Os Acordos de Bretton Woods, firmados em 1944, marcaram o início da supremacia do dólar no sistema econômico global. Esse acordo foi um marco na reorganização econômica pós-Segunda Guerra Mundial, criando instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, e estabelecendo o dólar como a principal moeda de referência, lastreada pelo ouro. A ideia era garantir estabilidade cambial e promover a cooperação econômica internacional. Com o fim do padrão-ouro em 1971, o dólar continuou sendo a principal moeda global, mas agora sem o vínculo direto com o ouro, o que ampliou o poder dos Estados Unidos sobre a economia mundial.

Essa posição privilegiada do dólar permitiu aos EUA utilizá-lo não apenas como instrumento econômico, mas também como uma arma geopolítica. O domínio do dólar no sistema financeiro global, que em 1970 representava 85% das reservas internacionais, deu ao governo americano o poder de aplicar sanções econômicas de maneira unilateral. Um exemplo claro de um acordo que beneficiou enormemente empresas dos Estados Unidos, e no qual o uso do dólar como moeda de referência desempenhou um papel crucial, foi o Acordo de Cooperação de Defesa entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita, que começou a ser firmado na década de 1970. Este acordo foi extremamente vantajoso para as indústrias de defesa, petróleo e infraestrutura dos EUA e está fortemente atrelado à centralidade do dólar no comércio internacional.
Após o colapso do padrão-ouro e a desvinculação do dólar ao ouro em 1971, os Estados Unidos negociaram uma parceria estratégica com a Arábia Saudita, baseada em petróleo e segurança. Em troca de garantir a defesa da Arábia Saudita e vender armas avançadas a preços elevados, os EUA asseguraram que o país continuaria precificando e vendendo seu petróleo exclusivamente em dólares. Este acordo se expandiu para os outros membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e consolidou o que ficou conhecido como o sistema do “petrodólar”.
O uso do dólar como moeda exclusiva para transações de petróleo garantiu uma demanda constante pela moeda americana no cenário global, o que beneficiou os EUA de várias maneiras. Primeiro, as empresas americanas que exportavam bens e serviços para países que precisavam de dólares para comprar petróleo tinham uma vantagem competitiva. Segundo, a compra de petróleo em dólar forçava outros países a manter grandes reservas da moeda americana, fortalecendo ainda mais sua hegemonia.
Ao impedir que certos países acessem o sistema financeiro em dólar, os EUA conseguem pressionar economias inteiras. Países como Venezuela, Irã e, em grande escala, a Rússia, foram alvo de sanções severas, que só foram possíveis devido à predominância do dólar no comércio e nas reservas globais. A partir de 2023, analistas como o economista brasileiro Paulo Nogueira Batista Jr. apontaram que essa instrumentalização do dólar como arma foi uma estratégia deliberada dos EUA para punir governos considerados hostis.
Um exemplo para o Brasil onde o uso do dólar como moeda de referência foi fundamental é o Acordo de Parceria e Cooperação Estratégica Brasil-Estados Unidos na área de petróleo e gás, especialmente durante o auge das descobertas do pré-sal na década de 2000. Nesse contexto, empresas americanas de energia, como ExxonMobil e Chevron, se beneficiaram diretamente de contratos e concessões para explorar as vastas reservas de petróleo brasileiras. O Brasil, ao buscar atrair investimentos estrangeiros, teve de aceitar o dólar como a principal moeda para precificação e transações internacionais de petróleo. Isso garantiu maior acesso a capital estrangeiro e tecnologias avançadas, mas também significou uma dependência das flutuações cambiais e do mercado internacional dominado pelos Estados Unidos. Embora o Brasil tenha obtido benefícios em termos de infraestrutura e crescimento do setor energético, o uso do dólar reforçou o domínio econômico dos EUA sobre a cadeia global de energia, enquanto empresas americanas consolidaram sua presença no mercado brasileiro.
O exemplo mais significativo dessa tática ocorreu após a invasão russa à Ucrânia em 2022, quando os Estados Unidos e seus aliados europeus congelaram cerca de US$ 300 bilhões em reservas russas. O caso russo não tem precedentes em termos de alcance e impacto econômico, expondo a vulnerabilidade de um país cuja riqueza está concentrada em ativos dolarizados.
Atualmente, a participação do dólar nas reservas globais caiu para cerca de 58%, enquanto o euro representa 20%, e as demais moedas têm um papel ainda marginal. A busca por alternativas ao dólar, conhecida como “desdolarização”, ganhou força nos últimos anos, especialmente entre países que sofreram sanções ou que buscam maior independência econômica. A criação de sistemas financeiros paralelos, que permitam transações em moedas nacionais ou alternativas, enfraquece a capacidade dos Estados Unidos de impor sanções unilaterais, algo que, até agora, era uma das principais armas geopolíticas de Washington.
Essa discussão tem ganhado espaço em fóruns internacionais, como o Brics, um bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Em 2025, durante a presidência brasileira no grupo, uma das principais pautas será a criação de um mecanismo que permita as trocas comerciais entre os países do bloco sem passar pelo dólar. Essa iniciativa não é apenas uma questão financeira, mas também um movimento de grande impacto geopolítico, visando reduzir a dependência do dólar e, por extensão, da influência norte-americana sobre a economia global.
Se o dólar deixasse de ser a principal moeda de referência global, haveria impactos profundos na economia dos EUA e no sistema financeiro internacional. Os EUA se beneficiam do status do dólar como moeda de reserva porque podem emitir dívida a taxas de juros mais baixas. Se o dólar perdesse essa posição, a demanda por títulos do Tesouro americano cairia, levando a um aumento nos juros que o governo precisaria pagar para se financiar.
Com menos demanda global por dólares, a moeda perderia valor. Isso tornaria as importações mais caras, elevando a inflação nos EUA. Como os EUA importam muitos bens de consumo e insumos industriais, o custo de vida aumentaria. Empresas americanas se beneficiam do dólar ser a moeda padrão para comércio internacional, pois não precisam lidar com riscos cambiais ao negociar com outros países. Se outra moeda se tornasse dominante (como o euro ou o yuan), as empresas dos EUA teriam custos adicionais para cobrir essas flutuações.
Se o dólar deixasse de ser a moeda de referência, o Brasil enfrentaria desafios no curto prazo, devido à necessidade de adaptação nos mercados financeiros e comerciais. No longo prazo, o país poderia se beneficiar caso aproveitasse a oportunidade para diversificar suas relações comerciais e fortalecer sua moeda.