Antonio Vivaldi (1678–1741) foi um dos mais importantes compositores do período Barroco e é amplamente reconhecido por sua contribuição à música instrumental e operística. Conhecido como “Il Prete Rosso” devido à sua condição de padre e seus cabelos ruivos, Vivaldi nasceu em Veneza e tornou-se famoso por suas obras para violino e sua habilidade em explorar o virtuosismo instrumental. Ele foi mestre de concerto no Ospedale della Pietà, uma instituição para jovens órfãs, onde escreveu grande parte de sua obra.
Entre suas composições mais icônicas está “Le quattro stagioni” (As Quatro Estações), uma série de quatro concertos (Primavera, Verão, Outono e Inverno) para violino compostos por volta de 1723 e publicados em 1725 como parte do “Opus 8”, intitulado “Il cimento dell’armonia e dell’inventione” (O Desafio entre a Harmonia e a Invenção). Eles são consideradas uma das primeiras peças de música programática, ou seja, composições que narram uma história ou descrevem cenas por meio da música. A obra destaca o virtuosismo do violino, os contrastes dinâmicos e o uso inovador de efeitos sonoros para imitar fenômenos da natureza.

Existem sonetos que acompanham As Quatro Estações e servem como inspiração e guia. É amplamente aceito que os sonetos foram escritos pelo próprio Vivaldi, embora isso não seja completamente confirmado. Eles estão incluídos na publicação original, onde Vivaldi agrupou os concertos. Cada linha ou verso do soneto está conectado a trechos específicos da música, funcionando como uma espécie de programa descritivo.
Junto de cada conjunto de versos, estão as indicações de andamento ou caráter utilizadas nas partituras para orientar a execução das obras. Originados principalmente do italiano, eles especificam a velocidade (tempo) e, às vezes, o estilo ou intensidade da interpretação:
- Largo (Amplo, lento) – Muito devagar, entre 40-60 BPM. Evoca uma atmosfera solene, contemplativa ou majestosa.
- Adagio e piano (Lento e suave) – Entre 66-76 BPM. Indica delicadeza, introspecção ou tranquilidade.
- Allegro non molto (Alegre, mas não muito) – Menos acelerado do que o Allegro típico. Balanceia energia com um tom mais contido, adequado para passagens animadas, mas não frenéticas.
- Allegro (Alegre, rápido) – Moderadamente rápido, geralmente entre 120-168 batidas por minuto (BPM), comum em movimentos vibrantes e animados, transmite energia e leveza.
- Presto (Muito rápido) – Extremamente rápido, entre 168-200 BPM ou mais. Usado para criar passagens de alta intensidade, virtuosismo ou dramaticidade.
- Presto e forte (Muito rápido e forte/intenso) – Muito acelerado, geralmente acima de 168 BPM, com grande intensidade. Transmite urgência e potência dramática.
Esses termos não são absolutos e podem variar dependendo do estilo da música ou do compositor. No caso de As Quatro Estações de Vivaldi, eles ajudam a criar as nuances expressivas que tornam a obra tão descritiva e envolvente, conectando música e narrativa.
La Primavera / A Primavera
I. Allegro
Giunt’ è la Primavera e festosetti / Chegada é a Primavera e festejando
La salutan gl’augei con lieto canto, / A saúdam as aves com alegre canto,
E i fonti allo spirar de’ Zeffiretti / E as fontes ao expirar do Zéfiro
Con dolce mormorio scorrono intanto. / Correm com doce murmúrio.Vengon’ coprendo l’aer di nero amanto / Uma tempestade cobre o ar com negro manto
E lampi, e tuoni ad annuntiarla eletti, / Relâmpagos e trovões são eleitos a anunciá-la;
Indi tacendo questi, gl’augelletti / Logo que ela se cala, as avezinhas
Tornan’ di nuovo al lor canoro incanto. / Tornam de novo ao canoro encanto.II. Largo
E quindi sul fiorito ameno prato / Diante disso, sobre o florido e ameno prado,
Al caro mormorio di fronde e piante / Ao agradável murmúrio das folhas
Dorme ’l caprar col fido can’ a lato. / Dorme o pastor com o cão fiel ao lado.III. Allegro
Di pastoral Zampogna al suon festante / Da pastoral Zampónia ao Suon festejante
Danzan ninfe e pastor nel tetto amato / Dançam ninfas e pastores sob o abrigo amado
Di primavera all’apparir brillante. / Da primavera, cuja aparência é brilhante.
L’Estate / O Verão
I. Allegro non molto
Sotto dura stagion dal sole accesa / Sob a dura estação, pelo Sol incendiada,
Langue l’huom, langue ’l gregge, ed arde il pino; / Lânguidos homem e rebanho, arde o Pino;
Scioglie il cucco la voce, e tosto intesa / Liberta o cuco a voz firme e intensa,
Canta la tortorella e ’l gardelino. / Canta a corruíra e o pintassilgo.Zeffiro dolce spira, ma contesa / O Zéfiro doce expira, mas uma disputa
Muove Borea improviso al suo vicino, / É improvisada por Borea com seus vizinhos;
E piange il pastorel, perché sospesa / E lamenta o pastor, porque suspeita,
Teme fiera borasca, e ’l suo destino. / Teme feroz borrasca: é seu destino [enfrentá-la].II. Adagio e piano – Presto e forte
Toglie alle membra lasse il suo riposo / Toma dos membros lassos o repouso
Il timore de’ lampi, e tuoni fieri, / O temor dos relâmpagos e os feros trovões,
E de mosche, e mosconi il stuol furioso. / E de repente inicia-se o tumulto furioso!III. Presto
Ah che pur troppo i suoi timor sono veri / Ah! No mais o seu temor foi verdadeiro:
Tuona e fulmina il cielo e grandinoso / Troa e fulmina o céu, e grandioso [o vendaval]
Tronca il capo alle spiche e a’ grani alteri. / Ora quebra as espigas, ora desperdiça os grãos [de trigo].
L’Autunno / O Outono
I. Allegro
Celebra il Vilanel con balli e Canti / Celebra o aldeão com danças e cantos
Del felice raccolto il bel piacere, / O grande prazer de uma feliz colheita;
E del liquor de Bacco accesi tanti / Mas um tanto aceso pelo licor de Baco
Finiscono col sonno il lor godere. / Encerra com o sono estes divertimentos.II. Adagio molto
Fà ch’ogn’uno tralasci e balli e canti / Faz a todos interromper danças e cantos,
L’aria che temperata dà piacere, / O clima temperado é aprazível;
E la stagione ch’invita tanti / E a estação convida a uns e outros
D’un dolcissimo sonno al bel godere. / Ao gozar de um dulcíssimo sono.III. Allegro
I cacciator alla nov’alba a caccia / O caçador, na nova manhã, à caça,
Con corni, schioppi, e cani escono fuore; / Com trompas, espingardas e cães, irrompe;
Fugge la belva, e seguono la traccia; / Foge a besta, mas seguem-lhe o rastro.
Già Sbigottita e lassa al gran rumore / Já exausta e apavorada com o grande rumor,
De’ Schiopi e cani, ferita minaccia / Por tiros e mordidas ferida, ameaça
Lassata di fugire, mà opressa muore. / Uma frágil fuga, mas cai e morre oprimida!
L’Inverno / O Inverno
I. Allegro non molto
Aggiacciato tremar trà nevi algenti / Agitado tremor traz a neve argêntea;
Al severo spirar d’orrido vento, / Ao rigoroso expirar do severo vento
Correr battendo i piedi ogni momento; / Corre-se batendo os pés a todo momento
E per soverchio gel batter i denti; / Bate-se os dentes pelo excessivo frio.II. Largo
Passar al foco i dì quieti e contenti / Ficar ao fogo quieto e contente
Mentre la pioggia fuor bagna ben cento. / Enquanto fora a chuva a tudo banha;III. Allegro
Caminar sopra il ghiaccio e à passo lento / Caminhar sobre o gelo com passo lento
Per timor di cadere bene; / Pelo temor de cair neste intento.
Gir forte sdrucciolar, cader à terra / Girar forte e escorregar e cair à terra;
Di nuovo ir sopra ’l ghiaccio e correr forte / De novo ir sobre o gelo e correr com vigor
Sin ch’il ghiaccio si rompe e si disserra; / Sem que ele se rompa ou quebre.
Sentir uscir dalle ferrate porte / Sentir ao sair pela ferrada porta,
Scirocco, Borea, e tutti i venti in guerra; / Siroco, Borea e todos os ventos em guerra;
Quest’è ’l verno, mà tal, che gioja apporte. / Que este é o Inverno, mas tal, que [só] alegria porta.
Meteorologia em “As Quatro Estações”
A meteorologia está profundamente relacionada às descrições poéticas dos sonetos que acompanham “As Quatro Estações” de Vivaldi, pois muitas das imagens evocadas refletem fenômenos climáticos típicos das estações do ano, especialmente na Itália, onde o compositor viveu. Existem referências à mitologia grega, particularmente Zéfiro e Borea. Zéfiro era um dos quatro ventos, filho de Eos e Astreu, e irmão de Borea, Notus e Eurus. Ele era considerado um vento agradável e uma brisa suave, ao contrário de seu irmão Borea, que era imprevisível e forte.
Na passagem “E as fontes ao expirar do Zéfiro”, o vento Zéfiro é uma referência ao vento oeste, tradicionalmente associado à primavera e ao clima ameno. Este vento traz temperaturas mais suaves e umidade que contribuem para o derretimento da neve nos Alpes, alimentando fontes e rios na Itália e simbolizando a renovação característica da estação.
A frase “Uma tempestade cobre o ar com negro manto” também se refere à primavera, estação de transição que frequentemente apresenta condições meteorológicas instáveis. Na Itália, as tempestades de primavera são comuns, especialmente devido ao aquecimento do solo durante o dia, que gera correntes ascendentes de ar quente e pode formar nuvens cumulonimbus, responsáveis por chuvas e trovões. O contraste entre massas de ar frio e quente intensifica esses eventos, criando o cenário para tempestades que aparecem em regiões montanhosas e planícies.
Já no verão, descrito pela frase “Teme feroz borrasca: é seu destino”, a palavra borrasca refere-se a uma tempestade intensa, frequentemente acompanhada por ventos fortes e, às vezes, chuva torrencial. No contexto meteorológico, borrascas no verão estão associadas a tempestades severas que surgem devido ao intenso aquecimento diurno e à alta umidade. Na Itália, o verão pode ser quente e abafado, com tempestades que se formam especialmente no fim da tarde em áreas montanhosas, gerando episódios localizados de ventos fortes e chuvas intensas.
“Ao temor dos relâmpagos e os feros trovões” reforça o tema das tempestades, que, como observado anteriormente, podem ocorrer tanto na primavera quanto no verão. Na primavera, elas são mais frequentes e amplamente distribuídas, pois a atmosfera é mais instável devido às massas de ar frio ainda presentes, contrastando com o aquecimento da superfície.
No outono, a frase “O clima temperado é aprazível” remete à amenidade característica da estação na Itália. Após o calor do verão, a diminuição gradual das temperaturas e a redução da intensidade solar tornam o clima mais equilibrado. Este período é conhecido por ser agradável, embora possa haver chuvas moderadas, essenciais para a agricultura e o renascimento de vegetação após o calor seco do verão.
Por fim, “Ao rigoroso expirar do severo vento”, associado ao inverno, destaca o papel dos ventos frios que dominam essa estação. Na Itália, ventos como o Bora (do nordeste) trazem ar gelado das regiões continentais da Europa, contribuindo para o frio intenso, especialmente no norte do país. Esses ventos, combinados com temperaturas mais baixas e, às vezes, neve, criam o cenário típico do inverno italiano, marcado por uma atmosfera mais densa e rigorosa.
Fontes