Turbulência oculta em A Noite Estrelada de van Gogh

A famosa obra “A Noite Estrelada”, pintada por Vincent van Gogh em 1889, transcende o mundo artístico e se conecta às leis da física, segundo estudo publicado em 17 de setembro de 2024 na revista “Physics of Fluids”. Pesquisadores de universidades da China e França, especializados em dinâmicas de fluidos e ciências marinhas, analisaram o quadro sob um viés técnico, utilizando teorias de turbulência para estudar os padrões de pinceladas no céu da pintura.

Vincent van Gogh (1889), The Starry Night. Fonte: Wikipedia
Vincent van Gogh (1889), The Starry Night. Fonte: Wikipedia

O céu noturno de Van Gogh é um campo de energia turbulenta. Abaixo das estrelas explodindo, a vila é um lugar de ordem tranquila. Conectando a terra e o céu está o cipreste em forma de chama, uma árvore tradicionalmente associada a cemitérios e luto. Mas a morte não foi ameaçadora para Van Gogh. “Olhar para as estrelas sempre me faz sonhar”, disse ele, “Por que, pergunto-me, os pontos brilhantes do céu não deveriam ser tão acessíveis quanto os pontos pretos no mapa da França? Assim como pegamos o trem para chegar a Tarascon ou Rouen, levamos a morte para alcançar uma estrela.” O artista escreveu sobre sua experiência ao irmão Theo: “Esta manhã vi o país da minha janela muito antes do nascer do sol, com nada além da estrela da manhã, que parecia muito grande”. Esta estrela da manhã, ou Vênus, pode ser a grande estrela branca à esquerda do centro em A Noite Estrelada. A aldeia, por outro lado, é inventada e a torre da igreja evoca a terra natal de Van Gogh, a Holanda. A pintura, tal como a sua companheira diurna, As Oliveiras, está enraizada na imaginação e na memória. Deixando para trás a doutrina impressionista da verdade para a natureza em favor do sentimento inquieto e da cor intensa, como neste quadro altamente carregado, van Gogh fez do seu trabalho uma pedra de toque para toda a pintura expressionista subsequente.

The Museum of Modern Art, MoMA Highlights, Nova York: The Museum of Modern Art, revisado em 2004, publicado originalmente em 1999, p. 35

A ilusão de movimento criada pelas pinceladas em espiral de Van Gogh foi comparada com escalas matemáticas de turbulência atmosférica. Os especialistas mediram com precisão o tamanho dos vórtices nas pinceladas para reconstruir a dinâmica do céu representado. Eles descobriram que o quadro reflete leis importantes da física, como a lei de Kolmogorov, que descreve a dissipação de energia em fluxos turbulentos, e a escala de Batchelor, que detalha como partículas são misturadas em fluxos maiores.

O estudo destaca que a utilização das cores, especialmente os tons de azul e amarelo, representaria a energia cinética do ar. Yongxiang Huang, coordenador da pesquisa, sugere que a precisão de Van Gogh ao retratar a turbulência pode ter origem no estudo das nuvens e da atmosfera ou em um senso inato do artista sobre o dinamismo do céu.

A obra também já foi objeto de estudos anteriores. O astrofísico Gianluca Masi e a matemática Antonella Basso, por exemplo, analisaram a pintura “Noite Estrelada sobre o Ródano”, de 1888, e identificaram a posição exata da constelação Ursa Maior no céu pintado por Van Gogh, mostrando que ele capturou o momento real em apenas meia hora.

O artigo recente reforça a ideia de que “A Noite Estrelada” vai além de uma simples expressão artística, possuindo uma correspondência precisa com fenômenos atmosféricos. O estudo mostra que Van Gogh, por meio de suas pinceladas, capturou a transição de energia entre grandes redemoinhos e espirais menores, um fenômeno complexo encontrado em sistemas atmosféricos.

Resumo traduzido do artigo:

Céus turbulentos muitas vezes inspiraram artistas, especialmente nos icônicos redemoinhos de “A Noite Estrelada”, de Vincent van Gogh. Por um longo período, houve um intenso debate sobre se o padrão de fluxo nessa obra-prima segue a teoria de turbulência de Kolmogorov. Em contraste com estudos anteriores, que examinaram apenas parte desta pintura, neste trabalho são considerados todos e apenas os redemoinhos da obra, seguindo o modelo de cascata de Richardson-Kolmogorov para a turbulência. Como resultado, o espectro de potência de Fourier da luminância exibe espontaneamente uma característica de lei de potência semelhante a Kolmogorov, com um expoente de -5/3. Esse resultado sugere que van Gogh teve uma observação muito cuidadosa de fluxos reais, de modo que não apenas os tamanhos dos redemoinhos em “A Noite Estrelada”, mas também suas distâncias relativas e intensidade seguem a lei física que rege fluxos turbulentos. Além disso, uma lei de potência semelhante a “-1” persiste no espectro abaixo das escalas dos menores redemoinhos, sugerindo uma turbulência escalar do tipo Batchelor com um alto número de Schmidt. Nosso estudo, portanto, revela a turbulência oculta capturada em “A Noite Estrelada”.

Curiosidade: “eddies” tem um uso mais técnico e está diretamente relacionado à física dos fluidos, enquanto “whirls” pode ser uma descrição mais geral de movimentos circulares. Em alguns casos, “whirls” pode se referir a um padrão visual ou artístico, enquanto “eddies” são usados para descrever o fenômeno físico em si.

Fontes

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