Amok e a explosão de violência

Nos diários do capitão e explorador britânico James Cook, é escrito em 1770 sobre indivíduos que se comportam de maneira imprudente e violenta, sem causa e “matando e mutilando indiscriminadamente aldeões e animais em um ataque frenético”. Em 1901, um médico britânico que morava na Malásia descreveu o mesmo fenômeno partindo de pessoas sem histórico criminoso atacando a quem não havia feito nada contra elas. Essa palavra havia sido usada na Índia durante o período colonial britânico, inicialmente para descrever um elefante louco separado de seu rebanho e correr solto causando destruição.

Esse é um fenômeno cultural local chamado de amok, termo originado da palavra malaio/indonésio meng-âmuk, que quando grosseiramente definida significa “fazer uma ação furiosa e desesperada”. De acordo com as culturas da Malásia e da Indonésia, o amok estava enraizado em uma crença espiritual profunda. Eles acreditavam que o amok foi causado pelo hantu belian, que era um espírito maligno de tigre que entrou no corpo e causou o ato hediondo. Como resultado da crença, aqueles na cultura indonésia toleraram e manejaram os efeitos posteriores sem desgosto para com o agressor.

Quando uma pessoa alvo de frustrações ou humilhações – na maior parte dos casos, um homem – passava por um período de reclusão e isolamento, depois se lançava em um ritual catártico (ou seja, de purificação) e bárbaro: ir a um lugar público e movimentado para matar pessoas desconhecidas, sem motivo ou conexão aparentes. Os episódios de Amok normalmente terminam quando o atacante é morto por espectadores ou comete suicídio, provocando teorias que podem ser uma forma de suicídio intencional em culturas onde o suicídio é fortemente estigmatizado. Aqueles que não cometem suicídio e não são mortos normalmente perdem a consciência e, ao recuperar a consciência, alegam amnésia.

“The Louisiana Murders—Gathering The Dead And Wounded”. Fonte: Wikipedia, massacre de Colfax, 1873

Amok na sociedade ocidental contemporânea

Esse fenômeno, a princípio apontado por antropólogos como uma manifestação restrita a algumas comunidades do sul da Ásia, começou a ser visto sob outra ótica por psicólogos e estudiosos no Ocidente a partir da década de 1990, quando mais matanças indiscriminadas começavam a ganhar as manchetes dos jornais.

Para os estudiosos do assunto, existem elementos semelhantes no amok e na ação de atiradores ou extremistas em países ocidentais: uma explosão de violência homicida cega, cometida em locais públicos onde a chance de fazer vítimas é grande, seguindo matando aleatoriamente até que sejam interrompidos pela polícia ou cometam suicídio. Mas também existem diferenças: ele não seria um ritual de purificação, e sim de um momento de triunfo e atenção que não haviam conseguido em vida até então.

O professor de História na Unicamp e estudioso de casos recentes de extremismo islâmico na França, Gabriel Zacarias, comenta que “a maior parte é de pessoas apontadas pelos conhecidos como introspectivos, que ninguém imaginava que poderia fazer uma coisa dessas (uma matança indiscriminada). São homens geralmente, de alguma forma, frustrados”. Essas frustrações podem vir da falta de popularidade, sucesso profissional ou integração à sociedade competitiva onde vivem. No caso de extremistas na França, eles vem de um estrato social mais baixo e de família de origem imigrante, cujo preconceito alimenta a dificuldade de ascensão social; o terrorismo acaba se tornando um meio de dar sentido a sua vida.

Claro que frustrações em si não bastam para explicar uma matança indiscriminada, pois todos temos frustrações e pouquíssimos a transformam em violência extrema. Componentes étnicos, religiosos e geopolíticos acabam somando. Pesquisadores estudando os atiradores de escolas nos EUA observam que jovens do sexo masculino que se sentem desconectados da sociedade encontram na cultura de valorização das armas de fogo uma forma de expressar que são “durões”. Para o pesquisador Douglas Kellner, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, “em cada caso, os homens sofriam de problemas de socialização, alienação e busca por identidade em uma cultura que valoriza armas e militarismo como símbolos poderosos de masculinidade”.

Do ponto de vista clínico do indivíduo, é comum manifestar um quadro de depressão. Em uma sociedade que acumula um grande número de fracassos pessoais oriundos de uma crise econômica ou de valores, os casos de depressão costumam aparecer com mais frequência. “Os indivíduos frustrados não sabem contra quem se vingar e vingam-se contra alvos aleatórios. Daí mais uma vez que as justificativas simbólicas que canalizam o ódio e o ressentimento são extremamente perigosas. Se for dito que a culpa de todos os males é de um certo sujeito social, o tipo se torna alvo potencial dos atiradores”, afirma Kellner.

A questão apresentada nesse artigo é uma das possíveis explicações (e não justificativas) de ataques que vêm cometido pessoas em crise dentro de uma sociedade. Em vez de jogar a causa para um elemento sobrenatural ou aleatório, em que não há nada o que fazer, identificar uma causa psicológica/sociológica permite trabalhar as questões que poderiam originar uma explosão de violência, e assim evitar tragédias.

Fontes

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