Raios e trovões de Stranger Things

Em Stranger Things, a personagem Eleven usa o intervalo de 7 segundos entre o clarão do raio e o som do trovão para cronometrar seus movimentos, uma técnica baseada na física para mascarar o barulho em suas ações. No entanto, o que parece uma boa ideia tem várias limitações e precisa de uma narrativa bem montada para funcionar na história.

Stranger Things é uma série de ficção científica e suspense criada pelos irmãos Duffer, lançada pela Netflix em 2016. Ambientada nos anos 1980, mistura elementos de cultura pop da época com mistério, terror e aventuras sobrenaturais. A trama acompanha um grupo de crianças e adolescentes da cidade fictícia de Hawkins, que enfrentam criaturas e fenômenos ligados a uma dimensão paralela chamada Mundo Invertido (“Upside Down”). Entre os personagens centrais está Eleven, uma jovem com poderes telecinéticos e psíquicos, resultado de experimentos científicos secretos, cuja jornada envolve tanto a luta contra forças sobrenaturais quanto a busca por identidade e pertencimento.

Dentro do enredo, Eleven precisa usar o intervalo entre o raio e o trovão como recurso estratégico para ocultar seus movimentos. Em momentos de perseguição ou combate, o barulho súbito do trovão funciona como uma “cortina sonora” que disfarça ruídos inevitáveis. Essa tática é especialmente útil porque ela muitas vezes se encontra em situações de vulnerabilidade, enfrentando inimigos poderosos ou tentando proteger seus amigos sem chamar atenção.

Eleven saltando portão do bunker durante intervalo entre trovão e raio. Fonte: divulgação
Eleven saltando portão do bunker durante intervalo entre trovão e raio. Fonte: divulgação

Essa técnica se baseia na física da propagação do som: a luz viaja quase que instantaneamente até nossos olhos, enquanto o som se desloca pelo ar a cerca de 343 m/s. Isso significa que, para cada segundo de intervalo entre o clarão e o trovão, a tempestade está a cerca de 343 metros de distância. No caso citado, com 7 segundos de diferença, o raio estaria a aproximadamente 2,4 km ou 1,5 milhas de distância. Assim, Eleven aproveita esse intervalo previsível para sincronizar suas ações com o estrondo, mascarando o som que produz.

No entanto, observa-se na série que muitas vezes o trovão aconteceu junto com raio, ou então em intervalos maiores ou menores do que 7 segundos. Isso é completamente esperado também no mundo real, pois o intervalo entre o clarão e o som depende diretamente da distância entre o observador e o ponto de descarga elétrica. Se o raio ocorre muito próximo, o som chega praticamente ao mesmo tempo que a luz, já que a velocidade da luz é imensamente maior que a do som. Em contrapartida, se o raio cai mais distante, o intervalo pode ser de vários segundos.

Além disso, a propagação do som não é constante em todas as condições: fatores como temperatura, umidade e pressão atmosférica podem alterar ligeiramente sua velocidade. O som também pode ser refletido ou refratado por camadas da atmosfera, criando ecos ou distorções que dificultam a precisão da contagem. Isso significa que usar um valor fixo de 7 segundos como referência é fisicamente inconsistente, já que cada raio terá um intervalo diferente dependendo da distância real e das condições ambientais.

Outro ponto importante é que a técnica só funciona em tempestades com descargas frequentes e próximas o bastante para gerar intervalos curtos e previsíveis. Em situações em que os raios são esporádicos ou muito distantes, não há como sincronizar movimentos com o trovão. Portanto, embora a ideia seja engenhosa dentro da narrativa, do ponto de vista físico ela é limitada e pouco confiável como estratégia prática.

Eleven depois do salto, em um teto de vidro no bunker. Fonte: divulgação
Eleven depois do salto, em um teto de vidro no bunker. Fonte: divulgação

Assim, a ideia de usar o intervalo de 7 segundos entre raio e trovão é engenhosa, mas o raio e a Eleven sempre precisariam estar à mesma distância: se a tempestade elétrica estivesse sempre na mesma posição, a Eleven deveria estar sempre no mesmo lugar. No entanto, existe uma narrativa que torna isso fisicamente plausível.

No “Upside Down”, o ambiente é retratado como uma dimensão paralela mais estática e repetitiva, com paisagens que parecem congeladas no tempo, então faz sentido a tempestade estar o tempo todo na mesma posição. Também na cena em que a tática é implementada, Eleven e Harper estão em um ponto próximo ao bunker das forças armadas e ela planeja correr ao avistar o raio, saltar e cair sobre o telhado no exato instante do trovão. Como eles já estão lá faz um tempo, presume-se que a tempestade elétrica mantem-se na mesma posição, assim como os personagens, então a Eleven percebe o padrão de 7 segundos valendo.

O Mundo Invertido não apresenta as condições típicas para a formação de tempestades elétricas: não há ciclo solar para aquecer o ar, não há relevo que favoreça correntes ascendentes, e o ambiente parece estático e permanentemente noturno. Ainda assim, há algumas hipóteses que poderiam explicar a ocorrência de raios nesse cenário. Por ser um ambiente carregado de partículas e poeira suspensa, esse material poderia favorecer atrito constante entre partículas, gerando cargas elétricas acumuladas que se descarregam em forma de raios. Em erupções vulcânicas, os raios ocorrem devido ao atrito entre partículas de cinza e gases, sem necessidade de calor solar.

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