Energia elétrica a partir da umidade do ar

Apesar do sensacionalismo de alguns sites anunciando que descobriram uma forma de se “gerar eletricidade do nada”, pesquisadores desenvolveram um dispositivo baseado em nanofios eletricamente condutivos capazes de adsorver vapor de água a partir da atmosfera, o que por sua vez permite gerar uma corrente elétrica contínua entre dois eletrodos.

Imagens de microscopia eletrônica da rede de nanofios purificada (painel direito) produzida pelo microorganismo Geobacter sulfurreducens (forma escura no painel esquerdo) - barras de escala 100 nm; abaixo, diagrama da estrutura do dispositivo. Fonte: Liu et al. (2020)
Imagens de microscopia eletrônica da rede de nanofios purificada (painel direito) produzida pelo microorganismo Geobacter sulfurreducens (forma escura no painel esquerdo) – barras de escala 100 nm; abaixo, diagrama da estrutura do dispositivo. Fonte: Liu et al. (2020)

Esse dispositivo, chamado de “Air-gen”, foi desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Massachusetts em Amherst (EUA), cujo estudo foi publicado na revista Nature em 2020. A tecnologia é baseada no fenômeno natural de uma bactéria, Geobacter sulfurreducens, descoberta décadas atrás nas margens barrentas do rio Potomac, nos EUA. Mais tarde, descobriram que o organismo podia produzir nanofios que conduziam eletricidade.

O Air-gen consiste em um filme fino de nanofios de proteína medindo apenas 7 micrômetros de espessura, posicionado entre dois eletrodos e exposto ao ar. Devido à exposição ao ar, o filme é capaz de adsorver vapor de água a partir da atmosfera, o que por sua vez produz um gradiente de voltagem no dispositivo e gera uma corrente elétrica contínua entre os dois eletrodos. Adsorver é a capacidade de moléculas de um fluido aderirem a uma superfície sólida. Assim, a exposição à umidade atmosférica é essencial.

Em estudos anteriores, pesquisadores geraram energia hidrovoltaica usando outros tipos de nanomateriais como o grafeno, mas estas tentativas produziram apenas rajadas curtas de eletricidade, de cerca de alguns segundos. Já o “Air-gen” produz uma tensão sustentada de cerca de 0,5 volts, com uma densidade de corrente de cerca de 17 microamperes por centímetro quadrado.

Até então, uma das limitações da tecnologia é a quantidade de nanofios que essa espécie de bactéria é capaz de produzir – e assim aumentar a quantidade de energia que pode ser gerada. O microbiologista Derek Lovely, que identificou a bactéria pela primeira vez nos anos 1980, começou a conduzir uma pesquisa na qual modifica geneticamente organismos como o E. coli para desempenhar a mesma tarefa de forma massiva.

Novidades: agora pode qualquer material

Com a continuidade dos trabalhos desde 2020, a equipe publicou um artigo na Advanced Materials em 2023. Sua pesquisa mostrou que quase qualquer material pode se tornar um dispositivo capaz de captar eletricidade a partir da umidade. Para conseguir isso, passaram dos nanocabos para perfurações diminutas. A chave está em incorporar nanoporos com um diâmetro inferior a 100 nanômetros, menos de um milésimo do diâmetro de um fio de cabelo humano.

Uma analogia para entender o fenômeno é dado através das nuvens. Nas palavras do autor sênior do estudo, Jun Yao, “o ar contém uma enorme quantidade de eletricidade. Pense em uma nuvem, que não passa de uma massa de gotas de água. Cada uma dessas gotas contém uma carga e, quando as condições são adequadas, a nuvem pode produzir um raio, mas não sabemos como capturar a eletricidade de um raio de forma confiável. O que fizemos foi criar uma nuvem em pequena escala construída pelo homem que produz eletricidade de forma previsível e contínua para que possamos colhê-la”.

Os pesquisadores usam nanoporos de 100 nm porque esse é o “caminho livre médio” das moléculas de água, a distância que uma molécula percorre antes de colidir com outra semelhante. O que eles propõem é usar uma camada cheia de nanoporos que permitam que as moléculas de água passem da parte superior para a inferior. Como a primeira camada recebe o “bombardeio” de mais moléculas carregadas do que a interface selada inferior, cria-se um desequilíbrio de cargas, como em uma nuvem ou em uma bateria. As análises das propriedades dos materiais e das saídas elétricas levam a um modelo de “capacitor com vazamento” que pode descrever como a eletricidade é coletada e prever comportamentos atuais consistentes com os experimentos.

Como a umidade do ar é um fenômeno meteorológico comum, o “Air-gen” pode funcionar 24 horas por dia, 7 dias por semana, dia ou noite, em quase qualquer clima. Menos umidade, porém, significaria menos energia poderia ser colhida, acrescentou. Os invernos, com ar mais seco, produziriam menos energia do que os verões.

Por enquanto, um protótipo produz apenas uma pequena quantidade de energia por causa de seu tamanho – quase o suficiente para alimentar um ponto de luz em uma tela grande. No entanto, os dispositivos poderiam ser empilhados uns sobre os outros aos milhares e 1 bilhão deles (ocupando o espaço de uma geladeira) seriam capazes de gerar mais de 1 quilowatt de energia por metro cúbico de espaço. Uma das possibilidades é que ela seja acoplada a tintas de parede e seja instaladas em espaços ociosos nas cidades.

As pesquisas continuam. Os cientistas primeiro devem descobrir qual material seria mais eficiente para usar em diferentes climas. Eventualmente, Yao disse que espera desenvolver uma estratégia para tornar o dispositivo maior sem bloquear a umidade que pode ser capturada. Ele também quer descobrir como empilhar os dispositivos uns sobre os outros de forma eficaz e como projetar o “Air-gen” para que o dispositivo do mesmo tamanho capture mais energia.

Fontes

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