Conforto térmico e refrigeração

A arquitetura deve servir ao homem e a seu conforto, harmonizando as construções ao ambiente de sua construção, e minimizando seus impactos no entorno. O conforto térmico (ausência de sensação de frio ou calor) reflete-se numa série de manifestações orgânicas agradáveis, como relaxamento do corpo e diminuição da tensão muscular, permitindo que a atividade cerebral consciente fique à disposição do indivíduo na execução de suas tarefas. Veja alguns tópicos relacionados ao conforto térmico e como se dá a circulação de ar em ambientes fechados, como salas e o metrô de São Paulo.

As principais variáveis meteorológicas do conforto térmico são temperatura, umidade, velocidade do ar e radiação solar incidente, mas também devem ser considerados o regime de chuvas, vegetação, permeabilidade do solo, água superficiais e subterrâneas, topografia, etc. O ser humano produz calor devido a seu funcionamento, atingindo temperatura média de 37°C, e caso as trocas de calor com o ambiente ocorram sem grande esforço, a sensação do indivíduo é de conforto, o que aumenta sua capacidade de trabalho. Caso tenha sensação de frio ou calor, isso reduz a capacidade de trabalho, aprendizado e execução de outras tarefas, podendo inclusive gerar problemas de saúde.

A temperatura efetiva que sentimos no corpo depende da combinação de temperatura do ar, umidade relativa e movimento do ar para nos dar um único índice, conhecido como sensação térmica. Veja mais no post sobre Sensação térmica e Índice de calor.

Radiação solar

Regiões de clima quente, é fundamental planejar a orientação da casa (inclusive portas e janelas) de modo a evitar insolação direta no interior da construção, evitando ganhos demasiados de calor. Alguns lugares até encarecem os preços de imóveis que recebem insolação direta na parte da manhã (o “sol da manhã”), pois a temperatura está mais amena, enquanto que um apartamento que receba o “sol da tarde” é mais barato, pois recebe insolação direta justamente no período mais quente do dia. O oposto deve ser feito em lugares de clima frio, visando aproveitar o aquecimento natural causado pelo Sol.

Prédios cobertos de vidro deixam a maior parte da radiação solar incidente entrar, o que aquece todo o interior, mas a radiação infravermelha (ou calor) gerada não atravessa o vidro para o exterior, formando um efeito estufa local. Isso economiza o sistema de aquecimento em países frios, mas acaba forçando o sistema de refrigeração em países tropicais.

Até a pintura pode influenciar. Por exemplo, casas das ilhas gregas são pintadas de branco, que reflete a maior parte da energia solar incidente e deixa as casas mais frescas, e sistemas de aquecimento d’água através do Sol, que são pintados de preto para absorver mais a energia solar. Note que casas sem telhado com lage coberta de piche preto para impermeabilização aquecem mais nos andares superiores – o telhado também ajuda a refrescar o último andar, pois cria um volume de ar em cima que é mal condutor de calor.

Fontes de calor

Calor sensível é aquele que provoca apenas uma variação de temperatura dos corpos, diferenciando-se do calor latente, que muda a estrutura física dos mesmos – por exemplo, quando a água passa do estado líquido para o vapor, essa mudança de estado físico absorve calor do ambiente. O metabolismo dos animais e a conversão de energia elétrica em energia motora ou luminosa geram calor. Carga Térmica é o somatório de todas as formas de calor (energia) presentes num ambiente, cuja unidade no sistema internacional é o joule. Geralmente é apresentado em W (Watts, que representa joule por segundo) ou BTU (British Thermal Unit), que equivale a 1.055 joules. Veja algumas dessas fontes:

  1. Calor solar – depende da latitude (regiões tropicais, temperadas e polares), altitude, data (estações do ano), horário (manhã, tarde, noite), nebulosidade (cobertura do céu por nuvens) e orientação do plano de incidência.
  2. Presença humana – devido ao metabolismo e às atividades realizadas pelos seres humanos, é gerado calor. Por exemplo, segundo a norma NBR 16.401-1:2008, um homem adulto “sentado no teatro” libera um calor de 115 W. Para uma mulher adulta, 85% disso e para uma criança é 75%. Portanto, valor médio de 95 W. Já se as pessoas estiverem realizando atividades físicas, o calor liberado é maior.
  3. Iluminação artificial – lâmpadas incandescentes convertem apenas 10% de sua potência elétrica em luz, sendo o restante (90%) dissipado em forma de calor. Já a lâmpada fluorescente dissipa 75% de sua potência em calor, e as lâmpadas de LED são as mais eficientes.
  4. Motores e equipamentos – adota-se como calor cedido ao ambiente cerca de 60% da potência nominal dos aparelhos elétricos.
  5. Processos industriais – fabricação de certos materiais e a execução de determinadas tarefas liberam bastante calor ao ambiente.

Veja mais valores de taxas típicas de calor liberado por pessoas, iluminação e equipamentos de escritório, comerciais e industriais clicando no link da norma NBR 16.401-1:2008 (Anexo C – Fontes internas de calor e umidade).

Você pode realizar o Cálculo de Carga Térmica clicando nesse link e apenas inserindo algumas propriedades do seu ambiente para dimensionar corretamente a potência do aparelho de ar condicionado.

Ventilação

A ventilação (natural ou forçada) proporciona a renovação do ar ambiente, sendo de grande importância para a higiene e conforto térmico, pois dissipa o calor e promove a desconcentração de vapores, fumaça, cheiros, micro-organismos, etc. Segundo a ABNT, é necessário renovar 50 m³ por pessoa em locais de muita concentração. A diferença de pressões exercidas pelo ar sobre um edifício pode ser causada pelo vento ou pela diferença de densidade do ar interno e externo (ou ambos). Um equipamento muito conhecido que promove a ventilação forçada é o ventilador.

O sistema de ventilação nas estações do metrô funciona baseado no “efeito pistão” gerado pelo movimento dos trens. O ar é empurrado de dentro dos túneis pelos trens até as plataformas, que por sua vez empurra o ar que já estava aí até as saídas das estações (por isso tem vezes que venta bastante na saída das estações). Atrás dos trens se movendo, o volume de ar é sugado de torres de ventilação (saídas de ar aproximadamente na metade entre duas estações) e grades localizadas em calçadas e praças. O movimento do ar pode ser o inverso também, o que explica a cena do filme “O Pecado Mora ao Lado” em que o vestido cor de marfim de Marilyn é levantado na rua pelo jato do respiradouro do metrô na calçada (um ícone da cinematografia mundial).

Sistema de ventilação das estações de metrô de São Paulo (linha azul, norte-sul).
Sistema de ventilação das estações de metrô de São Paulo (linha azul, norte-sul).

Adicionalmente, em cada estação há um sistema que extrai o ar sob as plataformas, que é insuflado pelo movimento dos trens (e aquecido pela energia dissipada na frenagem) e do seu interior. Nos vagões, a ventilação é promovida por ventiladores no teto, que podem trabalhar em duas velocidades e jogam o ar mais fresco para baixo no centro das composições, e por exaustores, localizados embaixo dos assentos que sugam o ar interior para baixo do vagão (veja esquema abaixo). Através da pressurização dos carros (fluxo de ar do interior para o exterior), sempre com ar filtrado, evita-se a entrada de pó pelas frestas das portas.

Sistema de ventilação dos vagões de metrô (VE = ventilação, EV = calor em evaporação, CO = calor em convecção, EX = exaustão, RAD = calor em radiação).
Sistema de ventilação dos vagões de metrô (VE = ventilação, EV = calor em evaporação, CO = calor em convecção, EX = exaustão, RAD = calor em radiação).

É condição ideal de conforto dentro das estações do Metrô, 22°C para o verão e 19°C para o inverno. O limite máximo de velocidade do ar que atinge o usuário na plataforma é de 2,5 m/s a 1,5 m/s e nos acessos é de 3 m/s.

Climatização de ambientes de trabalho

A NR17 é uma norma geral que visa padronizar a prática do trabalho de basicamente todos os trabalhadores no Brasil. O item 17.5 descreve como deve ser a climatização do local, estipulando temperatura efetiva entre 20°C e 23°C, umidade relativa do ar acima de 40% e velocidade do ar inferior a 0,75 m/s veja mais em NR17 e a climatização de ambientes: Entenda melhor como ficar na lei!

Um estudo de 2019 mostra que as mulheres têm melhor desempenho em tarefas matemáticas e verbais em temperaturas mais altas, enquanto o efeito reverso é observado em homens. Quanto maior a temperatura, a produtividade feminina aumenta a uma razão maior do que a a produtividade masculina decai. Ou seja, o artigo sugere que, em ambientes mistos, a temperatura fique sempre nos maiores valores possíveis, já que o ganho feminino é mais forte do que a perda masculina de eficiência. Fonte: Chang TY, Kajackaite A (2019) Battle for the thermostat: Gender and the effect of temperature on cognitive performance. PLoS ONE 14(5): e0216362. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0216362

Refrigeração

O ar frio é mais pesado que o ar quente. Se for morar em lugar de clima frio, opte por camas altas e com espaço vazio embaixo. Se for dormir em um beliche, escolha a cama de cima se estiver frio e a de baixo se estiver quente. Por isso também que o ar condicionado é instalado na parte de cima dos ambientes (para o ar frio escoar para baixo) e o aquecedor fica próximo ao chão, geralmente junto a entradas de ar (o ar frio desce pela janela, aquece e sobe para o resto do ambiente).

O condicionamento de ar realizado (muitas vezes pelo aparelho de ar condicionado) é o processo de tratamento do ar interior em espaços fechados, o que envolve regular a temperatura (aquecimento/resfriamento), umidade (umidificação/desumidificação), limpeza (filtragem) e movimento do ar (ventilação). A refrigeração do ar é realizada através de um ciclo que envolve quatro etapas:

  1. Evaporação – o fluido refrigerante entra na serpentina com uma mistura predominantemente líquida (com baixa pressão e temperatura) e absorverá calor do ar (forçado pelo ventilador que passa entre os tubos), causando sua evaporação.
  2. Compressão – o fluido refrigerante (no estado de vapor) é comprimido por um compressor, aumentando a pressão e a temperatura.
  3. Condensação – no condensador, o vapor perde calor para o meio condensante (ar ou água) e sai do condensador na forma líquida. Algumas pessoas usam a serpentina do condensador para secar roupas, devido ao calor liberado, mas isso não deve ser feito pois dificulta a dissipação do calor, diminuindo a capacidade de resfriamento e causando desgaste no refrigerador. Isso diminui a vida útil do compressor (o motor) e aumenta a conta de energia.
  4. Expansão – ocorre uma perda brusca (mas controlada) de pressão do fluido.
Ciclo de refrigeração a compressão. Fonte: Mecânica Caseira http://mecanicacaseira.blogspot.com.br/2010/07/como-funciona-o-ar-condicionado-dos.html
Ciclo de refrigeração a compressão. Fonte: Mecânica Caseira.

O ar-condicionado do tipo “janela” é o mais compacto, reúne todo o sistema de refrigeração em um só bloco. Já o aparelho do tipo split tem sua estrutura dividida em dois blocos: a unidade interna (evaporadora) e a externa (condensadora), o que deixa a parte mais “barulhenta” pro lado de fora.

O choque térmico desorganiza as defesas do organismo contra as doenças. Para minimizar um pouco o choque térmico, os aparelhos de ar condicionado devem estar regulados de forma que a diferença entre a temperatura do ar externo e interno seja menor do que 8°C.

A geladeira funciona utilizando o mesmo processo, podendo inclusive haver a formação de gelo devido às baixas temperaturas. O gelo acumulado nas paredes internas forma-se quando o vapor de água bate nas serpentinas geladas do congelador. O refrigerador com “Frost Free” possui uma resistência de aquecimento ou uma bomba de calor. Este equipamento vai ser acionado durante o ciclo de funcionamento por diversas vezes e por um curto período de tempo. A presença de calor junto da tubagem frigorífica vai derreter qualquer vestígio de gelo que se tenha formado na mesma, e por meio desta ação o gelo passará a água que é encaminhada para uma calha. Daí segue para um depósito situado na traseira do refrigerador, em cima do seu compressor, onde são atingidas elevadas temperaturas. Assim, a água aquecida retornará ao vapor e será apenas umidade no ar circundante.

Fontes

  • Palestra sobre ar condicionado (FAU-USP)
  • Sistemas de Ventilação – Especificações técnicas Linha Norte-Sul (vol. 1), Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), São Paulo, 1975.
  • Manual de Conforto Térmico, Anésia Barros Frota e Sueli Ramos Schiffer, São Paulo, 2003.
  • Refrigeração e ar condicionado, Luiz Magno de Oliveira Mendes, Rio de Janeiro, 1984.
  • Conforto de Cabine aeronáutica
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