Previsão de irradiância solar na Amazônia

Imagine tentar prever o comportamento do sol em uma das regiões mais imprevisíveis do planeta: a Amazônia Central. Essa tese de doutorado trabalhou com esse desafio e trouxe descobertas importantes para quem trabalha com energia solar e Meteorologia.

Ilustração de nuvem gerando sombra em superfície (gerada por IA)
Ilustração de nuvem gerando sombra em superfície (gerada por IA)

O foco do estudo foi entender e prever, com poucos minutos de antecedência, a quantidade de luz solar que chega ao solo — a chamada irradiância solar global (GHI, sigla para Global Horizontal Irradiance). Isso é essencial para o funcionamento de painéis solares, que dependem da luz do sol para gerar energia. Além disso, foram estudadas as relações entre tipos de nuvens, cobertura de nebulosidade, variabilidade e valores extremos de iluminação solar, fundamentais para a análise e verificar a qualidade das previsões.

Como foi feito o estudo

Para monitorar o céu, foi usada uma câmera chamada “all sky”, que fotografa o céu inteiro, e um equipamento que mede a GHI, chamado piranômetro. Os tipos de nuvens foram classificados automaticamente através da combinação de dados de outros equipamentos que coletavam informações da porção mais alta do céu. Com os dados de GHI, foi criado um novo índice chamado DAOI (sigla em inglês para Índice Dinâmico Agregado de Sobreirradiância), que permite identificar e quantificar padrões de sobreirradiância ao longo do dia e do ano.

O papel das nuvens

Na Amazônia, o céu muda rápido. Nuvens mudam de lugar, aparecem e desaparecem em minutos, criando flutuações bruscas na luz solar. Às vezes, durante essas mudanças também ocorre o fenômeno da sobreirradiância: quando a luz solar fica mais intensa do que o esperado por causa do espalhamento da luz pelas nuvens, além da concentração de raios de luz por cristais de gelo e gotículas. A pesquisa mostrou que:

  • Ciclo diurno bem definido: Nuvens baixas predominam entre 5h da manhã e 3h da tarde (hora local), enquanto cirrus dominam à noite. Isso reflete o padrão típico de convecção na Amazônia.
  • Influência sazonal e climática: Em 2015, houve menos nuvens verticalmente desenvolvidas, o que foi atribuído ao El Niño e à presença de aerossóis, que dificultam o crescimento vertical das nuvens.
  • Nuvens baixas são protagonistas: Elas são as principais responsáveis por eventos de sobreirradiância e por variações bruscas na luz solar. Sua geometria e espessura óptica favorecem o espalhamento e concentração da luz.
  • Cumulus congestus causam rampas intensas: Esse tipo de nuvem vertical gera sombreamentos abruptos e grandes variações de irradiância, por estar próximo da superfície e ser mais opaco.
  • Cirrus e altocumulus também participam: Embora menos eficientes, esses tipos de nuvens aumentam sua frequência durante eventos de sobreirradiância, especialmente quando a irradiância ultrapassa 1000 W/m².
  • Menor presença de nuvens profundas nos eventos: Nuvens como as de convecção profunda aparecem menos nos episódios de sobreirradiância, possivelmente por limitações da metodologia usada, que não considera nuvens longes do zênite (porção mais alta do céu).
  • Duração dos eventos é geralmente curta: A maioria dos episódios de sobreirradiância dura pouco tempo, com quedas rápidas na frequência conforme a duração aumenta.
  • Variabilidade e tipo de nuvem: quando nuvens baixas e mais densas passam em frente ao sol, elas causam quedas e picos rápidos de luz — são sombras muito fortes porque estão perto da superfície e bloqueiam bastante os raios. Já nuvens altas e finas, como os cirrus, provocam mudanças mais suaves na intensidade solar, apesar de às vezes gerarem variações maiores dependendo do ângulo do sol e do formato dessas nuvens.
  • Oscilações mais intensas ao meio-dia: A maior variabilidade intradiária ocorre nesse período, com assimetria vespertina, indicando que o início da tarde é o momento mais instável em termos de luz solar.

Inteligência artificial na previsão

Foram usados modelos de inteligência artificial — redes neurais treinadas com algoritmos genéticos — para prever a irradiância solar com até 60 minutos de antecedência a cada 2 minutos. Mesmo com poucos dados de entrada, os modelos conseguiram prever com boa precisão os momentos de maior variação solar, especialmente nos primeiros 20 a 30 minutos. O modelo mais eficiente conseguiu detectar eventos de sobreirradiância com alta precisão, mesmo em dias com céu variável — algo muito difícil de fazer em regiões tropicais.

Essas previsões são valiosas para:

  • Operar sistemas de energia solar com mais eficiência.
  • Evitar sobrecargas ou quedas bruscas de energia.
  • Planejar melhor o uso de eletricidade em regiões com alta variabilidade solar.

Além disso, o estudo ajuda a entender melhor como a meteorologia tropical afeta o aproveitamento do recurso solar, algo que ainda é pouco explorado na ciência.

A seguir, está a apresentação realizada para a defesa de tese de doutorado, com o resumo abaixo. O trabalho completo estará em breve disponível na biblioteca do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), acessível por esse link.

Resumo da tese

Este estudo investigou a caracterização e a previsão de irradiância solar (GHI) em curtíssimo prazo na Amazônia Central, utilizando medidas de irradiância em superfície e estimativas de fração de cobertura de nuvens a partir de uma câmera all sky. Foram realizadas análises descritivas das variáveis envolvidas, verificando-se que a variabilidade está positivamente correlacionada com o número de eventos de sobreirradiância e que nuvens baixas são as principais responsáveis por eventos intensos de sobreirradiância e rampas abruptas de GHI, dentro da metodologia proposta. Foi proposta uma nova métrica (o Índice Dinâmico Agregado de Sobreirradiância, DAOI), capaz de capturar padrões temporais em nível de minuto, diário e anual associados à dinâmica das nuvens. Modelos autorregressivos não lineares com entradas exógenas (NARX) foram utilizados, implementados com redes neurais artificiais e otimizados por meio de algoritmos genéticos multiobjetivo (MOGA), com diferentes restrições e combinações de variáveis de entrada. Os modelos superaram a linha de base da persistência, com reduções de RMSE de até 32,5% nos primeiros 10 minutos de previsão, mesmo utilizando significativamente menos informações de entrada do que estudos anteriores – um desafio ampliado pelas características atmosféricas da região tropical. O modelo com melhor desempenho na previsão de GHI em curtíssimo prazo apresentou alta habilidade na detecção de eventos de sobreirradiância, especialmente sob condições de céu variável, mantendo desempenho confiável por até 20–30 minutos à frente (medida-F1 média de 0,65 nesse intervalo). Esses resultados contribuem para o avanço da previsão de variabilidade solar em escalas sub-horárias, com implicações relevantes tanto para a meteorologia aplicada quanto para o planejamento e operação de sistemas fotovoltaicos.

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