Maria Auxiliadora Roggério
Cuidar, ajudar e proteger são aspectos centrais das relações familiares. Quando as pessoas se aproximam da velhice ou já estão nesta fase temem algum infortúnio que as levem à perda de independência e de autonomia, tornando-se um fardo para a família.

As pessoas não se preparam para viver a própria velhice – que sempre parece tão distante -, menos ainda a de seus familiares idosos. Quando surge a necessidade de acolhê-los, na maioria das famílias a tendência é eleger alguém para exercer o papel de cuidador, para as tarefas de cuidar.
Cuidar de pessoas idosas é um compromisso moral que atravessa gerações, mas que enfrenta dificuldades em sua realização em virtude das exigências da vida cotidiana, de características individuais, tipo de vínculo e estrutura familiar dos envolvidos, entre outras variáveis.
Quando o envelhecimento vem acompanhado de incapacidades ou limitações físicas, cognitivas e sociais ocasionadas por acidentes ou doenças degenerativas, tanto o indivíduo que envelhece como seus familiares vivenciam mudanças drásticas nas relações. A pessoa que antes cuidava de todos e protegia os mais novos, agora idosa, é cada vez mais dependente e necessitada de proteção e segurança dos mais jovens, aparentando uma inversão de papéis. Porém, pais idosos dependentes não deixam de ser pais para tornarem-se filhos de seus filhos; o que define o papel de pai/mãe/avós/filhos não se altera. O que muda é a expectativa que se tem do papel. Quando nos mantemos no papel de filhos, permitimos que o pai, a mãe não percam o papel que é deles.
As mudanças que ocorrem durante esse processo podem levar a situações que prejudicam um envelhecimento saudável e a qualidade de vida da pessoa idosa, assim como gerar conflitos entre idoso, cuidador e familiares, que também estão em processo de envelhecimento e vivendo suas próprias crises. Uma dessas situações é a infantilização de pessoas idosas: é um tipo de comportamento em que o cuidador e/ou familiares e pessoas de seu convívio dirigem-se a pessoa idosa como se esta fosse uma criança. Embora nem sempre haja a intenção de infantilizar, essa forma de tratamento é muitas vezes justificada como uma forma carinhosa de lidar. A crença de que a pessoa idosa volta à infância nessa fase da vida e o uso de expressões infantis, impactam de modo negativo o bem-estar físico, social e psicológico.
A necessidade de cuidados semelhantes aos destinados à crianças pequenas como dar banho, trocar fraldas, vestir, alimentar na boca, levar para a cama etc., não invalida experiências e a história de vida de um adulto que envelhece com limitações, nem o torna uma criança. A individualidade e autonomia devem ser respeitadas, além de ajuda para a realização das questões diárias e suporte emocional.
Algumas situações demonstram como a pessoa idosa está sendo infantilizada e desrespeitada:
- sob pretexto de maior fluidez na rotina de cuidados, as escolhas e os gostos pessoais são desconsiderados, nos momentos de vestir, de alimentação, de lazer etc.;
- uso de apelidos como vovozinho, senhorinha etc., ditos de forma depreciativa;
- interagir com tom de voz condescendente;
- uso desnecessário e excessivo de diminutivos na comunicação, como: tomar o remedinho, dormir um soninho, escovar os dentinhos, comidinha, pijaminha etc.;
- perguntar ao cuidador ou acompanhante fatos sobre a pessoa idosa, ignorando sua presença e não dar chance para que se expresse;
- cuidador responder no lugar da pessoa idosa antes que esta tenha tempo para elaborar a resposta;
- evitar conversas e falar sobre atualidades por considerar que ela não tem capacidade para entender;
- descrever aos familiares (e na presença da pessoa idosa!) quais atividades realizadas como se contasse o que uma criança fez no dia: “passeou na praça, assistiu tevê, comeu tudinho… já tomou banho e penteou seus cabelos sozinha!”.
- desencorajar ou impedir qualquer tentativa de realizar alguma tarefa, tratando-a como totalmente incapaz de gerir a própria vida.
Incentivar a autonomia da pessoa idosa, permite que ela se sinta útil. Cercear sua liberdade e ignorar sua capacidade em tomar decisões e realizar atividades que ainda tem condições de realizar pode abalar sua autoconfiança, levá-la a evitar comunicar-se e aumentar suas limitações com o surgimento de novas doenças como depressão, por exemplo. Mesmo que apresente fragilidades, tratá-la como uma criança subestimando suas capacidades, afeta sua autoestima, abre caminhos para o medo e a tristeza, desrespeita e fere sua dignidade, provocando maior dependência e isolamento social.
Momentos de lucidez oscilam em pessoas com demência, dependendo do grau de comprometimento cognitivo. As fases da demência vão desde esquecimentos leves, dificuldades em realizar tarefas diárias, necessidade de ajuda para atividades básicas até a perda completa de habilidades físicas e cognitivas, momento em que não conseguem mais tomar decisões por si mesmas, culminando na perda total da autonomia.
Para melhor auxiliar a pessoa idosa, possibilitando-lhe bem-estar e qualidade de vida, além de, também, contribuir para diminuição da sobrecarga física e desgaste emocional do cuidador, veja algumas estratégias e mudanças comportamentais propostas em “Síndrome do Pôr do Sol” e sobre o estresse do cuidador em “Geração Sanduíche”.
Ainda assim, as pessoas cuidadoras podem alimentar pensamentos disfuncionais, sentimentos de culpa e vitimização e, mesmo que sempre atentas, pacientes e dispostas a tratar com carinho e eficiência a pessoa idosa fragilizada e dependente, também necessitam de acolhimento para suas demandas.