aviões são planejados e fabricados para resistirem a um número maior de intempéries do que estatisticamente ocorrem, com estruturas flexíveis o suficiente para absorverem o impacto gerado pelas mudanças repentinas na sustentação da aeronave.” Se desejar minimizar os efeitos da turbulência, evite os assentos mais ao fundo, na cauda do avião e prefira sentar-se no meio, perto das asas, pois tal “como uma balança: se estiver no meio, mexe-se menos.”

     Este é um mero exemplo, ilustrativo, de como a informação pode contribuir para a mudança de comportamento, reestruturação do pensamento e coadjuvante na terapia cognitivo-comportamental.

     O tratamento fundamentado na Teoria Cognitivo-Comportamental objetiva controlar a ansiedade, modificar o comportamento desajustado e reestruturar o pensamento através de orientação psicológica e de técnicas como treinamento de relaxamento, respiração diafragmática, exposição gradual, enfrentamento, identificação e modificação de pensamentos automáticos e crenças disfuncionais, entre outros procedimentos.

     Como psicóloga com orientação psicanalítica, não estudo os sintomas isoladamente, porquanto busco compreender a pessoa de forma total, global, abrangendo a personalidade inteira (corpo-mente). Assim, considero os sintomas como manifestações de aspectos inconscientes e apenas uma parte da problemática.

     Segundo Freud (1997a), a emoção predominante nas fobias é sempre de angústia, de medo, fazendo parte, portanto, da neurose1 de angústia. Diferencia as fobias em fobias comuns (quando o medo excessivo é dirigido a coisas que todos temem de alguma forma em alguma medida como animais, doenças, perigos em geral, etc.) e fobias contingentes (em que certas situações inspiram medo irracional, mas não a todos, como, por exemplo, agorafobia e outras fobias de locomoção). Assinala, ainda, que as fobias podem coexistir combinadas a obsessões.

     Angústia é a ansiedade do neurótico que se manifesta por sensações muito dolorosas, de desprazer. O indivíduo não encontra respostas para seu sofrimento, não há um objeto para seu medo já que o perigo é interno, inconsciente; o medo é de irromper na consciência o que está reprimido. Nas fobias a angústia é ligada a um objeto. Fobias podem ser definidas pela existência de um objeto fóbico (animais, lugares, pessoas, etc.) e pelo medo que provocam no indivíduo. A repressão, a projeção e o deslocamento são os mecanismos de defesa encontrados na neurose fóbica. (QUILES, 1995).

     Em “Inibições, sintomas e ansiedade” (1926[1925]), Freud (1997b) ressalta que a angústia é a reação a um perigo e afirma que as fobias são sintomas que substituem a satisfação instintiva recalcada.

     O recalque, basicamente, consiste num processo de repelir ou ocultar no inconsciente algo ligado a algum desejo pulsional que não pode surgir no consciente e que, em outro momento, se apresenta sob a forma de sintomas, atos falhos, lapsos, sonhos, etc. (retorno do recalcado). O recalcamento leva ao desprazer e, ao mesmo tempo, é também defesa contra impulsos destrutivos ou amorosos inaceitáveis à consciência.

     A diferença entre as angústias do sujeito fóbico e do sujeito não fóbico está na intensidade. O fóbico sente-se desamparado, ameaçado e sem recursos para lidar com seu sofrimento. Busca no mundo externo o que lhe falta no mundo interno, na relação consigo mesmo. A psicoterapia oferecerá chances de elaboração emocional, possibilitando ao sujeito organizar seus pensamentos, nomear suas mais profundas emoções, sentir suas angústias diminuírem e realizar uma verdadeira transformação psíquica.

1Neurose: “afecção psicogênica em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico, que tem raízes na história infantil do sujeito, e constitui compromissos entre o desejo e a defesa.” (LAPLANCHE E PONTALIS, 2001, p.296).

Referências bibliográficas

BASTOS, S. Turbulência. Revista Avião Revue, São Paulo: Key Brasil, ano 13, nº 159, pp 80/81, dez. 2012.

FREUD, S. (1895[1894]) Obsessões e Fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia. In: Edição Eletrônica das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1997a, v. III.

_________(1926[1925])) Inibições, sintomas e ansiedades. In: Edição Eletrônica das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1997b, v. XX.

LAPLANCHE, J. E PONTALIS, J. -B. Vocabulário da Psicanálise/Laplanche e Pontalis, trad.: Pedro Tamem, 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

QUILES, Manuel Ignacio. Neuroses, 2ª ed. São Paulo: Ática, 1995.

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