Breadcrumbing: uma tática de manipulação

Maria Auxiliadora Roggério

Em uma sociedade cada vez mais virtualizada e imediatista, a efemeridade dos relacionamentos fica em evidência. Os vínculos amorosos tornam-se voláteis, refletindo-se em relações que passam a ser valorizadas pela curta duração e a menor implicação de qualquer tipo de compromisso.

A conveniência e a rapidez com que as pessoas podem se conectar digitalmente transformou a comunicação interpessoal. A facilidade em enviar mensagens, emojis e figurinhas pode demonstrar um interesse genuíno pela outra pessoa ou esconder o que realmente sente, levando a comportamentos manipuladores nos relacionamentos.

De tempos em tempos, surgem novas nomenclaturas para descrever comportamentos e práticas nos relacionamentos amorosos, especialmente entre os mais jovens. Os novos termos servem para descrever experiências que as novas gerações estão vivenciando com seu olhar, embora não se tratem de experiências totalmente novas, mas vividas de maneiras diferentes.

Bread for birds. Fonte: Flickr/Gilles San Martin
Bread for birds. Fonte: Flickr/Gilles San Martin

Uma dessas práticas, que também ocorre fora da internet, é a descrita como Breadcrumbing (migalhas emocionais/afetivas, no sentido figurado). Trata-se de um comportamento manipulativo em que uma pessoa – conhecida como breadcrumber – alimenta o parceiro com pequenas doses (migalhas) de atenção para mantê-lo sob seu domínio dentro da relação, preso à esperança de que o relacionamento possa avançar. Esse tipo de comportamento sempre existiu, mas nos relacionamentos em redes sociais e aplicativos ficou mais corriqueiro e fácil de ser notado.

Você já se sentiu como o “maior abandonado” da canção de 1984 da banda de rock Barão Vermelho, implorando por migalhas emocionais em algum relacionamento? Diz a letra:

“(…)Eu tô pedindo a tua mão e um pouquinho do braço/
Migalhas dormidas do teu pão/Raspas e restos me interessam/
Pequenas porções de ilusão/ Mentiras sinceras me interessam, me interessam/
Eu tô pedindo a tua mão/Me leve para qualquer lado/
Só um pouquinho de proteção/Ao maior abandonado/
Teu corpo com amor ou não/Raspas e restos me interessam(…)”.

O breadcrumber geralmente é alguém que tem dificuldade de se comunicar e de lidar com seus sentimentos mas, às vezes, trata-se de uma pessoa narcisista. Encontra em relacionamentos online a possibilidade de ocultar os verdadeiros sentimentos, as reais intenções e mantém relacionamentos superficiais. No início, são muitos elogios, para atrair o outro. Para conquistar costuma ser exagerado, declarando precocemente seu amor, compartilhando intimidades e manifestando um falso interesse por algo mais sério, como morar juntos. Depois, passa a agir de modo contraditório; o que diz e a forma de agir dão a ideia de que algo está errado. Deixa sinais intermitentes de interesse sentimental para que a pessoa não desista, sem que precise envolver-se em compromisso. A vítima fica confusa, sentido-se traída, emocionalmente dependente, o que confere ao breadcrumber a sensação de poder e de controle sobre a situação. O manipulador evita promessas sérias sobre o relacionamento. A comunicação ocorre apenas para manter acesa a chama de algum compromisso – que nunca acontecerá, já que sua intenção não é a de assumir qualquer responsabilidade afetiva.

Atos aparentemente românticos podem ser manifestações de comportamento manipulativo, comuns em relacionamentos abusivos, e denunciar personalidade com características narcísicas.

A prática de distribuir migalhas de esperança, isto é, apenas um pouco de atenção, o suficiente para manter a vítima subjugada, provoca exaustão emocional, podendo levar a transtornos ansiosos, depressão e a desconfiar de novos parceiros no futuro. Pode, inclusive, torná-la propensa a agir como o manipulador.

Quem se comporta distribuindo migalhas pode sentir a necessidade de valorização pessoal e, ter alguém a seu lado, sob seu controle, pode suprir essa dependência. Assim, atua alimentando no parceiro a expectativa de que o relacionamento poderá progredir e tornar-se algo mais sério.

Evita encontros presenciais e falar sobre sentimentos e planos para o futuro. Prefere comunicar-se pelas redes sociais e não responder as mensagens. Distancia-se quando o parceiro tenta expressar seus sentimentos mais profundos e permanece muitos dias sem contato. Quando retoma o contato é por conveniência própria, para aplacar momentos de solidão ou elevar sua autoestima; satisfeito, desaparece novamente.

O que esse tipo de comportamento, de aceitar menos do que merece ou, na outra ponta, ser o abusador e gostar de oferecer migalhas pode revelar sobre as experiências afetivas primordiais e a forma como nos constituímos?

Esse tipo de comportamento parece estar intimamente ligado ao desenvolvimento do apego na infância. A natureza do apego aprendido (seguro, inseguro, ansioso) e a vivência familiar contribuem na estruturação da personalidade e exercem influência nos relacionamentos futuros (saudáveis ou com dependência emocional).

Podem ser maneiras de mascarar questões não resolvidas e inseguranças que já se encontravam presentes no sistema social ou familiar da pessoa, como abandono, exclusão e manipulação. Uma repetição inconsciente de padrões de infância ou outras relações, nas quais tenha sido invisibilizado. Isso resulta em adultos carentes e inseguros, cada vez mais desconectados de si e do outro, mais solitários, ansiosos, com dificuldades em criar vínculos fortes.

Para entender mais sobre o que nos leva a escolher determinadas pessoas para nos relacionarmos amorosamente e porque não conseguimos nos desvencilhar de relacionamentos tóxicos, abusivos, bem como alguns caminhos para superação e crescimento, sugiro a leitura de:

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