Síndrome do pôr do sol

Maria Auxiliadora Roggério

As expressões “síndrome do pôr do sol”, “síndrome crepuscular” ou “efeito crepúsculo”, são utilizadas para descrever um conjunto de sintomas e comportamentos que ocorrem no final da tarde e à noite, em pessoas acometidas com demência. Manifesta-se, geralmente, em comportamentos como ansiedade, agitação, confusão, perambulação e não acontece do mesmo modo para todos e em todos os contextos, pois depende do grau de demência, de como a pessoa se comportava anteriormente, de sua personalidade e dos fatores específicos que desencadeiam essas alterações comportamentais.

Pôr do sol. Foto: ViniRoger
Pôr do sol. Foto: ViniRoger

Demência (transtorno neurocognitivo maior) é um termo usado para o grupo de sintomas e sinais neurológicos que podem resultar de doenças neurodegenerativas como, por exemplo, a Doença de Alzheimer. É caracterizada por diminuição da função cognitiva que afeta o pensamento, o juízo, a memória e a capacidade para aprender e ocorre lenta e progressivamente. As pessoas com demência apresentam prejuízo substancial na funcionalidade, como dificuldades para realizar atividades, para utilizar a linguagem, perda de memória, desorientação, comportamentos inapropriados ou disruptivos e alterações de personalidade.

A síndrome do pôr do sol é uma condição multifatorial com origem incerta, mas que tem como causas prováveis a diminuição de estímulos sensoriais ao anoitecer, perda da luminosidade do dia; alteração do raciocínio e do relógio biológico; hábitos de vida e de rotina, cansaço físico e mental no final do dia; diminuição do efeito de medicamentos ingeridos no período da manhã; necessidades não satisfeitas, como fome e sede, que podem provocar irritabilidade, por dificuldade em conseguir expressá-las; dor; tédio; depressão. Alterações cerebrais podem afetar o ritmo circadiano em pessoas portadoras de demência ou com doença de Alzheimer, levando a ciclos de sono e vigília desordenados, prejudicando a produção de melatonina e a qualidade do sono, o que pode resultar em inquietação, confusão, irritabilidade e demais comportamentos relacionados à síndrome. Estresse do cuidador também pode ser um fator impactante.

Os sintomas causam perturbação e perda de qualidade de vida nos pacientes, nos cuidadores e familiares. Os portadores de variadas demências podem ser afetados pela síndrome do pôr do sol, sendo mais frequente observada no estágio moderado da doença de Alzheimer. Geralmente, a síndrome do pôr do sol é uma condição que indica uma piora do quadro demencial.

Os sintomas atingem três dimensões:

  • dimensão cognitiva: confusão mental, desorientação no tempo e no espaço, confundir identidades das pessoas e lugares, delírios.
  • dimensão afetiva: ansiedade, agressividade, mudanças de humor, instabilidade emocional, choro, medo e outras alterações do afeto.
  • dimensão comportamental: inquietação, perambulação, estereotipias, mudanças bruscas de atitude, dificuldade em conciliar o sono, ocultação de objetos.

O indivíduo pode apresentar-se muito confuso, não reconhecer familiares ou pessoas de seu convívio diário, não reconhecer sua casa, vagar pelos cômodos, pedir para ir embora ou sair pela rua e perder-se, ficar agitado, agressivo, irritado.

Não consegue raciocinar ou falar com clareza, pode perder o controle, tornar-se agressivo com os outros e consigo mesmo, começar a gritar; quando em dificuldade para dormir, pode falar, gritar ou chorar à noite, andar de um lado para o outro; ter alucinações; aumentam os riscos de quedas e a dificuldade em alimentar-se.

A introdução de novos medicamentos, doenças não detectadas, falta de óculos ou de próteses auditivas e a exaustão do dia constituem fatores individuais de risco que podem ocorrer em associação aos demais fatores de risco, como mudanças no padrão do sono ou insônia, alcoolismo, hiperestimulação ambiental, conteúdos televisivos violentos ou agressivos, locais estranhos, ambiente em desordem, bagunçado, iluminação precária.

Algumas mudanças comportamentais e estratégias podem ajudar a lidar com o indivíduo em sofrimento, proporcionando-lhe melhor qualidade de vida e contribuindo para menor sobrecarga e desgaste emocional do cuidador:

  • estabelecer uma rotina diária e buscar a regularidade, sem forçar; por exemplo: despertar, higiene, medicação, alimentação, exercícios físicos ao longo do dia, lazer, sono, etc;
  • oferecer alimentos e água com periodicidade, evitar bebidas estimulantes próximo ao entardecer; preferir ofertar chás calmantes em vez de café ou refrigerantes e doces;
  • checar várias vezes ao dia se está bem, precisando ir ao banheiro ou trocar fraldas, se sente algum desconforto físico;
  • permitir um breve cochilo à tarde, para que a pessoa possa restaurar o equilíbrio, sem prejuízo do sono noturno;
  • manter o ambiente organizado e seguro, diminuir ruídos e atividades estimulantes ao entardecer e à noite (TV, rádio, sons de conversas, músicas muito agitadas, etc.); preferir conteúdo televisivo não violento/agressivo (pois pode ser vivenciado como experiência real, pessoal), músicas suaves e sons relaxantes, e leitura de livros;
  • proporcionar contato com luz solar ao menos de manhã, ambientes bem iluminados durante o dia e principalmente ao anoitecer, por conta da diminuição de estímulos sensoriais; no quarto, manter uma temperatura adequada e deixar uma luz fraca, para não confundi-lo, caso desperte no meio da noite;
  • planejar atividades – distrações leves, caminhada leve perto da casa, massagem de conforto – principalmente para os horários em que os sintomas costumam se manifestar, evitando estímulos estressantes no final do dia;
  • não o restringir fisicamente e, sempre que possível, oferecer companhia para algo que ele sempre gostou de fazer, como ir a algum passeio, examinar objetos pessoais, preparar algum alimento, dançar. Atividades simples e curtas, respeitando sua vontade de parar quando quiser e cuidando para que não sejam extenuantes;
  • estar atento às infecções, especialmente a urinária, cujos sintomas podem ser agitação ou confusão mental e mudanças no comportamento, confundindo-se com a síndrome;
  • na medida do possível, respeitar preferências pessoais, como as alimentares e o uso de certas roupas, por exemplo, bem como outras atividades cotidianas;
  • tentar descobrir quais gatilhos ambientais podem estar desencadeando os sintomas.

Ao comunicar-se, “escutar” o indivíduo em suas queixas. Demonstrar preocupação com sua aflição, procurar tranquilizá-lo e afastá-lo de situações estressantes e causadoras dos sintomas. Manter expressão acolhedora, sorriso amigável, evitar falas ríspidas e movimentos bruscos que podem ser interpretados como agressão. Pelo mesmo motivo, não segurar a pessoa quando ela estiver muito agitada ou agressiva, a menos que possa comprometer sua integridade física (avaliar a situação).

Compartilhe :)

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.