Os referendos italianos são um importante instrumento de democracia direta previsto pela Constituição da Itália. Eles permitem que os cidadãos participem ativamente na tomada de decisões legislativas ou constitucionais, seja para aprovar, revogar ou modificar leis, ou para decidir sobre temas relevantes à nação. Um dos mais famosos é o Referendo institucional de 1946, em que os italianos votaram para implementar a república, pondo fim à monarquia dos Savoia. Dentre os tipos de referendo, estão:
- Referendo abrogativo: permite revogar total ou parcialmente uma lei vigente, mediante voto popular.
- Referendo constitucional: decide sobre reformas constitucionais aprovadas sem maioria qualificada no Parlamento.
- Referendo consultivo: consulta a população sobre questões relevantes, sem efeito legal obrigatório.
- Referendo regional e local: utilizado para decisões administrativas ou legislativas em regiões, províncias ou municípios.
- Referendo institucional: usado em casos excepcionais, como o de 1946 que decidiu entre monarquia e república.
O referendo abrogativo (revogatório) só pode ser realizado se forem coletadas 500 mil assinaturas de eleitores ou se cinco conselhos regionais o propuserem. A lei só é revogada se mais de 50% dos eleitores comparecerem (quórum) e a maioria votar “Sim” pelo cancelamento – votando “Não”, continua tudo como está. Na Itália, o voto não é obrigatório, mas é uma das formas mais poderosas de exercer a sua cidadania ativa.

O referendo italiano de 2025, oficialmente “Referendum abrogativi in Italia del 2025”, será realizado nos dias 8 e 9 de junho, ao mesmo tempo que o segundo turno das eleições locais, mas as cédulas já estão chegando às casas de quem pode votar. Os cidadãos residentes no exterior (cirrcoscrizione estero) votam por meio de cédulas enviadas pelo correio. Já os eleitores residentes na Itália votam presencialmente nas seções eleitorais, como em eleições tradicionais. Cada cidadão recebe um cartão eleitoral (tessera elettorale) que deve ser apresentado junto com um documento de identidade no momento do voto.
Os cidadãos italianos vão decidir sobre cinco temas importantes relacionados a trabalho, cidadania e direitos dos trabalhadores. Veja cada um deles a seguir, onde cada um corresponde a uma cédula/referendo. Todos começam com “Volete voi l’abrogazione” (Deseja a revogação) ou “Volete voi che sia abrogato” (Você quer que seja revogado) de modo a formar a pergunta à qual deve ser respondida com “Sí” ou “No”.
A estrutura típica de uma lei italiana é:
- Articolo (art.) – Artigo, unidade básica da lei e trata de um tema ou regra principal;
- Comma – Parágrafo dentro do artigo, cada um contento uma frase ou conjunto de frases com sentido próprio;
- Lettera – Alínea/letra, quando o comma traz uma lista, ela pode ser dividida por letras (a), (b), (c), etc;
- Numero – Se a alínea também tiver sub-itens, usam-se números 1), 2), 3), etc.
Quando um texto normativo é modificado, integrado ou reorganizado, é dito que sofreu um “aggiornamento” (atualização). Para inserir novos artigos ou parágrafos entre os já existentes sem renumerar tudo, podem ser usadas as palavras latinas para 2 (bis), 3 (ter), 4 (quater), 5 (quinquies), etc. Por exemplo: Articolo 2-bis = artigo inserido entre o art. 2 e o art. 3; Comma 1-ter = parágrafo adicional após o comma 1 e 1-bis.
1. Contrato de trabalho com proteções crescentes – regulamentação de despedimentos ilícitos: Revogação

Este referendo propõe a revogação das proteções crescentes previstas para trabalhadores em casos de despedimentos considerados ilícitos. As Proteções Crescentes (“tutele crescenti”) são uma forma de contrato de trabalho introduzida na Itália pelo Decreto Legislativo nº 23 de 2015, no contexto da reforma trabalhista conhecida como Jobs Act, promovida pelo governo de Matteo Renzi. O nome “proteções crescentes” vem do fato de que as indenizações por demissão sem justa causa aumentam progressivamente com o tempo de serviço.
Ao prever um tratamento diferenciado para demissões em comparação aos contratos antigos, a ideia era reduzir a incerteza jurídica para empregadores e estimular a contratação com contratos permanentes em vez de temporários. O decreto alterou a disciplina da demissão injusta (sem justa causa ou sem motivo objetivo válido). Os principais pontos foram:
- Fim da reintegração automática no emprego, exceto em casos muito específicos (como discriminação ou inexistência do fato alegado como causa da demissão);
- Substituição da reintegração por uma indenização em dinheiro, calculada com base nos anos de serviço;
- Para empresas com menos de 15 funcionários, os valores de indenização eram ainda menores;
- Os contratos pré-existentes a 2015 mantiveram o regime antigo, que previa mais possibilidades de reintegração.
Veja esse exemplo: Um trabalhador foi contratado em 2016 (ou seja, sob o regime das Proteções Crescentes) por uma empresa com mais de 15 empregados. Ele trabalha há 6 anos e recebe um salário bruto mensal de €2.000. Com o Decreto 23/2015 em vigor, o trabalhador é demitido sem justa causa, não há reintegração ao cargo (exceto em casos muito específicos, como demissão discriminatória), ele recebe uma indenização obrigatória de aproximadamente 24 mil euros (2 salários por ano x 6 anos) e a empresa não precisa reintegrá-lo, apenas pagar a indenização.
Depois da revogação (se o referendo de 2025 for aprovado), o mesmo trabalhador, nas mesmas condições, poderá solicitar a reintegração ao cargo, se a demissão for considerada ilícita ou injustificada por um juiz. Alternativamente, ele poderá aceitar o retorno ao trabalho com pagamento dos salários devidos desde a demissão, ou uma indenização maior, determinada pelo juiz, sem teto fixo (como antes de 2015).
Se a revogação for aprovada (“SI”), empregadores teriam menos segurança jurídica e potencialmente maior custo com litígios trabalhistas. Para os trabalhadores, a mudança significaria um reforço nos direitos e maior proteção contra demissões arbitrárias.
2. Pequenas empresas – Demissões e compensações relacionadas: revogação parcial

Na situação atual (com a lei em vigência), empresas com menos de 15 funcionários pagam no máximo seis meses de salário para indenizações em casos de demissões sem justa causa. Essa indenização não dá direito à reintegração, apenas ao valor em dinheiro. Para empresas com mais de 15 empregados, esse teto pode chegar a 10 meses de salário para trabalhadores com mais de 10 anos de serviço e a 14 meses de salário para trabalhadores com mais de 20 anos de serviço.
Se a revogação for aprovada (“SI”), esses limites máximos de indenização para pequenas empresas deixam de existir. É uma medida pró-trabalhador, mas que aumenta a responsabilidade financeira das micro e pequenas empresas em caso de demissão sem justa causa.
3. Revogação parcial das disposições relativas à aplicação de um prazo aos contratos de trabalho subordinado, à duração máxima e às condições de prorrogação e renovação

O artigo 19 e o artigo 21 mencionados no referendo podem ser consultados nos respectivos links. A revogação elimina o limite atual de 12 meses sem justificativa e permite que os contratos de trabalho tenham duração superior sem a necessidade de apresentar razões técnicas, organizacionais ou produtivas. Também propõe remover a exigência de motivação específica para renovações acima desse prazo, incluindo a cláusula que autoriza contratos mais longos em caso de substituição de outro trabalhador. Por fim, a revogação suprime a regra que restringe a liberdade de renovação contratual apenas aos primeiros doze meses, ampliando a possibilidade de prorrogação de forma mais ampla e contínua.
Se a revogação for aprovada (“SI”), a legislação italiana sobre contratos temporários se tornará significativamente mais flexível. Empregadores poderão firmar contratos temporários sem limite rígido de duração e sem necessidade de motivação específica, o que pode favorecer a precarização segundo os críticos, ou aumentar a flexibilidade para empresas, segundo os defensores. Empresas poderiam contratar com mais facilidade, o que pode gerar mais vagas temporárias – especialmente em setores sazonais ou com demandas variáveis, onde o contrato permanente é menos comum. Trabalhadores já temporários poderiam ter seus contratos prorrogados com menos obstáculos legais. Em contextos com sindicatos fortes ou boa representação trabalhista, a maior flexibilidade legal pode ser complementada com acordos coletivos que garantam direitos e compensações adequadas, aproveitando a margem legal ampliada.
4. Exclusão da responsabilidade solidária do cliente, do contratante e do subcontratante pelos danos sofridos pelo trabalhador de uma empresa contratante ou subcontratante, em consequência dos riscos específicos inerentes à atividade das empresas contratantes ou subcontratantes: Revogação

Atualmente, é prevista a chamada responsabilidade solidária em contratos de trabalho terceirizados, com uma exceção importante: a empresa contratante não é responsabilizada por danos causados por “riscos específicos” da atividade da empresa terceirizada ou subcontratada. Ou seja, se um trabalhador terceirizado sofre um acidente relacionado a um risco típico da sua atividade (como um eletricista que leva um choque), a empresa contratante não é automaticamente responsabilizada, mesmo que o acidente ocorra em seu canteiro de obras ou sob sua supervisão.
Se essa exceção for revogada, a empresa contratante passaria a ser solidariamente responsável também pelos danos causados por riscos específicos da atividade da empresa terceirizada. Isso ampliaria significativamente o alcance da responsabilidade da contratante, que poderia ser judicialmente acionada junto com a terceirizada, mesmo quando o acidente estiver diretamente relacionado à especialidade técnica do serviço contratado. A lógica da norma atual, que restringe essa responsabilidade apenas aos riscos “não específicos”, seria abandonada.
Se a revogação for aprovada (“SI”), as empresas contratantes voltarão a ter responsabilidade solidária total por acidentes de trabalho envolvendo terceirizados, independentemente da natureza do risco. Isso representa um reforço na proteção dos trabalhadores terceirizados, obrigando as contratantes a assumirem mais cuidado na escolha, supervisão e segurança dos serviços contratados. Ao mesmo tempo, isso pode aumentar os custos e a exposição jurídica de empresas que terceirizam serviços especializados, incentivando práticas mais rigorosas de gestão de segurança e compliance trabalhista.
5. Cidadania italiana: Redução de 10 para 5 anos do tempo de residência legal na Itália do estrangeiro adulto não pertencente à UE para o pedido de concessão da cidadania italiana

Atualmente, a Lei n.º 91/1992 permite a concessão da cidadania italiana por naturalização em alguns casos, como: (a) ao estrangeiro adulto adotado por cidadão italiano que tenha residido legalmente no território da República durante pelo menos cinco anos após a adoção; e (f) ao estrangeiro que resida legalmente no território da República há pelo menos dez anos.
Se a alínea (f) for revogada, essa hipótese de aquisição de cidadania deixará de existir, a não ser que outra lei a substitua. Como o referendo é apenas abrogativo (revogatório), ele só pode remover trechos da lei em vigor — não pode adicionar nada. Portanto, ideia de “dimezzamento” (redução para 5 anos) mencionada no título do referendo é uma consequência política esperada — ou seja, se a revogação for aprovada, espera-se que o Parlamento aprove uma nova lei que reduza o prazo para 5 anos.
Se a revogação for aprovada (“SI”), a princípio, duas hipóteses deixariam de existir na legislação: estrangeiros adotados por italianos deixariam de ter essa via específica de acesso à cidadania, e extracomunitários residentes legais por 10 anos não teriam mais esse direito previsto em lei. No entanto, espera-se que uma nova lei seja aprovada pelo Parlamento após o referendo definindo um novo prazo de 5 anos para todos os estrangeiros adultos.
Mais alterações para obtenção de cidadania italiana
O Decreto-Lei nº 36/2025, promulgado pelo governo italiano em 28 de março de 2025, introduziu mudanças significativas nas regras para o reconhecimento da cidadania italiana por descendência (jus sanguinis). O decreto estabelece que apenas filhos ou netos de italianos nascidos na Itália terão direito automático à cidadania. Além disso, permite que descendentes obtenham a cidadania se um dos pais for cidadão italiano e tiver residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento ou adoção do filho.
A justificativa do governo de Giorgia Meloni (presidente do Conselho de Ministros) é conter o crescimento de pedidos de cidadania considerados “abusivos” ou desvinculados da vida italiana. No entanto, parlamentares da oposição acusam o Executivo de tomar uma decisão ideológica e restritiva, com consequências negativas para as relações internacionais do país, sobretudo com a América do Sul. O deputado Nicola Carè, do Partido Democrático, declarou: “Não é uma reforma, é um passo atrás no reconhecimento da cidadania italiana por descendência, que há décadas construiu pontes com a nossa diáspora.”
O decreto entrou em vigor imediatamente, obtendo aprovações no Senado e na Câmara posteriormente. A aprovação definitiva do decreto enfrenta obstáculos legais e constitucionais. Especialistas apontam que as novas regras podem violar princípios constitucionais italianos, como o direito adquirido e a igualdade, ao impor limitações retroativas à transmissão da cidadania. Além disso, a exigência de residência mínima na Itália para a transmissão da cidadania pode ser interpretada como discriminatória, contrariando tratados internacionais e jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos. Caso o decreto seja aprovado sem alterações, é provável que seja alvo de contestações judiciais, podendo ser declarado inconstitucional pela Corte Constitucional Italiana.
Note que esses pontos promulgados através do decreto-lei mencionado NÃO estão sendo apresentados para serem votados no referendo atual.
Como votar
Os Postos Consulares enviam, por correio, a cada eleitor um envelope contendo:
- o certificado eleitoral (documento que comprova o direito ao voto);
- cinco cédulas eleitorais (uma para cada quesito);
- um envelope pequeno (geralmente branco);
- um envelope maior já selado, com o endereço do Posto Diplomático/Consular competente;
- uma folha informativa.
Você não precisa votar em todos os referendos, mas é bom fazê-lo. Você deve inserir um X no campo SÍ ou NO na scheda de cada quesito, com uma caneta preta ou azul. Cuidado pois não devem constar marcas de identificação nas cédulas de votação, no pequeno envelope branco ou no recibo eleitoral.
Depois, você deve: inserir as cédulas eleitorais dobradas dentro do envelope pequeno e lacrar; inserir o envelope pequeno dentro do envelope maior (busta preaffrancata); cortar na linha indicada do certificato elettorale o respectivo recibo (tagliando) e também inseri-lo dentro do envelope grande. Finalmente, você deve então lacrar o envelope grande e colocá-lo nos correios. Não é necessário colocar o remetente no envelope nem pagar pelo envio.
O envelope tem que chegar no consulado até às 16 horas (hora local) do dia 5 de junho de 2025. Envelopes que chegarem depois serão considerados inválidos, portanto proceda com a votação e coloque no correio o mais rápido possível. As cédulas recebidas após o prazo não poderão ser contabilizadas e serão incineradas.
Fontes
- Wikipedia – 2025 Italian Referendum
- Ministero dell’Interno – Referendum abrogativi 2025, pubblicati i fac-simile delle schede per il voto dell’8 e 9 giugno
- Consolato Generale d’Italia San Paolo – Referendum abrogativi 8 e 9 giugno 2025
- La Via Italia – Referendo 2025 na Itália
- Minha Saga – Como Votar No Referendum Italiano Em 2025
- Público – Itália reduz acesso à cidadania, mas faz referendo para reduzir prazo para obtê-la e Cidadania italiana: novas restrições afetam descendentes no Brasil
- Ambasciata d’Italia Brasilia – O Conselho de Ministros aprova modificações na lei de cidadania “ius sanguinis”
- UOL – Cidadania italiana: nova regra é definitiva? Quais os próximos passos?