O filme “Weathering With You” (“Tenki no Ko” ou “O tempo com você”), dirigido por Makoto Shinkai, é uma obra-prima do cinema de animação japonesa que mistura romance, fantasia e uma reflexão poética sobre o impacto humano na natureza. Lançado em 2019, o filme rapidamente conquistou o público mundial, consolidando Shinkai como um dos grandes mestres da animação contemporânea, após o sucesso de “Your Name” (“Kimi no Na wa”). Como o próprio nome do filme insinua, tem muita Meteorologia se meclando à história, com uma visão única de fantasia usando conceitos dessa ciência.
A história segue Hodaka Morishima, um jovem que foge de sua cidade natal para a vibrante Tóquio, em busca de independência e significado. Lá, ele encontra Hina Amano, uma garota com a misteriosa habilidade de controlar o clima, capaz de dissipar a chuva e trazer o sol com uma simples prece. Em meio a uma Tóquio constantemente nublada e chuvosa, eles embarcam em um romance tocante, enquanto exploram os limites de seus poderes e as consequências de brincar com as forças naturais.
Além de seu encantador romance adolescente, “Weathering With You” aborda temas profundos, como a conexão entre os humanos e a natureza, o custo das escolhas pessoais e o impacto ambiental. O filme não se limita a criticar, mas também questiona até que ponto o ser humano pode intervir no equilíbrio natural para atender às suas necessidades emocionais e práticas.

Em “Weathering With You”, os fenômenos meteorológicos são representados como uma extensão das emoções humanas e da conexão espiritual entre as pessoas e a natureza. A constante chuva que cai sobre Tóquio serve como um pano de fundo simbólico para sentimentos de melancolia, incerteza e isolamento. É nesse cenário que Hina Amano surge como uma figura quase mística, capaz de dissipar as nuvens e trazer o sol – um ato que não só ilumina fisicamente a região onde está, mas também eleva o ânimo das pessoas ao seu redor.
Inicialmente, Hina usa seus poderes de forma espontânea e pessoal, trazendo luz e calor para momentos específicos – as gotas de chuva pram de cair e começam a subir. Contudo, à medida que suas habilidades se tornam conhecidas, ela começa a atender aos pedidos de outras pessoas, trazendo o sol para eventos e ocasiões importantes. Esse esforço, embora altruísta, cobra um preço: cada vez que Hina manipula o clima, ela se torna mais frágil, sugerindo que suas ações desequilibram não apenas o ambiente natural, mas também seu próprio corpo e espírito. Essa deterioração culmina em seu desaparecimento, quando ela “se apaga” e é transportada para o topo de uma gigantesca nuvem cumulonimbus.
A simbologia desse fenômeno é profunda. A cumulonimbus – uma nuvem de tempestade associada a mudanças climáticas intensas – é apresentada como um limiar entre o mundo humano e o divino. No topo dessa nuvem, Hina encontra um campo verdejante, onde animais flutuam como pequenas águas-vivas. Esse espaço onírico reflete a ideia de equilíbrio natural, um lugar onde a energia do céu e da terra se harmoniza. O movimento reverso das gotas de chuva, subindo ao invés de cair, representa uma inversão das forças naturais, destacando o impacto das intervenções humanas no equilíbrio climático.
A relação entre a chuva e o sol no filme também carrega um significado emocional. Enquanto a chuva contínua simboliza tristeza, estagnação e a incapacidade de seguir em frente, o sol representa alegria, vitalidade e a esperança de novos começos. No entanto, Weathering With You subverte a simplicidade dessa dicotomia ao mostrar que ambos são necessários para manter o equilíbrio. Quando Hina desaparece, interrompendo a manipulação climática, a chuva finalmente cessa, mas isso não significa um retorno à normalidade; é um lembrete de que cada escolha tem consequências, tanto para os indivíduos quanto para o ambiente ao redor.
O sacrifício de Hina e sua jornada ao topo da cumulonimbus destacam a interdependência entre humanos e a natureza. Ela é simultaneamente uma vítima e uma guardiã desse equilíbrio, e seu retorno à vida terrestre no final do filme sugere que o verdadeiro equilíbrio só pode ser alcançado quando há uma aceitação mútua entre o desejo humano e os ritmos naturais. A beleza do filme está na forma como ele transforma fenômenos meteorológicos comuns em metáforas profundas sobre o custo do desejo humano e a necessidade de coexistir com as forças que moldam nosso mundo.

O desfecho de Weathering With You subverte a ideia convencional de sacrifício heróico em prol do “bem maior” ao priorizar o amor e o desejo humano acima do equilíbrio natural ou das convenções sociais. Quando Hodaka atravessa o portal (torii) no topo do prédio abandonado para resgatar Hina, ele desafia tanto as leis da natureza quanto as normas culturais que muitas vezes pedem que indivíduos coloquem o coletivo acima de si mesmos. Sua jornada para o topo da cumulonimbus, onde a garota está presa, simboliza sua determinação em recuperar aquilo que considera mais importante, mesmo que isso custe a volta da chuva e o consequente alagamento de Tóquio.
O portal torii, tradicionalmente associado a passagens para o sagrado no xintoísmo, enfatiza a natureza espiritual da travessia de Hodaka. Ao cruzá-lo, ele entra em um domínio que transcende o mundo físico, onde o equilíbrio natural parece ter sido perturbado pela intervenção humana. A cumulonimbus, com seu cenário surreal e etéreo, funciona como uma metáfora do espaço onde a luta entre emoção e razão se desenrola. Resgatar Hina significa aceitar as consequências de priorizar sentimentos pessoais sobre um equilíbrio maior, mas também desafiar a noção de que o destino é imutável.
Após o retorno de Hina ao mundo humano, a chuva não só volta, mas se torna incessante, alagando toda Tóquio ao longo dos anos seguintes. Essa mudança no cenário urbano reflete a magnitude da escolha de Hodaka, mostrando como o mundo foi transformado por sua decisão. A cidade alagada torna-se um símbolo do preço pago pelo desejo humano de desafiar as forças da natureza. No entanto, ao invés de tratar isso como um evento catastrófico, o filme apresenta a Tóquio inundada como um lugar onde a vida persiste e as pessoas se adaptam, sugerindo que a humanidade tem uma incrível capacidade de resiliência e coexistência com mudanças inevitáveis.
O reencontro de Hodaka e Hina alguns anos depois, em uma Tóquio transformada, encerra o filme com um tom otimista e melancólico. A chuva contínua, que antes simbolizava tristeza, agora se torna um aspecto natural do novo mundo que ambos ajudaram a criar. Essa escolha narrativa reforça a ideia de que a busca pela felicidade pessoal e pela conexão humana pode ter implicações profundas e irreversíveis, mas que essas consequências não precisam ser vistas como derrotas. O amor entre os protagonistas, apesar de tudo, floresce em meio ao caos, afirmando que a busca pela felicidade individual também tem valor em um mundo onde tudo está em constante transformação.