Um dos maiores sucessos de Isaac Asimov, o livro “O fim da eternidade” (de 1955) consegue inverter o conceito de tempo com espaço e formar um dos melhores livros de ficção científica e de viagens no tempo. Aviso que seguem revelações sobre a história (post repleto de spoilers).
A história é baseada em uma organização que monitora e controla eventos em diferentes períodos da história da humanidade: a Eternidade. Seus integrantes são chamados de Eternos (mas não vivem para sempre), sendo divididos conforme suas funções: computadores (os “chefes”), técnicos (realizam as mudanças no tempo), observadores (devem observar detalhes de um período para alimentar de informações os computadores e avaliar a mudança a ser realizada), manutenção, aprendizes, etc. O período em que cada evento ocorre é mencionado pelo seu século (por exemplo, a maior parte da história passa-se no século 575).
Andrew Harlan é um Eterno, membro dessa classe dominante do futuro. Seu trabalho é viajar pelos séculos monitorando e alterando realidades, corrigindo assim os “erros dos homens”. Lembra um pouco aquelas histórias de governos repressores que sempre desejam moldar a sociedade para que somente ocorra o que deseja a classe dominante – no caso, paz na humanidade.
O protagonista se move através dos séculos com a mesma facilidade com que nós atravessamos portas. Cada alteração, cada acontecimento influencia outro e outro e outro. Por exemplo, quando algo errado acontece em algum momento do tempo, uma alteração mínima é estudada, observada e se não houver consequências mais drásticas através dos séculos, ela é aplicada. A respeito da “ética” nas mudanças, dá pra ter uma ideia do que pensam quando é comentado que “é costume deles, e nós nunca brigamos com os costumes de nenhuma cultura, enquanto não prejudicarem seriamente a humanidade como um todo”.
Tudo vai bem até o dia em que ele conhece a atraente Noÿs Lambent e abandona a razão, tão valorizada em sua criação, para se entregar à paixão. Isso acontece no século 482, quando Harlan atua como um observador e passa uns dias com Noÿs. Seu supervisor, Twissell, “sequestra” a moça para que Harlan cumpra sua missão: fazer com que seu aprendiz, Cooper, volte no tempo e ensine os princípios que tornam possível as viagens no tempo ao próprio inventor desses princípios: Vikkor Mallansohn.
O que acaba acontecendo é que Mallansohn não aprende nada e morre, e Cooper assume seu lugar como Mallansohn e inventor. Isso estava escrito no diário de Mallansohn e deveria ser seguido para continuar o círculo de eventos da história. Mas Harlan faz Cooper voltar um pouco mais no tempo do que deveria, causando uma ameaça à manutenção da Eternidade. Somente quando volta a ficar com Noÿs é que começa a consertar as coisas.
Outra reviravolta na história acontece justamente com a verdadeira identidade de Noÿs. O período que antecede a invenção das viagens no tempo é chamado de “tempo primitivo” (por exemplo, o século 20) e além do século 100.000 é verdade o acesso – não se “interessam” para além do século 70.000. Twissel (e outros) tem medo que a raça humana tenha evoluído para uma outra raça mais poderosa, mas Harlan discorda, pois não imagina alguma forçante suficiente para promover a evolução da espécie humana. Mas no final descobre que Noÿs vem de um desses “séculos ocultos” e que deseja destruir a Eternidade.
O que Noÿs planeja é voltar ao passado primitivo para fazer com que a humanidade descubra a fissão nuclear já no século 20, em vez do século 24. Desse modo, o homem empregará essa energia para desenvolver as viagens espaciais e conquistar as galáxias, formando um Império Galático. Assim, os esforços não seriam empregados em viagens no tempo. Nessa hora, não pude deixar de notar duas coisas: graças a essa ação, temos o presente na Terra da forma como é e também torna possível a formação do Império que é contado na saga Fundação, do mesmo autor.
No final, Noÿs convence Harlan a não matá-la e seguir o plano, dizendo “Você entende? Venha até a abertura da caverna comigo”. Na hora, lembrei do mito da caverna, do Platão, em que as pessoas vivem prisioneiras em uma caverna, acorrentadas de costas para a entrada, e acham que o mundo resume-se às sombras vistas na parede, vivendo na ignorância. Ao sair da caverna, descobre um novo mundo e sai de uma situação em que era manipulado para alterar a realidade da história humana. Um bom resumo dessa ideia está no próprio livro:
“Ao eliminar os desastre da Realidade – disse Noÿs –, a Eternidade exclui também os triunfos. É enfrentando as grandes dificuldades que a humanidade consegue alcançar com mais êxito os grandes objetivos. É do perigo e da insegurança que surge a força que impulsiona a humanidade para novas e grandiosas conquistas. Você consegue entender isso? Consegue entender que, ao afastar as armadilhas e vicissitudes que perseguem o homem, a Eternidade não deixa que ele encontre suas próprias soluções, boas e amargas, soluções reais que chegam quando a dificuldade é enfrentada, não evitada?”
A seguir, um audiodrama com “A última pergunta”, um conto de Asimov sobre como seriam os próximos estágios de desenvolvimento da humanidade e a resposta para uma grande pergunta da natureza e da disponibilidade de energia: “é possível reverter a entropia?”. Em termodinâmica, entropia é a medida de desordem e irreversibilidade das partículas em um sistema físico. Conforme a segunda lei da termodinâmica, trabalho pode ser completamente convertido em calor (energia térmica), mas energia térmica não pode ser completamente convertida em trabalho – ou seja, você não veria um copo quebrado se reagrupando espontaneamente em um copo novo. De certa forma, ela pode indicar o sentido no tempo em que ocorre um fenômeno.
Interessante notar no conto como a pergunta ganha importância conforme sua importância cresce no destino do universo, assim como o final surpreendente e polêmico.
Veja mais sobre a saga Fundação e Isaac Asimov clicando no link.
2 comments