Surrealismo e nuvens

O surrealismo é um movimento artístico e literário que surgiu na Europa, principalmente na França, durante os anos 1920. Ele se caracteriza pela expressão do pensamento e da imaginação sem a lógica e a razão que regem o mundo real, buscando expressar a realidade interior do artista.

Os artistas surrealistas buscavam explorar o mundo dos sonhos, da fantasia, do subconsciente e do irracional, a fim de criar obras que fossem além da razão e das convenções sociais. Eles também se engajaram em atividades políticas e sociais, com o objetivo de transformar a sociedade e as estruturas que reprimiam a liberdade humana. Entre os principais nomes do surrealismo estão Salvador Dalí, René Magritte, Max Ernst, André Breton e Luis Buñuel.

Depois da água, as nuvens, René Magritte (1926)
Depois da água, as nuvens, René Magritte (1926)

No movimento surrealista, as nuvens frequentemente assumem um papel simbólico de ambiguidade e transformação. Elas representam um estado de fluxo, de mudança constante, uma imprecisão que permite a coexistência de várias realidades possíveis.

As nuvens no surrealismo são frequentemente retratadas de maneira irreal ou fantástica, como nuvens que parecem sólidas e pesadas, ou nuvens com formatos incomuns e surreais. Elas também são muitas vezes usadas para criar um senso de atmosfera onírica e misteriosa.

Em algumas obras surrealistas, as nuvens podem representar uma forma de liberdade, um convite para explorar o desconhecido e o inconsciente. Em outras, elas podem ser um símbolo de opressão, representando a força da natureza ou a sensação de estar preso em uma realidade opressiva e insuperável.

Em suma, as nuvens no surrealismo podem ser vistas como um símbolo da incerteza, do desconhecido e da transformação constante, evocando emoções e sentimentos complexos que refletem a natureza do movimento surrealista em si.

Sequência de duas cenas do filme Um Cão Andaluz (1929)
Sequência de duas cenas do filme Um Cão Andaluz (1929)

“Um Cão Andaluz” é o filme surrealista lançado em 1929 por Luis Buñuel e Salvador Dalí. Buñuel e Dalí tiveram a inspiração para a criação do curta-metragem em seus sonhos. Buñuel relatou ter sonhado com uma nuvem que cortava a lua como uma lâmina cortando um olho, enquanto Dalí sonhou com formigas saindo de suas mãos. Eles se uniram e conseguiram dinheiro emprestado da família de Buñuel para realizar o projeto.

O filme resultante desafiou os padrões cinematográficos da época e não possuía um significado claro. De acordo com o Manifesto Surrealista, a criação de enunciados deve envolver uma distância entre seus significados. O curta-metragem expressava o inconsciente de maneira crua e impossibilitava qualquer interpretação objetiva.

A Vitória, René Magritte (1939)
A Vitória, René Magritte (1939)

Nas pinturas, os surrealistas também abusaram de nuvens em diversas obras. Em uma dos quadros de René Magritte, “A Vitória”, ele evocou a estranheza e ambiguidade latentes na realidade. Uma porta se fundindo à paisagem parece querer sumir, mas uma nuvem consegue atravessá-la por estar aberta. Outra ambiguidade ocorrem em “O Império da Luz”. Nele, percebe-se que o anoitecer caiu na metade inferior da imagem, com um poste brilhando pacificamente. Acima, nuvens brancas pairam sob um céu azul de um belo dia.

A Queda, René Magritte
A Queda, René Magritte

Na pintura “A Queda”, René Magritte apresenta os homens de chapéu-coco, famosos em suas telas, caindo do céu, como uma chuva. Considerada uma das mais conhecidas do pintor, e revela o espírito jocoso de pintura surrealista. Um paradoxo os homens caírem do céu com uma expressão absolutamente serena de quem não se abala com a improbabilidade do fato. Outro quadro que remete a nuvens e chuva é “Depois da água, as nuvens” (1926) – inversão lógica desde o título da obra.

O falso espelho, René Magritte (1929)
O falso espelho, René Magritte (1929)

O quadro “O falso espelho” mostra que ele não é um espelho que se limita a reproduzir as aparências – ou seja, um espelho da realidade. É preciso ir além daquilo que se esconde. Nele, o olho humano está superdimensionado e, ao invés de proporcionar uma visão do que está por dentro da alma do homem, reflete o que está fora: um céu com nuvens. Outro exemplo de visões opostas ou extremas.

Outro quadro que trabalha com essa questão de visões opostas é “Grelots roses, ciels en lambeaux” (1930), exposto no Museo Reina Sofia (Madri). Magritte inclui as nuvens juntamente com outro de seus motivos preferidos: os sinos/guizos (grelots), que evocam a infância do pintor. Nessa pintura, eles flutuam no ar ocupando metade do quadro, desprovidos de seu peso, função e escala habituais, conferindo-lhes uma aparência irreal e onírica. A técnica precisa, quase fotográfica, contribui para congelar a imagem no tempo e espaço. A outra metade da cena é ocupada por um céu repleto de esponjosas formações de nuvens, que contrastam com a majestosa rotundidade do espaço preenchido pelos sinos esféricos. A diferença cromática – azul intenso para o fundo nuboso e salmão elétrico para o espaço dos sinos – contribui para a sensação geral de desconcerto e inquietude que emana da obra, característica das mais bem-sucedidas visões surrealistas.

A Couple with Their Heads Full of Clouds, Salvador Dalí (1936)
A Couple with Their Heads Full of Clouds, Salvador Dalí (1936)

Em 1936, Dalí pintou “Man with His Head Full of Clouds” e “A Couple with Their Heads Full of Clouds”, que lembram muito esse quadro de René Magritte. Essas e outras pinturas do artista podem ser vistas no site Salvador Dalí Art Gallery.

Average Atmospherocephalic Bureaucrat in the Act of Milking a Cranial Harp, Salvador Dalí (1933)
Average Atmospherocephalic Bureaucrat in the Act of Milking a Cranial Harp, Salvador Dalí (1933)

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