O desastre após o incêndio

Um incêndio por si só já é um desastre do ponto de vista ambiental e econômico. No entanto, a fumaça também pode contaminar as construções com metais pesados e outras substâncias cancerígenas, sendo necessária uma descontaminação ou até inutilizar a edificação.

"President Donald J. Trump Travels to California" by The White House
“President Donald J. Trump Travels to California” by The White House

Grandes incêndios florestais registrados em Portugal, na Califórnia e no Pantanal brasileiro nos últimos anos têm revelado não apenas o aumento expressivo de perdas humanas e econômicas, mas também a complexidade dos impactos ambientais e sociais associados a esses eventos. A intensificação das mudanças climáticas — marcada por elevação das temperaturas médias, alteração nos padrões de precipitação e prolongamento de períodos de estiagem — contribui diretamente para a maior frequência, extensão e severidade dos incêndios. Esse cenário favorece a propagação de queimadas em áreas antes menos vulneráveis, ampliando os riscos à saúde pública, à biodiversidade e à infraestrutura urbana e rural.

Quando estruturas queimam, a combustão não transforma tudo em “cinzas inocentes”; ela quebra materiais complexos e libera uma mistura química que pode permanecer por meses no solo, nas superfícies internas das casas e no ar. Edifícios modernos contêm tintas, isolantes, produtos eletrônicos, plásticos, móveis com retardantes de chama e tubulações metálicas. A queima desses materiais produz metais pesados (chumbo, arsênico, zinco), cromo hexavalente, compostos voláteis e semi‑voláteis (formaldeído, furfural e outros aldeídos), cianetos e partículas ultrafinas que se depositam em paredes, pisos, móveis e sistemas de ventilação.

Partículas finas e vapores tóxicos entram pelas vias respiratórias e podem agravar asma, causar irritação crônica e aumentar risco de doenças respiratórias e cardiovasculares. Poeira contaminada deposita-se em superfícies e brinquedos; crianças são especialmente vulneráveis por contato mão‑boca e maior taxa de absorção de metais como o chumbo. Fumaça e gases podem penetrar profundamente em materiais porosos (madeira, gesso, têxteis) e ser liberados lentamente, mantendo a contaminação ativa por meses.

Partículas e nanopartículas tóxicas também podem ser transportadas por quilômetros com o vento, contaminando áreas que não foram diretamente queimadas; estudos e análises em comunidades afetadas na Califórnia encontraram cromo hexavalente e outras nanopartículas capazes de se deslocar até 10 km das áreas incendiadas, ampliando a população exposta. Materiais porosos como gesso, carpete e estofados muitas vezes retêm contaminantes de forma que limpezas superficiais não removem.

Deve ser feita uma avaliação laboratorial com amostragens de pó, superfícies, solo e materiais estruturais para quantificar metais pesados e compostos orgânicos. Muitas famílias dependem de análises caras para saber se podem voltar a habitar suas casas. É necessário o uso de máscaras apropriadas e equipamentos de proteção ao entrar em ambientes potencialmente contaminados; atenção médica para quem apresenta sintomas respiratórios agravados. Também deve ser realizada uma descontaminação profunda: remoção e substituição de materiais porosos, limpeza especializada de dutos e superfícies duras com protocolos industriais, purificação do ar com sistemas HEPA e, quando necessário, demolição e reconstrução.

A necessidade de limpeza e reconstrução enfrenta barreiras: falta de normas claras sobre responsabilidade e cobertura por seguradoras, custo elevado das análises e da descontaminação, além do impacto psicológico e da insegurança sobre a habitabilidade das residências. Em casos recentes na Califórnia, proprietários enfrentaram negativas ou avaliação “caso a caso” por seguradoras, e grupos comunitários têm documentado contaminações em dezenas de amostras para pressionar por respostas e normas públicas.

Fontes

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.