Sistemas frontais

É muito comum ver/ouvir na mídia sobre uma frente fria vindo da Argentina que avança sobre as regiões sul e sudeste do Brasil (algumas raras vezes chegando até o norte e nordeste). Mas nem sempre só porque chove e faz frio é frente fria! E sabia que existe frente quente também? Uma frente é, basicamente, o encontro de duas massas de ar diferentes – provavelmente o nome veio da comparação com uma frente de batalha, só que os adversários são volumes de ar. Isso causa uma mudança no tempo por onde ela passa, como mostra essa música (rsrs):

Massa de ar é uma grande porção de ar com temperatura e umidade homogêneas na horizontal, adquiridas da região onde se originam. Isso acontece porque o Sol aquece a superfície terrestre, que por sua vez aquece a atmosfera de baixo para cima, além da evaporação de água da superfície terrestre, que leva umidade também de baixo para níveis superiores. A resposta diferente da superfície de diferentes regiões leva a diferentes valores de pressão, e a diferença de pressão gera uma força que causa o movimento do ar. Esse movimento é conhecido como vento, e sempre vai da alta para a baixa pressão.

Em 1919, o norueguês Vilhelm Bjerknes desenvolveu o conceito de frentes. A superfície (ou zona) frontal é uma faixa de transição entre duas massas de ar com diferentes valores de temperatura e umidade. Suas dimensões típicas estão entre 500 a 5 mil km de comprimento, 5 e 50 km de largura e 3 a 10 km de altura. A região cujas modificações no tempo aconteçam antes da chegada de uma frente é chamada pré-frontal, e depois da frente, pós-frontal. Conforme as características, posições e movimentos relativos das massas de ar que compõe a frente, ela pode receber diferentes nomes.

Observação: as direções de vento informadas e do deslocamento das frentes valem para o hemisfério sul, sendo que no hemisfério norte é o contrário. Isso acontece porque a força inercial de Coriolis, que existe devido à rotação da Terra e é sempre perpendicular à direção do movimento, induz um desvio para a direita no Hemisfério Norte e para a esquerda no Hemisfério Sul. Veja mais sobre o efeito de Coriolis clicando no link.

Frente fria

Esquema de uma frente fria

A massa de ar frio avança em direção a uma região ocupada por ar mais quente, a uma velocidade de 35 a 50 km/h. Seu deslocamento no globo terrestre é de sudoeste (SW) para nordeste (NE).

  • ANTES da chegada de uma frente fria, a temperatura aumenta, a pressão cai, aparecem nuvens do tipo Cirrus e Cirrostratus e os ventos vem do quadrante norte (predominantemente NW).
  • DURANTE a passagem da frente fria, a temperatura cai rapidamente, a pressão atinge seu valor mínimo, aparecem nuvens Cumulus e Cumulonimbus com chuvas fortes e rajadas de vento (predominantemente de W), gerando forte cisalhamento vertical e horizontal.
  • DEPOIS da frente fria passar, a temperatura continua caindo (devido principalmente à presença do ar frio recém chegado), a pressão aumenta, chuvas passam a ser estratiformes e depois limpa o céu (devido ao aumento de pressão do ar mais frio e denso, o que inibe a formação de novas nuvens) e os ventos são do quadrante sul (predominantemente de SW).

A ascensão do ar no limite entre as massas de ar e a queda de pressão atmosférica favorecem a formação de nuvens e chuva (conforme o ar sobe, ele expande esfria e promove a condensação do vapor d’água em gotículas líquidas). Esses movimentos são mais intensos em uma frente fria quando comparada a uma frente quente.

A frente fria está associada aos máximos de curvatura ciclônica dos cavados associados ao sistema. Em um ponto na superfície, sabe-se que chegou a frente fria quando ocorre o mínimo de pressão, temperatura do ar e do ponto de orvalho ficam próximas, vento de norte muda para sul e temperatura atinge valor máximo – posteriormente, a temperatura cai e chove. Verticalmente, existe uma rotação do vento com a altura, devido à advecção de ar frio. Quando existe a passagem de duas frentes frias consecutivas, a segunda é chamada de secundária e faz a temperatura cair ainda mais.

Frente quente

Esquema de uma frente quente

A massa de ar quente se move em direção a uma massa de ar frio, a uma velocidade de 25 a 35 km/h. Seu deslocamento no globo terrestre é de noroeste (NW) para sudeste (SE).

  • ANTES da chegada de uma frente quente, a temperatura aumenta, a pressão cai, aparecem nuvens do tipo Cirrus (em até mil quilômetros à frente), Cirrostratus e Altocumulus (menos longe), Stratus e Nimbostratus (até 300 km) e os ventos vem do quadrante sul (predominantemente SE).
  • DURANTE a passagem da frente quente, a temperatura continua aumentando, a pressão se mantém constante, aparecem nuvens Stratus com chuvas e rajadas de vento (predominantemente de W).
  • DEPOIS da frente quente passar, o tempo fica quente até suas características se mesclarem com o climatológico do ambiente, a pressão aumenta um pouco e depois cai, cessa a chuva (céu claro com Stratocumulus espalhados) e os ventos são do quadrante norte (predominantemente de NE).

No caso da América do Sul, a frente quente costuma acontecer sobre o Oceano Atlântico e por isso não aparece muito nos noticiários. Além disso, ela tem menor extensão, quando comparada à frente fria, e o campo de nuvens só é característico nos estágios iniciais da formação.

Frente estacionária

A frente em si não possui movimento com relação ao solo, mas seus produtos continuam e pode permanecer vários dias em uma mesma região. Ou seja, se uma frente fria se torna estacionária sobre Santa Catarina (por exemplo), acontecerão pancadas de chuva constantemente sobre o estado.

Frente oclusa

Uma oclusão acontece quando a frente fria se sobrepõe à frente quente (ou seja, o ar da retaguarda da frente fria toma o lugar da dianteira da frente quente). Pode ser uma oclusão fria (o ar atrás da frente fria é mais frio do que aquele que está sendo ultrapassado) ou uma oclusão quente (quando esse ar é menos frio). O sistema de nuvens associado a frente oclusa tem formato espiralado e seu foco está situado no centro da circulação ciclônica.

Sistema frontal

Um sistema frontal clássico é geralmente composto por uma frente fria, frente quente e centro de baixa pressão na superfície chamado ciclone (o centro de alta pressão é chamado anti-ciclone). A baixa pressão atmosférica favorece à ascensão do ar quente e convergência de de ar próximo da superfície, gerando formação de nuvens. Desse modo, um centro de baixa pressão costuma ter tempo instável e chuvoso, assim como uma linha de baixa pressão, chamada cavado (uma linha de alta pressão é chamada crista). Veja mais sobre ventos e ciclones nesse link.

Devido à atuação da força inercial de Coriolis, o ciclone gira no sentido horário no hemisfério sul (e sentido anti-horário no hemisfério norte), que acompanha os movimentos da frente fria e da frente quente. Como a frente fria é mais rápida, acaba alcançando a frente quente e formando a frente oclusa. Com o aumento da região de oclusão, o sistema frontal atinge seu estado terminal, o ciclone aumenta seu tamanho e transforma-se num vórtice ciclônico (VC) frio na baixa troposfera. A fricção e a falta de mecanismos dinâmicos na atmosfera encarregam-se de dissipar o restante do sistema frontal.

Veja esse exemplo da representação de alguns sistemas frontais em uma carta sinótica de superfície (mapa que nos apresenta alguns elementos que caracterizam o estado do tempo, numa determinada região e momento). As linhas amarelas são formadas por pontos de mesmo valor de pressão atmosférica (chamadas isóbaras), com o valor numérico em hPa (hectopascais). Quando as linhas se fecham, são formados centros de baixa pressão (ciclone) ou alta pressão (anti-ciclone), representados por uma letra B ou A, respectivamente. Linhas tracejadas amarelas indicam os cavados (regiões alongadas de baixa pressão). Linhas azuis com triângulos indicam frente fria, linhas vermelhas com semi-círculos indicam frente quente e as linhas roxas com triângulos e semi-círculos no mesmo sentido indicam frente oclusa, enquanto que alternados mantendo as respectivas cores indica frente estacionária. Também é possível identificar alguns pontos na região pré-frontal com ventos do quadrante norte e da pós-frontal com ventos do quadrante sul através dos símbolos sinóticos (a bolinha indica a cobertura de nuvens e a direção da haste indica a direções de onde vem o vento conforme a rosa dos ventos).

Carta sinótica de superfície com previsão de tempo mostrando sistemas frontais sobre a América do Sul. Fonte: CPTEC/INPE

Analisando a carta sinótica de superfície das 12Z (meio-dia no fuso zero, 3 a mais que a hora de Brasília) do dia 20/05, observa-se um sistema frontal sobre o Paraguai, faixa central do RS e Uruguai, associado a um centro de baixa pressão em estágio de oclusão com núcleo de 1008 hPa, situado em 39°S/60°W. Outros sistemas frontais seguem atuando no sul do continente. O Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul (ASAS) apresenta características de bloqueio, com núcleo de 1036 hPa, centrado em torno 44°S/35°W.

Já na carta sinótica de altitude é possível ver o jato sub-tropical (corrente vermelha orientada de oeste para leste) e os jatos polares (correntes amarelas e brancas) dentro de regiões com máximos valores de velocidade do vento (manchas verdes a azuis).

Carta sinótica de altitude (250 hPa) com previsão de tempo mostrando os jatos. Fonte: CPTEC/INPE

Analisando a carta sinótica de altitude (250 hPa) das 12Z do dia 20/05, o fluxo de oeste encontra-se bastante perturbado devido a um Vórtice Ciclônico (VCAN) que atua no leste da Argentina, e é contornado pelo Jato Subtropical e ramo norte do Jato Polar, que por sua vez dá suporte dinâmico ao sistema frontal em superfície. Em regiões de SP, MG e centro-oeste do Brasil, a convergência de umidade em baixos níveis, perturbações na troposfera média e a divergência em altitude, associada a corrente de Jato Subtropical, mantém as condições para ocorrência de pancadas de chuva.

Nas imagens de satélite, as frentes frias costumam aparecer como regiões de muitas nuvens com topos bem altos (tons brancos nas imagens de satélite), mas podem ser mais estreitas e fragmentadas quando estão fracas, e curvatura ciclônica.

Imagem de satélite do mesmo dia/horário previsto (no visível, vale a pena ver a do infravermelho). Fonte: CPTEC/INPE

Na parte de ar frio, é possível observar a formação de células abertas: nuvens cumulus pontuais, de bom tempo, formadas devido ao aquecimento da atmosfera por baixo, ou seja, com o ar passando sobre uma superfície mais quente. As células fechadas, na parte de ar quente, são formadas pelo resfriamento do ar por baixo e subsidência impedindo crescimento vertical, o que gera nuvens estratiformes e nevoeiros.

Existem alguns critérios que os meteorologistas usam para classificar uma frente fria. Através de observações realizadas em algum ponto antes e em outro ponto depois do sistema meteorológico, uma frente fria deve ter pelo menos uns 2 ou 3°C de diferença da temperatura registrada nesses pontos, além de inversão do vento (conforme apresentado anteriormente: ventos do quadrante norte antes, rajadas durante e ventos do quadrante sul depois), convergência de umidade e advecção/transporte de temperatura (advecção fria na frente fria e advecção quente na frente quente) e a ocorrência de jato em altos níveis (tem que coincidir com a região a leste do cavado).

Jatos

As correntes de jato, ou simplesmente jatos (em inglês: Jet Streams), são correntes de ar que ocorrem na atmosfera, em níveis altos (entre a troposfera e a estratosfera) ou baixos. São formados pela combinação da rotação do planeta sobre o seu eixo e o aquecimento da atmosfera pela radiação solar, ocorrendo perto dos limites das massas de ar adjacentes com significantes diferenças de temperatura (como as frentes frias).

Em outras palavras, os jatos surgem devido à conservação de momento angular da Terra, já que alísios e outras circulações são contrários à rotação do planeta, e ao gradiente de temperatura, que gera vento térmico e aumento grande do vento com a altura (por isso também que acontece em altos níveis). Eles estão associados a sistemas, não necessariamente promovendo ou sendo fruto da ciclogênese, e podem migrar de posição ao longo do ano. No plano horizontal, e em relação à frente em superfície, o jato geralmente aparece algumas centenas de quilômetros atrás das frentes frias e na frente das frentes quentes.

Ao observar mapas com campos de vento, os percursos dos jatos são ondulações de escala planetária, podendo se abrir e/ou se juntar em alguns pontos em diferentes horários. Em geral, ondulações muito amplificadas separam-se em grandes vórtices (baixas desprendidas).

Os jatos mais fortes (com ondulações mais proeminentes nas cartas sinóticas) são os jatos polares, que ocorrem entre as latitudes de 40°-70° em torno dos 7 e 12 km acima do nível do mar, e os jatos sub-tropicais, que acontecem entre 20° e 30° de latitude e 10 e 16 km de altitude. Cada um dos hemisférios Norte e Sul possuem tanto um jato polar como um jato subtropical.

Certas vezes, um sistema instável é erroneamente classificado como frente fria, sendo que na verdade é apenas um cavado (linha de baixa pressão) acontecendo junto com um jato de baixos níveis. O jato promove um fluxo de ar quente do interior da Amazônia em direção ao centro-sul do Brasil (entre 1,5 e 3 km de altitude), alimentando perturbações atmosféricas em níveis médios (5 km de altitude) e altos (12 km). Assim, o jato causa aumento de nuvens e chuvas com consequente redução de temperatura, devido à redução da incidência de radiação solar na superfície e evaporação da água (calor do ar é utilizado para passar água líquida para o estado gasoso).

Na aviação, as correntes de jato tem grande importância no tráfego aéreo, onde a economia de voo pode ser drasticamente afetada por um avião que utilize o fluxo de ar a favor de seu movimento. A turbulência de ar claro (um potencial risco para a segurança dos passageiros das aeronaves – é muitas vezes encontrado nas imediações de uma corrente de jato, porém não motiva qualquer alteração substancial no tempo de um voo.

Veja mais sobre correntes de jato clicando no link.

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