Convecção na Amazônia Central – estudo de caso

A apresentação a seguir é baseada no que foi apresentado no exame de qualificação de doutorado no INPE. O objetivo desse exame é criar uma etapa que contribua para a formação do aluno sendo, portanto, relacionado com seu tema de pesquisa e que trate do conhecimento bibliográfico já publicado. O tema do exame deve embasar a proposta de tese do aluno.

O texto escrito na sequência é parte da monografia que foi entregue à banca de avaliação do exame de qualificação. Ele compreende a parte de um estudo de caso da convecção na Amazônia Central utilizando séries temporais de dados coletados de diversos instrumentos durante campanha científica na região. A introdução teórica e mais informações deverão constar da tese, que será compartilhada aqui futuramente – se Deus quiser :).

Para esse estudo de caso, foram usado dados coletados durante a campanha experimental Observações e Modelagem Green Ocean Amazon (GoAmazon) nos anos de 2014 e 2015 na região Central da Amazônia (Bateman e Martin, 2016). A estação de pesquisa utilizada (T3 – latitude -3.21 longitude -60.6) estava localizada em uma área de pastagem cercada por mata nativa com cerca de 35 m de altura do dossel, ao norte da área urbana do município de Manacapuru/AM e ao sul da margem esquerda do rio Solimões (Martin et al., 2016). Os instrumentos instalados tinham como objetivo obter medidas relacionadas ao ciclo hidrológico, fluxos de energia na CLA (Camada Limite Atmosférica) e outras variáveis, sendo que as observações estão disponíveis no site da ARM – Climate Research Facility.

Vista do T3, em Manacapuru (Image courtesy of the U.S. Department of Energy Atmospheric Radiation Measurement (ARM) user facility)
Vista do T3, em Manacapuru (Image courtesy of the U.S. Department of Energy Atmospheric Radiation Measurement (ARM) user facility)

Foram selecionados dois dias próximos em que o crescimento da CLA evidenciou um evento de convecção profunda (03/10/2014) e outro de convecção rasa (05/10/2014) em simulações realizadas por um modelo LES (“Large Eddy Simulation”) do fluxo de calorsensível em função da altura (figura 6). Para fazer uma análise observacional nessas datas, foram escolhidos os equipamentos e respectivas variáveis atmosféricas listados a seguir.

Para os dias analisados, não estão disponíveis os dados do perfilador de radiômetro de micro-ondas (MWRP), que fornece perfis verticais de temperatura, umidade e teor de água líquida da nuvem em função da altura (permitindo o cálculo de CAPE, por exemplo) mas foram lançadas radiossondas em diferentes horários ao longo dos dias. O valores de CAPE e de CINE foram calculados através do pacote “metpy”, disponível em python.

Fluxos de superfície – ECOR

O sistema de medição de correlação de fluxo turbulento (ECOR) fornece medições a cada 30 minutos dos fluxos turbulentos da superfície de momento, calor sensível, calor latente e dióxido de carbono. O ECOR utiliza a técnica de covariância turbulenta, queenvolve a correlação da componente vertical do vento com a componente horizontal do vento, temperatura do ar, densidade do vapor d’água e densidade do CO2 (Sullivan et al., 1997). O sistema inclui:

  • Um sensor de vento 3D de resposta rápida (anemômetro sônico) para registrar os componentes ortogonais do vento e a velocidade do som (SOS), que é usado para derivar a temperatura do ar;
  • Um analisador de gás infravermelho de caminho aberto (IRGA) para obter a densidade do vapor de água e a densidade do CO2.

Os sistemas ECOR são implantados onde outros métodos para medir fluxos de superfície, como sistemas de balanço de energia Bowen ratio (EBBR), são difíceis de usar.

Comparando-se as séries temporais de calor sensível entre as datas analisadas (figuras 7 e 8), o dia 3 atinge valores máximos por volta de 150 W.m-2 (entre 15 e 18 UTC), enquanto no dia 5 os valores estão ao redor de 100 W.m-2. Observando-se as razões de mistura para os dois dias (figuras 9 e 10), a noite anterior ao evento de convecção profunda (dia 3) teve umidade um pouco maior do que a outra data. Com relação aos valores de velocidade vertical média (figuras 11 e 12), nota-se um pico (inclusive com um valor positivo) para o dia 3 ao redor das 18 UTC de ar ascendente. A dispersão da velocidade horizontal (figuras 13 e 14) é um indicativo de turbulência atmosférica. Um aumento pode ser observado com o avanço da tarde e redução com a chegada da noite em ambas as datas.

Ceilômetro – CEIL

O ceilômetro (CEIL, Vaisala Laser Ceilometer) é um instrumento de sensoriamento remoto que mede a altura das nuvens, a visibilidade vertical e os potenciais sinais de retroespalhamento por aerossóis. Ele detecta até três camadas de nuvens simultaneamente. Operando em um alcance vertical máximo de 7.700 m, ele transmite pulsos de luz no infravermelho próximo e o receptor detecta a luz espalhada por nuvens e precipitação (Morris, Zhang e Ermold, 1996).

Nas figuras 15 e 16, nota-se que a altura da CLA é maior no período da tarde quando ocorre a convecção profunda (03/10) do que no mesmo período do dia da convecção rasa (05/10). Nas figuras 17 (sem dados para o período anterior às 8 UTC) e 18, é possível observar que a altura da base da nuvem atinge valores mais altos no dia 3 do que no dia 4 para o período entre o fim da tarde e começo da noite.

Instrumentação Meteorológica de Superfície – MET

Os Sistemas de Meteorologia de Superfície ARM (MET) usam principalmente sensores in situ convencionais para obter dados a cada 1 minuto da velocidade do vento na superfície, direção do vento, temperatura do ar, umidade relativa, pressão barométrica e taxa de chuva (Kyrouac e Shi, 2021).

Nas figuras 19 e 20, é possível observar que os valores de temperatura e de umidade seguem o ciclo diurno em ambos os dias. Observando-se a diferença entre os valores de precipitação acumulada, nota-se que houve uma variação de 46 para 73 mm entre as duas datas, ou seja, uma precipitação de 27 mm no dia 4 de outubro. A umidade no início do dia 3 é ligeiramente maior em média que o mesmo horário do dia 5.

Radiação atmosférica – MFRSR

O radiômetro de banda de sombra rotativa multifiltro visível (MFRSR, Yankee Environmental Systems Inc.) é um instrumento passivo que mede componentes globais e difusos da irradiância solar em seis canais de banda estreita e um canal aberto ou de banda larga. A irradiância direta não é uma medida primária, mas é calculada usando medidas difusas e globais.

Para coletar um registro de dados, o MFRSR faz medições em quatro posições diferentes da banda de sombra. A primeira medição é feita com a faixa de sombra na posição nadir (inicial). As próximas três medições são, em ordem, a primeira faixa lateral, bloqueado pelo sol e a segunda faixa lateral. As medições da faixa lateral são usadas para corrigir a porção do céu obscurecida pela faixa de sombra. Os comprimentos de onda nominais dos canais de banda estreita são 415, 500, 615, 673, 870 e 940 nm.

A partir de tais medições, a profundidade óptica do aerossol da atmosfera em cada comprimento de onda pode ser inferida. Por sua vez, essas profundidades ópticas podem ser usadas para obter informações sobre as abundâncias da coluna de ozônio e vapor d’água, bem como aerossóis e outros constituintes atmosféricos (Hodges, 1990).

Nas figuras 21 e 22, é possível observar o ciclo diurno de irradiância afetado pela presença das nuvens. No dia 5, nota-se valores maiores de irradiância direta ocorrendo em horários mais cedo e mais tarde quando comparado com a série do dia 3, além de uma maior variabilidade.

Fração de cobertura de nuvens – TSI

O instrumento utilizado é o “Total Sky Imager”(TSI, Yankee Environmental Systems Inc.). As imagens do céu são capturadas por meio de uma câmera CCD de estado sólido que olha para baixo em um espelho hemisférico aquecido. O espelho cria imagens do hemisfério sobre o sistema na lente e possui uma faixa de sombra guiada por efemérides solares para bloquear a intensa radiação direta normal do sol.

O programa de processamento de imagem executado em um PC captura imagens via TCP/IP em uma taxa de amostragem definida pelo usuário (o ARM salva a cada 30 segundos) e as salva em arquivos JPEG para análise. O software de análise primeiro mascara obstruções conhecidas, como a câmera, seu braço e a faixa de sombra que bloqueia o sol. Em seguida, a imagem é analisada para estimar a fração de cobertura de nuvens (CF) e duração do sol, ambas armazenadas como arquivos NetCDF. A CF é determinada por um algoritmo que examina as relações de cores dos pixels restantes da imagem para inferir se o pixel representa um céu claro ou uma nuvem fina ou opaca. Além disso, o diferencial de brilho ao longo da faixa de bloqueio do sol é analisado para inferir se o sol está bloqueado por nuvens (“opaque”) ou não (“thin”) (Morris, 2000).

Nas figuras 23 e 24, nota-se uma diferença inicial na parte da manhã entre os padrões de nuvens: o dia 5 começou com um total de cobertura de nuvens maior, talvez por influência do aumento de umidade gerado pela chuva do dia anterior. Outra diferença que é possível observar está após a metade do período da tarde. O dia 3 tem um aumento da fração de cobertura de nuvens, inicialmente nuvens finas e depois opacas, enquanto que o dia 5 apresenta uma redução da nebulosidade total a valores menores que 30%.

Radiossondagens – SONDE

O sistema de sondagem a bordo de balão (SONDE) fornece perfis verticais do estado termodinâmico da atmosfera e da velocidade e direção do vento. Foram efetuados lançamentos em cinco horário diferentes: 05:30, 11:30, 14:30, 17:30 e 23:30 (UTC) (Coulter, Kyrouac e Holdridge, 1994).

Observando-se a direção do vento em diferentes níveis nos dias 3 e 5 (figuras 25 e 26, respectivamente), nota-se um predomínio de circulação de leste – exceto acima de 200 hPa no dia 5. Nas sondagens do dia 3, é possível observar uma camada de ar mais seco entre os níveis de 500 e 400 hPa e que perde intensidade ao longo do dia, não aparecendo no dia 5. Com relação aos índices de instabilidade termodinâmica (figuras 27 e 28), existe um aumento de CAPE ao longo do dia e um pouco CINE no período noturno nas duas datas. O dia com convecção profunda já começou com um valor moderado de CAPE, diferentemente do dia com convecção rasa que tinha CAPE pequeno além do CINE grande. A segunda medida de CAPE do dia de convecção profunda também foi maior, sendo que o dia de convecção rasa teve valores maiores de CAPE maiores porém mais tarde que o dia 3.

Conclusões

As duas datas analisadas (3 e 5 de outubro de 2014) aconteceram em um ano típico em termos de ENSO e durante o mês de transição da estação seca para a úmida na região da Amazônia Central. No dia com simulação indicando convecção profunda (03/10/2014), o início da formação da CLA diurna ocorreu mais cedo e atingiu valores maiores de calor latente sensível a tarde, se comparado com o dia de convecção rasa (05/10/2014). O dia 3 também apresenta maiores valores de umidade relativa do ar e de razão de mistura para a noite e início de manhã antecedente ao evento diurno de convecção. Por volta das 18 UTC dessa mesma data, foi registrado um pico de velocidade vertical ascendente e um máximo local de fração de cobertura de nuvem total. Essas análises seguem os resultados publicados na literatura revisada em tópicos anteriores deste trabalho.

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