Chuva ultra-localizada

Existem muitos relatos na internet (de redes sociais, passando por sites de notícias até a IA do Google) falando sobre um vídeo em que teria ocorrido o fenômeno de chuva ultra-localizada, que seria um fenómeno meteorológico raro em que a precipitação cai sobre uma área extremamente pequena, por vezes do tamanho de uma pessoa ou um carro, enquanto o resto da área circundante permanece seco. No entanto, isso “non ecziste” – e a explicação do vídeo está no final do texto.

Cenas do vídeo viral que afirmam se tratar de chuva localizada. Fonte: divulgação
Cenas do vídeo viral que afirmam se tratar de chuva localizada. Fonte: divulgação

Na atmosfera livre, uma célula de chuva não consegue manter-se confinada a uma área tão pequena quanto a sombra de uma pessoa (∼1 m²) ou de um carro (∼10 m²), devido aos processos de mistura turbulenta, difusão de vapor e transporte de gotículas em correntes de ar. A chuva convectiva pode se concentrar em áreas muito pequenas (tipicamente centenas de metros a poucos quilômetros de extensão), produzindo intensidades de precipitação excepcionalmente altas em curtos períodos (minutos a poucas horas) e deixando áreas circundantes praticamente sem chuva.

A menor escala em que a turbulência atmosférica dissipa energia é o microscala de Kolmogorov (∼1 mm a alguns centímetros). Mas as correntes ascendentes e descendentes em nuvens convectivas operam em escalas muito maiores (10 m a 1000 m), levando o vapor e as gotículas a se espalharem antes de coalescerem em gotas de chuva.

Para cada gota de chuva que chega ao solo, centenas de milhares de microgotículas se aglutinaram no interior da nuvem. Esse processo de coalescência exige que um volume mínimo de nuvem, já instável a convecção, persista por tempo suficiente (minutos) e em dimensão suficiente (centenas de metros), para que as gotículas cresçam até 0,5–5 mm de diâmetro.

Nuvens cumulonimbus e cumulus congestus têm núcleos de precipitação tipicamente entre 500 m e 5 km de diâmetro. Mesmo em tempestades “isoladas”, as células de chuva têm dimensões que variam dentro dessa faixa, porque os fluxos ascendentes e descendentes se espalham lateralmente conforme evoluem.

Quanto ao vídeo propagado pela internet, existe um corte bem no momento que vai mostrar a origem do fluxo de água. Observando o vídeo original sem corte, é possível observar um vazamento de um duto aéreo de transporte de água. A explicação e o vídeo completo podem ser vistas no perfil O Astronauta Urbano.

Fontes

  • Houze, R. A. Jr. (2014). Cloud Dynamics. Academic Press.
  • Schmidt, G. A., & Cotton, W. R. (1990). Small-scale variability of precipitation and its representation in numerical models. Journal of the Atmospheric Sciences, 47(17), 2109–2125.
  • Pruppacher, H. R., & Klett, J. D. (1997). Microphysics of Clouds and Precipitation. Kluwer Academic Publishers.

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