O boom começou em 2018, quando o governo Temer legalizou as apostas esportivas online. As bets têm sido o principal motor do futebol brasileiro. Dos 20 times que disputam a série A do Brasileirão em 2024, 18 recebem dinheiro de alguma empresa do ramo. O investimento é alto, mas o retorno também. Em 2023, os brasileiros torraram R$ 54 bilhões em apostas online. A grana vai para os países-sede das empresas – no geral, paraísos fiscais, onde a legislação é mais flexível. Tudo livre de impostos, já que a medida de 2018, embora tenha liberado a prática, não a regulamentou.
De acordo com a pesquisa “Raio X do Investidor”, realizada pela ANBIMA em parceria com o Datafolha, 14% da população brasileira fez pelo menos uma aposta online em 2023, enquanto apenas 2% investiram em ações. A pesquisa revela ainda que 22 milhões de brasileiros com 16 anos ou mais participaram de apostas online, em comparação com cerca de 3,2 milhões que investiram em ações ou títulos públicos e privados.
Além disso, a pesquisa destaca que 13% dos brasileiros e 22% dos apostadores consideram as apostas esportivas uma forma de investimento. No entanto, a maior parte dos apostadores (70%) não vê as apostas como investimento, e sim como uma forma de ganhar dinheiro rápido ou como entretenimento. Por isso, é necessário entender dois pontos importantes aqui: o que motiva as pessoas a entrar em apostas e a diferença delas para investimentos (principalmente os com rentabilidade mais concreta).
Questões a se considerar sobre Jogos de Azar
Jogos de azar podem desencadear vícios devido à liberação de dopamina no cérebro, que proporciona uma sensação de prazer imediato. A busca contínua por essa sensação pode levar à compulsão, onde o jogador perde o controle sobre a frequência e o montante apostado. O reforço intermitente – ou seja, as recompensas aleatórias – são uma das estratégias de um jogo de azar viciante. Outro é gerada a sensação de que você passou muito perto da vitória. Por exemplo, “perdi o jogo do aviãozinho por um décimo de segundo, então na próxima eu ganho”, mas em fenômenos aleatórios, um fato passado não influencia no presente.
Muitos jogadores acreditam que podem influenciar o resultado através de estratégias ou padrões percebidos, uma crença equivocada que reforça o comportamento de aposta. Os jogos também oferecem a ilusão de controle – a ideia de que é possível domar a aleatoriedade com sua experiência. O apostador se vê como um grande conhecedor de futebol e que por isso sabe o que vai acontecer, mas uma visão de mundo baseada na auto estima e fatos concertos são bem diferentes. As chances de vencer algoritmos velozes e bem treinados das empresas de apostas, principalmente a longo prazo em várias apostas, é praticamente desprezível.
Nas bets, isso deu origem a uma subcategoria de apostas: o “trading esportivo”, em que jogadores try hard acompanham uma partida em tempo real e vão mudando suas apostas com o desenrolar do jogo. A prática se assemelha ao day trade: comprar e vender ativos voláteis durante um único pregão da bolsa, surfando nas oscilações do mercado. Mas não se engane: ninguém conseguiria antecipar o número de laterais do Paysandu, por exemplo.
O apelo do ganho rápido é forte nos jogos de azar, o que pode ser muito sedutor, especialmente em tempos de dificuldades financeiras. A promessa de solucionar problemas econômicos rapidamente pode alimentar o ciclo de apostas. Isso pode anular julgamentos críticos. Por exemplo: a chance de ganhar na loteria é de 1 em 50 milhões e muitas pessoas apostam nisso, enquanto que a chance de sofrer um morrer em um acidente de trânsito no Brasil é de 1 em 6.300* e muitas pessoas continuam transitando imprudentemente nas ruas.
*Em 2022, cerca de 34 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito no Brasil. Com uma população de aproximadamente 214 milhões de pessoas, isso resulta em uma chance de 1 em 6.300 de morrer em um acidente de trânsito em um dado ano. Para uma visão mais abrangente, considerando que nem todos os acidentes resultam em morte, mas ainda são eventos significativos, a probabilidade de se envolver em um acidente de trânsito é muito maior. Estimativas globais da OMS sugerem que para cada morte, há muitas mais lesões graves e leves.
Atualização de dados (setembro/2024): Cerca de 28 milhões de brasileiros admitiram ao Ipec (antigo Ibope) já terem jogado online a dinheiro alguma vez na vida. Desses, 28 milhões, cerca de metade (13 milhões) é de jogadores regulares, que dizem ter jogado no último mês. Em média, eles apostam duas vezes por semana. A maioria absoluta admite ter perdido mais do que ganhado: 54% nas apostas esportivas (só um em cada quatro diz ter ganhado) e 57% nos cassinos/bicho/bingo. (fonte: UOL e Folha de S. Paulo)
O mercado de apostas atua como um sistema que, semanalmente, movimenta bilhões de reais de milhões de pessoas, concentrando esse capital nas mãos de uma pequena elite de proprietários e uma parcela de participantes que podem ganhar em um dia, mas muitas vezes perdem no seguinte. O jogo online tem um papel significativo na concentração de renda, além de apresentar riscos em um ambiente desregulamentado. Esse cenário pode favorecer práticas ilícitas, como a sonegação fiscal, já que muitas dessas empresas têm sede em paraísos fiscais, e a lavagem de dinheiro por meio de apostas fraudulentas, como no caso do jogo do bicho.
Diferença entre Investimento Financeiro e Apostas
Investimentos financeiros são baseados em análise, planejamento e, em muitos casos, apresentam retornos previsíveis ao longo do tempo. Investidores utilizam estratégias de mitigação de risco, diversificação e planejamento a longo prazo. O objetivo de um investimento é acumular riqueza ao longo do tempo de forma sustentável.
Já as apostas são intrinsecamente voláteis e baseadas na sorte, com uma tendência de perda a longo prazo. O risco é elevado e muitas vezes não pode ser gerido, levando a perdas substanciais. A aposta é muitas vezes motivada pela emoção e pela busca de gratificação imediata, sem uma estratégia de longo prazo.
A confusão entre essas duas atividades pode levar a decisões financeiras ruins. Pessoas que tratam apostas como investimentos podem enfrentar perdas financeiras significativas, pois a probabilidade estatística nos jogos de azar é geralmente desfavorável. O relato de que o número de apostas está crescendo mais do que os investimentos em bolsa de valores pode indicar uma falta de compreensão sobre essa diferença crucial, o que pode agravar problemas financeiros a longo prazo.
Marcelo Billi, da Anbima, diz que “o conceito de investimento do público é bem amplo. Tem gente que acha que fazer um procedimento estético, pagar um curso ou comprar um terno seja um investimento. De modo geral, as pessoas acham que tudo que pode dar um retorno emocional ou de curto/médio prazo um investimento, seja investimento.” Na verdade, a definição técnica de investimento é uma aplicação em dinheiro que se espera uma valorização em um futuro determinado.
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