O samaritano e o cireneu

Por Paulo Roberto Roggério

Seguramente, a expressão “o bom samaritano” é bastante conhecida e compreendida, mesmo para além da cristandade, significando, sem qualquer divergência de interpretação, uma boa pessoa, sempre pronta a auxiliar o seu próximo.

A parábola do “bom samaritano” é descrita no Evangelho de São Lucas (Lc, 10, 25-37), nestas palavras:

Um doutor da Lei se levantou e, querendo experimentar Jesus, perguntou: “Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?” Jesus lhe disse: “Que está escrito na Lei? Como lês?” Ele respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com todo o teu entendimento; e teu próximo como a ti mesmo!” Jesus lhe disse: “Respondente corretamente. Faze isso e viverás”.

Ele, porém, querendo justificar-se, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?” Jesus retomou: “Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes. Estes arrancaram-lhe tudo, espancaram-no e foram-se embora, deixando-o quase morto. Por acaso, um sacerdote estava passando por aquele caminho. Quando viu o homem, seguiu adiante, pelo outro lado. O mesmo aconteceu com o levita: chegou ao lugar, viu o homem e seguiu adiante, pelo outro lado. Mas um samaritano, que estava viajando, chegou perto dele, viu, e moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele e tratou-lhe as feridas, derramando nelas óleo e vinho. Depois, colocou-o em seu próprio animal e o levou a uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, pegou dois denários e entregou-os ao dono da pensão, recomendando: “Toma conta dele! Quando eu voltar, pagarei o que tiveres gasto a mais”. Na tua opinião – perguntou Jesus – qual dos três foi o próximo do homem que caiu na mãos dos assaltantes? Ele respondeu: “Aquele que usou de misericórdia para com ele”. Então Jesus lhe disse: “Vai e faze tu a mesma coisa”.

As personagens centrais da parábola são: o sacerdote, o levita e o samaritano, e o dono da pensão que acolhe o ferido. O homem que foi assaltado e os assaltantes concluem a lista das personagens.

Na parábola do bom samaritano, são comparadas as posturas do sacerdote, do levita e do samaritano, cada qual a seu tempo, em razão do homem que fora assaltado e machucado.

O sacerdote e o levita, pelas funções que desempenhavam, tinham o dever de socorrer o homem ferido, mas passaram ao largo. O samaritano, porém, tomado de compaixão pelo seu próximo, socorreu o homem, prestou-lhe os primeiros socorros e ainda o deixou em uma pensão, onde ficou sob os cuidados do dono da pensão. Este último também mostrou misericórdia, acolhendo o homem assaltado.

O termo samaritano significa o habitante ou natural de Samaria, cidade que foi, durante certo período de tempo, a capital do Reino do Norte, ou Israel, cidade que deve seu nome a Somer, antigo proprietário da colina onde foi erigida a cidade.

Simon of Cyrene helps Jesus to carry his cross (Luke 23:26). Fonte: Linda Roberts

Outro termo das Sagradas Escrituras que deriva da cidade de origem da personagem é cireneu, ou seja, natural de Cirene, cidade então localizada onde hoje se situa a Líbia.

A expressão se tornou conhecida porque Simão de Cirene foi obrigado pelos soldados romanos a ajudar a carregar a cruz de Jesus. Os Evangelhos de São Mateus, São Lucas e São Marcos relatam. Do Evangelho de São Marcos (Mc 15,21):

Os soldados obrigaram alguém que lá passava, voltando do campo, Simão de Cirene, pai de Alexandre e de Rufo, a carregar a cruz.

E não é pouco ajudar Jesus, o Cristo, a carregar a sua cruz.

Em linguagem bastante clara, a Igreja Católica nos diz que, para entrar no reino dos céus, é preciso tomar e carregar a própria cruz de cada dia, isto é, assumir os deveres e responsabilidades da vida diária, os problemas e os cuidados de cada dia.

Jesus Cristo, Deus verdadeiro e Homem verdadeiro, mostrou a todos esta verdade quando, na via crucis, o peso parecia excessivo a um ser humano, de modo que alguém, além de sua própria cruz, deveria ajudar outro a carregar sua cruz durante certo período, seja para concluir a travessia, seja para aliviar o peso sobre os ombros do próximo.

A interpretação teológica desses dois acontecimentos requer necessário aprofundamento, e por vezes nos assalta dúvida interior de quem é o nosso próximo, isto é, se devemos ajudar, ou não, ou a quem desejamos ajudar.

Todos nós temos pessoas próximas no sentido geográfico do termo: nossos familiares. Há os que residem na mesma casa, como o marido ou a mulher, os filhos, os pais. Mas há também os parentes próximos que residem em outra cidade ou outro estado. A proximidade, então, não é física, isto é, não se mede pela proximidade ou pela distância, mas pelos laços que nos unem sem nos limitar no espaço e no tempo.

Podemos dilatar a compreensão de próximo para aqueles que conosco tem relações diretas, pela vida comunitária: os vizinhos, os amigos de trabalho ou colegas de escola, os companheiros de diversões.

Se alargarmos ainda mais os critérios para definir quem é o nosso próximo, podemos chegar a um ponto limítrofe, a partir do qual o significado transcende a nossa compreensão, pois, afinal, todos são próximos porque Deus nos considera todos seus filhos.

E, ao assim pensar, a equação encontrou sua solução: não há mais dúvida do que seja “amar o próximo”, pois, se todos são próximos por um ou outro critério, devemos amar a todos. O que difere é o grau de proximidade, pois nossos laços serão mais fortes com os parentes e os amigos que se encontram em uma relação de proximidade afetiva mais forte conosco.

Ainda, a possibilidade de intervir: o sacerdote e o levita, que tinham por obrigação ajudar o homem assaltado, nada fizeram, enquanto o samaritano, que cumpria um caminho, e sem conhecer o homem machucado, ajudou-o sem perguntar se teria alguma proximidade ou parentesco com a vítima. Não pensou duas vezes: ajudou incontinenti o homem necessitado. Quando assim fazemos, proporcionando ajuda a alguém necessitado, estamos externando nossa em obras.

O cireneu é aquele que ajudou um próximo: Nosso Senhor Jesus Cristo. O Filho de Deus, vindo a nós como homem, sujeitou-se às limitações físicas da vida humana. O peso da cruz e os castigos com que os soldados o fustigaram antes e durante a via crucis eram excessivos.

Os soldados romanos obrigaram Simão de Cirene a ajudar Jesus a levar sua cruz até o Gólgota, pelo que os evangelistas mostram que, por vezes, devemos ajudar a carregar a cruz de alguém.

Os conceitos de amar o próximo e ajudar a carregar a cruz se mesclam, até certo ponto: devemos amar o próximo ou ajudá-lo a carregar a cruz? A resposta a esta pergunta só não permite a opção “nenhuma das alternativas”, porque, ao sermos chamados, devemos ajudar ou até carregar a cruz em uma parte do caminho.

Devemos ser samaritanos ou cireneus?

No amplo espectro das necessidades humanas: as vicissitudes da vida diária, as dificuldades de saúde, o desejo de que a administração pública do país tenha êxito em suas decisões para minorar os problemas econômicos e sociais, e a paz entre os irmãos no mundo todo, a resposta é de que devemos ser ora samaritanos, ora cireneus. Jamais indiferentes.

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