Corte de dados e demissões nos EUA ameaçam previsões meteorológicas e resposta a desastres

Nos últimos meses, a meteorologia global enfrenta dois golpes significativos: as demissões em massa na NOAA, que ameaçam a qualidade das previsões e dos alertas de eventos extremos, e a decisão dos EUA de restringir o acesso a dados cruciais de satélites militares sobre atmosfera e oceanos. Essas medidas podem gerar lacunas graves no monitoramento climático, afetando desde a resposta a desastres até a pesquisa científica internacional. O impacto tende a ser sentido de forma mais intensa em países que dependem fortemente dessas informações para proteger vidas e reduzir prejuízos econômicos.

Demissões na NOAA

As demissões de cerca de 800 funcionários da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) no início de 2025 levantam preocupações sobre impactos diretos na qualidade das previsões meteorológicas e climáticas. A agência, responsável por coletar bilhões de observações diárias e emitir milhões de alertas anuais, desempenha papel central na detecção precoce de eventos extremos, como furacões e tempestades severas — informações que salvam vidas e reduzem prejuízos econômicos.

Seção de Meteorologia, Satélites e Pesquisa (GCWSR) do Conselho Geral da NOAA, componente do Gabinete do Conselho Geral da NOAA, localizado em Silver Spring, Maryland. Foto: Dimitri Ivanoff via Google Maps
Seção de Meteorologia, Satélites e Pesquisa (GCWSR) do Conselho Geral da NOAA, componente do Gabinete do Conselho Geral da NOAA, localizado em Silver Spring, Maryland. Foto: Dimitri Ivanoff via Google Maps

Com a redução de pessoal, especialistas alertam para possíveis falhas nos sistemas de monitoramento e alerta, especialmente em um cenário de aumento da frequência e intensidade de fenômenos extremos devido às mudanças climáticas. A perda de capacidade da NOAA também ameaça a colaboração internacional, já que seus satélites e modelos fornecem dados essenciais para governos, empresas e centros de pesquisa em todo o mundo.

Setores como agricultura, aviação, pesca, seguros e construção podem sentir os efeitos da menor precisão nas previsões, enquanto a ciência climática global corre o risco de sofrer lacunas críticas. Cientistas temem que, sem dados robustos e contínuos, a capacidade de antecipar riscos e planejar respostas seja comprometida — comparável a “dirigir um carro com os olhos vendados”, como alertou um ex-funcionário da agência.

Em seu primeiro dia como presidente, Trump retirou os EUA, pela segunda vez, do Acordo Climático de Paris de 2015, o tratado internacional comprometendo os governos com a limitação do aquecimento global. O ano de 2024 foi o mais quente já registrado, e os cientistas afirmam ser necessário agir rapidamente para reduzir as emissões e manter o aquecimento global abaixo de 2ºC em relação à era pré-industrial. Atualmente, o mundo está no caminho certo para um aquecimento de mais de 3ºC até o final do século 21.

Restrição de acesso a dados meteorológicos

Desde o final de julho de 2025, satélites militares dos EUA deixaram de compartilhar publicamente dados meteorológicos globais sobre a atmosfera e os oceanos, antes fornecidos pelo programa Defense Meteorological Satellite Program (DMSP). Foram suspensas informações cruciais como:

  • Cobertura e temperatura das nuvens (coletadas pelo Operational Linescan System – OLS).
  • Perfis de temperatura, umidade e outras variáveis atmosféricas obtidos por micro-ondas (via Special Sensor Microwave Imager Sounder – SSM/IS).
  • Parâmetros ambientais oceanográficos e solar-geofísicos.

Esses dados, processados pela Marinha dos EUA e usados por centros de pesquisa civis, eram incorporados diariamente a modelos de previsão do tempo e do clima. Sua ausência deve gerar lacunas significativas na análise de tempestades, furacões, gelo marinho e mudanças climáticas, afetando especialmente:

  • A precisão das previsões meteorológicas globais, já que pequenas variações de temperatura, pressão e vento têm grande impacto nos modelos.
  • O monitoramento do Ártico, prejudicando estudos e rotas seguras de navegação.
  • A preparação para eventos extremos, como a temporada de furacões no Atlântico.
  • Países com infraestrutura meteorológica limitada, que dependiam fortemente desses dados para previsões confiáveis.

Segundo a imprensa americana, os EUA também fecharão o Observatório Mauna Loa, no Havaí, que desde 1958 coleta dados essenciais sobre a composição e mudanças na atmosfera terrestre. Essa decisão, porém, não foi justificada pelos mesmos motivos de segurança. Como o observatório é fundamental para documentar e estudar o aumento do dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera e as mudanças climáticas, críticos alegam que o fechamento teria motivações mais políticas.

Os Estados Unidos iniciaram restrições ao acesso global de dados meteorológicos de satélites, medida que já começa a afetar o NOAA e pode se estender a modelos numéricos e códigos públicos hospedados no Brasil. Essa limitação representa risco direto ao sistema brasileiro de nowcasting, que depende de observações via satélite e modelos de alta frequência para previsões rápidas e precisas. Diante disso, o Brasil deve invistir em autonomia operacional na Meteorologia, com planejamento estratégico e recursos consistentes para garantir a continuidade e a soberania de suas capacidades de previsão e monitoramento.

Fontes

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