por Maria Auxiliadora Roggério
Você se lembra do Fofão? Fofão foi um personagem criado pelo artista plástico Orival Pessini (1944-2016) que alegrou a infância brasileira. Além de artista plástico, Orival Pessini foi ator, humorista, apresentador, compositor e cantor brasileiro. Nas décadas de 1970/1980, criou e interpretou além deste, vários outros personagens, caracterizados com máscaras de látex que também por ele foram criadas e que desfilaram com sucesso em programas humorísticos da época, ao lado de Jô Soares (Planeta dos Homens), Chico Anysio (Escolinha do Professor Raimundo), Carlos Alberto de Nóbrega (A Praça é Nossa), Carlos A. de Nóbrega/Moacyr Franco (Praça Brasil), apenas para citar alguns.
Entre seus outros personagens, havia Patropi – um hippie aparentemente descompromissado, que tinha como bordões: “sei lá, entende?!” e “sem crise, meu”; o macaco Sócrates – sempre com questionamentos críticos denunciando algum fato atual, porém, abordando com ironia, simulando ignorância e fingindo aceitar as respostas, o que rendia os bordões: “Desculpe a ignorância do macaco”; ou, quando o interlocutor tentava responder, constrangido, ele dizia: “Não precisa explicar: eu só queria entender!”.
Mais recente, ao lado de Sidney Magal no programa Uma Escolinha Muito Louca (2008/2010) surgiu Ranulpho Pereira – um aposentado que se revoltava e reclamava de tudo, quando pensava em sua aposentadoria. Seu bordão: “Se a gente não reclamar, vai ficar do jeitinho que está!”.
E tem sido assim, parece que desde sempre, com o humor aliviando por alguns instantes a ansiedade causada por acontecimentos que nos tornam atônitos, sem rumo. Vejam a avalanche de vídeos e memes criados na pandemia com o intuito de diminuir um pouco o estresse gerado pelo medo de adoecer e morrer, de perder o emprego e sofrer com as consequências, de interromper planos e frustrar-se, de viver isolamento social e deprimir com a solidão, e de todas as outras situações que estamos vivendo (ou deixando de viver) nestes últimos seis meses.
É impossível passar ilesos por essa experiência; sobretudo, quando a maioria das medidas adotadas (enquanto esperam por uma vacina ou pela imunidade de rebanho) para tentar minimizar os danos beiram a incongruência. Há que se ter uma alta dose de boa vontade e paciência para receber e tentar entender as informações diárias sobre os fatos da pandemia e sobre “a boiada passando” enquanto isso. Buscar um “escape” através do humor, não pode nos privar dos sentidos, de maneira nenhuma. Podemos brincar com alguma situação, mas ela existe e precisa ser vista e resolvida. Quando verdades são ditas com humor, devem levar à reflexão, além do “kkkkkkk”.
Realmente, é muito difícil parar para pensar dentro deste turbilhão de acontecimentos que nos assolaram em 2020. Não basta pensar apenas em nossos problemas, em nossa falta de saúde, de dinheiro, de emprego, de segurança (o que não é pouco para se pensar, diga-se de passagem); é preciso ver o próximo, o todo. Nossas reflexões também têm de passar pelas ações dos ineptos governantes que parecem canalizar seus esforços para nos manter desesperados com nossas vicissitudes e, assim, aceitarmos qualquer disparate como um mal necessário ou buscar um salvador da pátria, um pseudo-herói que, numa atitude cínica e paternalista, faz um grande esforço para aumentar sua popularidade e fingir benevolência e, junto aos mais vulneráveis, distribui alguma esmola emergencial.
Mas, voltando ao humor, ele tem a capacidade de nos transportar para um certo estado de leveza e tranquilidade que é importante para aliviar o estresse cotidiano e nos permitir encarar a realidade nos momentos seguintes.
Vamos imaginar o que o macaco Sócrates pensaria sobre esse imbróglio:
– “Quer dizer que, enquanto uma boiada passa, outra boiada vai para o abate e ficamos esperamos pela tal imunidade de rebanho?” “Não precisa explicar; eu só queria entender!”