A utilização da energia solar vai além da intensidade de irradiância disponível: a variabilidade temporal desse recurso é um dos maiores desafios para seu aproveitamento em larga escala. Essa variabilidade ocorre em diferentes escalas, desde padrões anuais ligados a ciclos astronômicos até oscilações rápidas de minutos ou segundos associadas à presença de nuvens, chuva ou aerossóis. Em curtos intervalos, tais flutuações podem comprometer a qualidade e a estabilidade da rede elétrica, gerando problemas em inversores, transformadores e controladores de tensão, além de afetar diretamente a eficiência de usinas solares. Com a crescente participação da energia solar na matriz elétrica, torna-se fundamental avaliar e mitigar esses impactos para garantir segurança e confiabilidade no fornecimento.
Um evento/taxa de rampa (Ramp rate, RR) pode ser definida como a diferença entre a produção de energia (ou, nesse caso, a irradiância) de dois instantes. O Variability Index (VI, Stein et al., 2012) e o Daily Aggregate Ramp Rate (DARR, Van Haaren et al., 2014) são estatísticas diárias de variabilidade. Uma análise conjunta da variabilidade com a disponibilidade de radiação solar (Índice de Claridade, ou Kt) está presente no Percentual de Dias Sem Nuvens (Cloudless Percentage Days – CPD), um índice que quantifica de forma objetiva a variabilidade temporal da irradiância solar. O CPD representa a fração de dias classificados como claros e estáveis em relação ao total observado em um ponto, levando em conta altos coeficientes de claridade e baixa ocorrência de rampas de irradiância. Esse indicador permite identificar locais com maior regularidade na disponibilidade do recurso solar, além de possibilitar comparações entre diferentes regiões, servindo como uma ferramenta prática para avaliar o potencial solar sob a perspectiva da variabilidade.
Neste estudo foram utilizados dados obtidos durante a campanha científica Green Ocean Amazon (GoAmazon 2014/5), realizada entre 2014 e 2015 na região central da Amazônia. As observações foram feitas na estação T3, localizada em área de pastagem cercada por floresta nativa no município de Manacapuru (AM), nas coordenadas 3,21°S e 60,6°W. O conjunto de medições foi registrado pela plataforma SKYRAD (Sky Radiation), que integra sensores radiométricos, sendo a irradiância global horizontal (GHI) obtida por um piranômetro PSP (Precision Spectral Pyranometer) ventilado, fabricado pelo The Eppley Laboratory, Inc. Os dados foram coletados com frequência de 2 segundos, processados em médias de 1 minuto, e abrangem o período total da campanha.
Análises
Em Rocha et al. (2022), observou-se dois tipos de comportamento de histogramas de DARR para os dados de piranômetro e frequência de 5 minutos:
- Padrão centro-sul (maioria das estações do Brasil): distribuição em que há predominância de valores baixos de variabilidade — ou seja, quanto maior o valor de DARR, menor o número de dias observados, aproximando-se mais de uma distribuição do tipo gama. Esse comportamento é esperado em regiões onde a cobertura de nuvens e outros fatores atmosféricos variam de forma menos intensa e mais previsível.
- Padrão norte (estações no norte do Brasil, que inclui Caicó, Natal, São Luiz e Termoaçu/RN): distribuição com pico de DARR entre 8 e 12, aproximando-se mais de uma distribuição normal. Isso se relaciona à influência de ventos alísios intensos e presença frequente de nuvens nessa região, que aumentam a ocorrência de flutuações de irradiância, deslocando o pico da distribuição para valores intermediários.
A mesma metodologia foi aplicada para gerar os histogramas de DARR para as frequências de 1 e de 5 minutos nos dados da estação T3. Observa-se que apresentam formato aproximadamente de uma curva gaussiana, compatível com as estações da porção norte do Brasil. O valor médio (ao redor de 10) é compatível com o observado para o mesmo conjunto de estações (entre 8 e 12) na mesma frequência de 5 minutos. Comparando-se as diferentes frequências, na de 1 minuto, a distribuição é mais assimétrica devido à presença de variações rápidas, extremas e eventos não diluídos. Ao considerar intervalos maiores (5 minutos), existe a suavização das flutuações rápidas e diluição dos eventos extremos, assim como a questão do teorema central do limite (soma de muitas variáveis independentes e identicamente distribuídas converge para uma distribuição normal, mesmo que as variáveis originais não sejam normais).

A Figura 2 mostra a distribuição dos valores dos índices diários de claridade (Kt) e variabilidade (DARR). Para ambas as frequências, é observada a distribuição dos valores no formato “ponta de flecha”, conforme os trabalhos anteriores previam. Os valores de Kt ficam principalmente entre 0,1 e 0,7, enquanto que os valores de DARR atingem valores máximos cada vez menores com a redução da frequência de dados (aproximadamente 12 para 5 min e aproximadamente 35 para 1 min). Isso ocorre devido à suavização dos valores de irradiância calculados nas médias, refletindo em menores valores de DARR.

Ainda na Figura 2, observa-se que os dados foram agrupados em quatro conjuntos, usando algoritmo k-means. Eles representam diferentes condições de disponibilidade do recurso solar, onde o grupo de melhor condições para aproveitamento da energia solar (maior Kt e menor DARR) corresponde ao grupo 1 – azul. O percentural de dados que compõe esse grupo é o valor de de CPD.

A Figura 3 apresenta os valores de CPD mensais, anuais e geral para todo o período. Nota-se que as diferenças entre os valores de CPD para as duas frequências estudadas são muito pequenas. Observa-se uma melhor qualidade do recurso solar no final da estação seca e início do período de transição (maiores valores em agosto e setembro), quando a atmosfera está mais seca e existem menos nuvens. Pela razão inversa, os menores valores de CPD estão na estação úmida. O valor de CPD para 2015 é maior do que o de 2014. A explicação está na redução de nuvens devido ao fenômeno El Niño, impactando em uma maior qualidade do recurso solar.
Como o CPD é um índice relativo ao conjunto de dados utilizado, para comparação com outras regiões, é preciso delimitar a região dos pontos de melhor recurso solar com base em uma distribuição de dados para uma região mais ampla e com diferentes climas, também usando um período mais longo de dados. Em Rocha et al. (2022), esse gráfico foi feito para GHI com frequência de 5 minutos de diferentes estações em território brasileiro. Dele, pode-se aproximar visualmente um limite máximo de DARR = 10 (em vez de 12) e mínimo de Kt = 0,5 (o mesmo).
A Figura 4 apresenta os valores de CPD com essa nova restrição. Nota-se que os padrões analisados continuam os mesmos. No entanto, a magnitude dos valores de CPD diminui em todos os meses, o que aponta para uma menor qualidade do recurso solar. Ao comparar com valores de outros pontos do território brasileiro (Rocha et al., 2022, tab. 2), os valores aqui obtidos são abaixo da maioria deles – o valor médio está acima somente de dois dos 17 locais de estudo.

Conclusões
Os resultados mostram que a variabilidade da irradiância solar na estação T3 (Amazônia Central) apresenta comportamento semelhante ao observado em estações do norte do Brasil, com histogramas de DARR próximos a uma distribuição normal e valores médios em torno de 10 para uma frequência de 5 minutos. A comparação entre diferentes frequências evidencia que intervalos menores (1 minuto) capturam variações rápidas e eventos extremos, resultando em distribuições mais assimétricas e maiores valores máximos de DARR, enquanto médias em 5 minutos suavizam essas flutuações.
A análise conjunta de Kt e DARR confirma o padrão esperado em formato de “ponta de flecha”, no qual o índice CPD identifica os períodos de melhor qualidade do recurso solar, concentrados no final da estação seca e início do período de transição, e valores mínimos durante a estação úmida. Além disso, a influência do El Niño em 2015 resultou em maiores valores de CPD em comparação a 2014, reforçando a importância das condições atmosféricas de larga escala na modulação da variabilidade solar.
Por fim, a aplicação de limiares fixos derivados de uma climatologia mais ampla mostrou que a região de estudo apresenta valores de CPD relativamente baixos frente a outros pontos do Brasil, evidenciando limitações locais para o aproveitamento da energia solar sob a ótica da variabilidade. Uma discussão mais aprofundada pode ser encontrada em Rocha (2025).
Referências
ROCHA, V. R. da; COSTA, R. S.; MARTINS, F. R.; GONÇALVES, A. R.; PEREIRA, E. B. Variability index of solar resource based on data from surface and satellite. Renewable Energy, v. 201, p. 354–378, dez. 2022. ISSN 0960-1481. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.renene.2022.10.093.
ROCHA, V. R. da, 2025. Previsão de irradiância e sobreirradiância na Amazônia com aprendizado de máquina. Ph.D. thesis. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. São José dos Campos.
J. Stein, C. Hansen, M.J. Reno, The variability index: a new and novel metric for quantifying irradiance and pv output variability, World Renew. Energy Forum (2012) URL https://www.osti.gov/biblio/1068417.
R. van Haaren, M. Morjaria, V. Fthenakis, Empirical assessment of short-term variability from utility-scale solar PV plants, Prog. Photovolt., Res. Appl. 22 (5) (2014) 548–559, http://dx.doi.org/10.1002/pip.2302.
