Um incêndio por si só já é um desastre do ponto de vista ambiental e econômico. No entanto, a fumaça também pode contaminar as construções com metais pesados e outras substâncias cancerígenas, sendo necessária uma descontaminação ou até inutilizar a edificação.

Grandes incêndios florestais registrados em Portugal, na Califórnia e no Pantanal brasileiro nos últimos anos têm revelado não apenas o aumento expressivo de perdas humanas e econômicas, mas também a complexidade dos impactos ambientais e sociais associados a esses eventos. A intensificação das mudanças climáticas — marcada por elevação das temperaturas médias, alteração nos padrões de precipitação e prolongamento de períodos de estiagem — contribui diretamente para a maior frequência, extensão e severidade dos incêndios. Esse cenário favorece a propagação de queimadas em áreas antes menos vulneráveis, ampliando os riscos à saúde pública, à biodiversidade e à infraestrutura urbana e rural.
Quando estruturas queimam, a combustão não transforma tudo em “cinzas inocentes”; ela quebra materiais complexos e libera uma mistura química que pode permanecer por meses no solo, nas superfícies internas das casas e no ar. Edifícios modernos contêm tintas, isolantes, produtos eletrônicos, plásticos, móveis com retardantes de chama e tubulações metálicas. A queima desses materiais produz metais pesados (chumbo, arsênico, zinco), cromo hexavalente, compostos voláteis e semi‑voláteis (formaldeído, furfural e outros aldeídos), cianetos e partículas ultrafinas que se depositam em paredes, pisos, móveis e sistemas de ventilação.
Partículas finas e vapores tóxicos entram pelas vias respiratórias e podem agravar asma, causar irritação crônica e aumentar risco de doenças respiratórias e cardiovasculares. Poeira contaminada deposita-se em superfícies e brinquedos; crianças são especialmente vulneráveis por contato mão‑boca e maior taxa de absorção de metais como o chumbo. Fumaça e gases podem penetrar profundamente em materiais porosos (madeira, gesso, têxteis) e ser liberados lentamente, mantendo a contaminação ativa por meses.
Partículas e nanopartículas tóxicas também podem ser transportadas por quilômetros com o vento, contaminando áreas que não foram diretamente queimadas; estudos e análises em comunidades afetadas na Califórnia encontraram cromo hexavalente e outras nanopartículas capazes de se deslocar até 10 km das áreas incendiadas, ampliando a população exposta. Materiais porosos como gesso, carpete e estofados muitas vezes retêm contaminantes de forma que limpezas superficiais não removem.
Deve ser feita uma avaliação laboratorial com amostragens de pó, superfícies, solo e materiais estruturais para quantificar metais pesados e compostos orgânicos. Muitas famílias dependem de análises caras para saber se podem voltar a habitar suas casas. É necessário o uso de máscaras apropriadas e equipamentos de proteção ao entrar em ambientes potencialmente contaminados; atenção médica para quem apresenta sintomas respiratórios agravados. Também deve ser realizada uma descontaminação profunda: remoção e substituição de materiais porosos, limpeza especializada de dutos e superfícies duras com protocolos industriais, purificação do ar com sistemas HEPA e, quando necessário, demolição e reconstrução.
A necessidade de limpeza e reconstrução enfrenta barreiras: falta de normas claras sobre responsabilidade e cobertura por seguradoras, custo elevado das análises e da descontaminação, além do impacto psicológico e da insegurança sobre a habitabilidade das residências. Em casos recentes na Califórnia, proprietários enfrentaram negativas ou avaliação “caso a caso” por seguradoras, e grupos comunitários têm documentado contaminações em dezenas de amostras para pressionar por respostas e normas públicas.
Fontes
- UOL – ‘Desastre após desastre’: Casas resistiram a incêndios em LA e agora estão intoxicadas
- BBC – Portugal wildfires: at least 61 die in ‘the worst forest fire in memory’
- Um Só Planeta (Globo) – Área queimada no Pantanal em 2024 quase quadruplica em relação aos últimos 5 anos
- MapBiomas / Nota técnica – SECA EXTREMA E INCÊNDIOS NO PANTANAL EM 2024
- France24 – No wonder I thought I had won the lottery — survivors now face toxic home clean-ups after California blazes
- Reuters – California wildfires: LA-area blazes kill 31 and destroy 16,000 buildings
