Pensando rápido e devagar

O livro “Rápido e Devagar – Duas Formas de Pensar” (Thinking, Fast and Slow) é um best-seller publicado em 2011 pelo psicólogo/economista israelense Daniel Kahneman (1934-), ganhador do prêmio nobel de Economia de 2002. Na obra, o autor resume as pesquisas que realizou ao longo de décadas, muitas vezes em colaboração com Amos Tversky (1937-1996), outra figura chave em teorias que explicam as escolhas irracionais humanas, como o enviesamento humano sistemático e a gestão do risco.

Os dois sistemas

São abordados vários tópicos interessantes relacionados à forma que as pessoas pensam frente a problemas econômicos – alguns deles são discutidos nessas resenhas de Arthur Lamblet Vaz e de Anderson Dias. Uma das bases do livro é a divisão dos pensamentos entre dois sistemas:

  • Sistema 1 – opera de modo automático e rápido, com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle voluntário
  • Sistema 2 – dedicado a atividades mentais trabalhosas que exigem concentração, o que inclui cálculos complexos e escolha

Devido ao grande gasto de energia que exige o Sistema 2, nossa natureza tende a usá-lo somente para ocasiões de extrema importância. Para nossa sobrevivência, realmente é mais interessante usar um sistema rápido de decisões para boa parte das tarefas do dia a dia através do Sistema 1. No entanto, estender seu uso mais prático para decisões que realmente exijam mais atenção pode levar grandes problemas. Em muitos casos, somos completamente influenciados pelo Sistema 1 sem percebermos.

Por exemplo, ao comprar diferentes modelos de carros, as pessoas pensam que estão sendo objetivas ao encontrar o melhor para si. No entanto, existem várias experiências de vida que podem dar um viés passional às escolhas, ignorando valores racionais. Um meme na internet sobre um modelo pode influenciar na escolha, mesmo que a pessoa não lembre dele na hora da compra.

“Como você sabe se uma afirmação é verdadeira? Se ela está ligada fortemente por lógica ou associação a outras crenças ou preferências que você possui, ou vem de uma fonte em que você confia e de que gosta, você vai ter uma sensação de conforto cognitivo.”

Na maioria das situações, o Sistema 2 acaba adotando as sugestões do Sistema 1, economizando energia. No entanto, e se uma ou mais dessas premissas usadas pelo Sistema 1 forem falsas? Nesse caso, a afirmação também será falsa. Assim, para ser uma pessoa crítica, é necessário chamar as análises mais custosas do Sistema 2. Mas sair do conforto cognitivo é um preço a pagar para evitar análises erradas.

O messianismo é, em termos restritos, a crença na vinda (ou retorno) de um enviado divino libertador, com poderes e atribuições que aplicará ao cumprimento da causa de um povo ou um grupo oprimido. Em muitos aspectos sociais, é comum optar por esse caminho para resolução de problemas por apresentar um menor gasto energético. Evitar um monte de análises do Sistema 2 está alinhado ao conforto cognitivo em alinhar as expectativas em uma só solução de tudo.

Eventos raros também são um desafio entre usar os dois sistemas. O terrorismo fornece imagens de morte e destruição, reforçadas constantemente pela mídia e pelas conversas frequentes. O Sistema 2 pode “saber” que a probabilidade é baixa, mas esse conhecimento não elimina o desconforto criado por você mesmo e o desejo de evitá-lo. O Sistema 1 não pode ser desligado. Assim, a probabilidade real não faz diferença; só a possibilidade importa.

Como bloquear erros originados no Sistema 1?

“Procure reconhecer os sinais de que você está pisando em um campo minado cognitivo, reduza a velocidade e peça apoio do Sistema 2. (…) Qualquer um gostaria de ter um sinal de alarme que tocasse audivelmente sempre que estivéssemos prestes a cometer um erro grave, mas um sinal como este não está disponível, e ilusões cognitivas são geralmente mais difíceis de reconhecer do que ilusões perceptivas. A voz da razão talvez seja muito mais fraca do que a voz em alto e bom som de uma intuição equivocada, e questionar intuições é desagradável quando você enfrenta o estresse de uma decisão importante.”

Além disso, é muito mais fácil identificar um campo minado quando você observa os outros andando por ele do que quando é você que faz isso. Isso porque observadores estão menos ocupados cognitivamente e estão mais abertos a informações. Assim, organizações são melhores do que indivíduos quando se trata de evitar erros, pois naturalmente pensam mais lentamente e têm o poder de impor procedimentos ordenados. Ainda existe o risco de enviesamento da organização como um todo, mas justamente seus procedimentos podem ser utilizados como um mecanismo de remoção de viés.

A teoria do fluxo

O livro também apresenta estudos conduzidos pelo psicólogo húngaro radicado nos Estados Unidos Mihaly Csikszentmihalyi (1934-) na área da felicidade e da criatividade. Apesar de nossa natureza preguiçosa, em alguns momentos, conseguimos vencer nossos instintos e até mesmo obter uma alta performance.

A teoria do fluxo afirma que a felicidade ocorre quando indivíduos experimentam estados mentais ótimos, denominados por ele como “flow” (fluxo). Esse estado de concentração sem esforço é tão profundo que as pessoas perdem a noção do tempo, de si mesmas, de seus problemas. A atenção concentrada nessas atividades absorventes não exige nenhum empenho do autocontrole, desse modo liberando os recursos para serem dirigidos à tarefa que se apresenta pelo Sistema 2.

Para atingir esse estado, o desafio não pode ser muito pequeno, pois o indivíduo perderia logo o interesse, nem muito grande, a ponto de ser maior que as suas habilidade e gerar frustração. Em suas pesquisas, o húngaro entrevistou uma enorme quantidade de pessoas e encontrou alguns elementos comuns que apontavam para o estado de fluxo (fonte: Emprelas):

  • Completo envolvimento na atividade que está realizando (com foco e concentração);
  • Clareza interna: sabe-se o que deve ser feito, como deve ser feito;
  • Um sentimento de êxtase: sensação de estar fora da realidade do dia a dia;
  • Ter consciência que a atividade é plena de ser realizada pois as habilidades são compatíveis com a tarefa;
  • Mente tranquila, sem preocupações;
  • Foco total no momento presentes (como se as horas parecessem passar como se fossem minutos);
  • Motivação intrínseca (seja qual for o elemento que produz o estado de fluxo é a própria recompensa).

Para tudo isso, o primeiro passo é descobrir aquilo que você sabe fazer de melhor. Se não souber, explore oportunidades, como fazer cursos e conversar com pessoas que atuam com essas atividades. Caso ainda não tenha as habilidades para isso, procure desenvolvê-las. Quanto mais cedo descobrir o que gosta, mais tempo terá para desfrutar o que realmente faz você feliz.

O spin de notícias 1073 do Portal Deviante fala um pouco mais sobre o estado de “flow” e indica dois artigos científicos sobre o tema para leitura.

“A repressão não leva à virtude. Quando as pessoas se reprimem por medo, suas vidas são necessariamente diminuídas. Só por meio de disciplina livremente escolhida a vida pode ser aproveitada e e ainda assim dentro dos limites da razão.”
Mihaly Csikszentmihalyi

Ainda sobre a questão de repressão, incluindo comentários positivos e negativos, o autor conta uma experiência que teve em sua carreira quando ensinava a instrutores da Força Aérea Israelense sobre a psicologia do treinamento eficaz. Ao interagir com os instrutores e expor seus conceitos, recebe deles a informação de que, no caso de treinamento de um piloto de caça israelense, comentários negativos (críticas) tinham efeitos superiores aos comentários positivos (elogios). Ou seja, se eles elogiassem um cadete por executar uma manobra muito habilidosa, seu desempenho decaía nas seguintes tentativas.

O que na verdade acontece aqui é conhecido como regressão à média: as falhas e acertos dos cadetes em instruções de voo existem enquanto flutuações aleatórias na qualidade do desempenho, para melhor ou pior. Um desempenho muito ruim ou muito bom (eventos extremos) tendem a acontecer, mas nos voos seguintes a tendência é de que voltem ao seu comportamento médio. Assim, após executarem uma manobra particularmente ruim, as chances são que na próxima tentativa se saiam melhor, independente do comentário e avaliação negativos que recebem dos instrutores.

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